terça-feira, 2 de abril de 2013

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07) parte II


Por Dentro do III Reich - 07 1975 - parte 2


Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07/34)

Capítulo sete - Obersaltzberg

pp. 111-115

Da vida social em Obersaltzberg só me ficou um vazio. Por sorte que, durante meus primeiros anos de prisão, anotei alguns modismos, usuais nas conversas, e que agora posso considerar autênticos.

Em muitas das conversas, à sobremesa ou na hora do chá, falavam de modas, da criação de cachorros, de teatro, de cinema, de operetas e suas estrelas, tudo isso  entremeado de referências mesquinhas à vida das famílias de outras pessoas. Hitler pouco se referia à questão judaica, aí inimigos políticos internos, e muito menos à instalação de campos de concentração. Isso se devia mais à trivialidade das conversas do que a uma intenção predeterminada. Mas, por outro lado, Hitler divertia-se freqüentes vezes à  custa dos seus mais próximos colaboradores. Não é por acaso que me ficaram gravadas estas observações da memória, pois, no final de contas, tratava-se de pessoas acima de qualquer crítica pública. No círculo íntimo de Hitler ninguém estava obrigado a guardar silêncio. No caso das mulheres, ele dizia encarecer de sentido obrigarem-nas a ficarem caladas. Pretendia causar alguma impressão, quando falava com desprezo de alguém ou de muitos? Tratava-se de um menosprezo geral para que com pessoas e acontecimentos?

Freqüentemente Hitler comentavam do mito de Himmler com suas SS:

- Que insensatez! E agora que afinal fomos tão longe, em uma época em que se deixou para trás toda a classe de misticismo, vamos outra vez iniciar desde o começo. Para isso, poderíamos ter ficado com a Igreja. Esta, pelo menos, tem tradição. A idéia corajosa a de eu algum dia ser canonizado "santo das SS". Veja o senhor! Eu me moveria na sepultura.

- Este Himmler pronunciou um outro discurso, em que dá a Carlos Magno o qualificativo de Carniceiro da Saxônia. Ao contrário da opinião de Himmler, a matança de um grande número de saxões não foi um crime histórico. Carlos Magno agiu muito acerto, subjugando Widukind, matando sem rodeios os saxões. Isso possibilitou a formação do Reino dos Rrancos e a penetração da cultura do ocidente na Alemanha de nosso tempo.

Himmler mandou que se fizessem escavações pré-históricas de que participavam cientistas.

- Por que mostrar a todo mundo que não temos nenhum passado? Pelo visto, já não basta que os romanos tivessem levantado suas grandes obras quando nossos antepassados ainda viviam em choças de barro. Agora Himmler tem que fazer escavações, dessas aldeias de casas de barro, para entusiasmar-se quando encontrar um caco de argila, um machado de pedra. Assim, provaremos que ainda lutávamos com machados de terra e estávamos de cócoras, em torno de tendas e fogueiras, ao ar livre, quando a Grécia e Roma tinham chegado ao seu mais alto grau de civilização. Para  falar a verdade, nós tínhamos toda a razão para silenciar sobre esse passado. Mas, em vez disso, Himmler propala-o aos quatro ventos. Como os romanos de hoje não estão rindo desses descobrimentos?

No âmbito do seus colaboradores políticos, quando estavam em Berlim, Hitler manifestava-se duramente contra a Igreja. No entanto, entregava um tom menos agressivo, na presença de mulheres que, sendo oferecido um dos muitos exemplos de suas cautelas em manifestar seus pensamentos de acordo com as pessoas que o ouviam.

Em outra ocasião, naquele círculo, declarou:

- Não há dúvida, a Igreja é necessária ao povo. É um elemento forte e conservador.

Falando assim referia-se a um instrumento que estava ao seu lado:

- O Reibi - assim se denominava o primaz do Reich, Ludwig Müller - teria de ser um personagem... mas considerando-se a nomeação para essa função de um pequeno sacerdote castrense! De boa vontade eu lhe daria o todo o meu apoio... poderia ser a Igreja do Estado, como acontece na Inglaterra.

Mais uma vez, em 1942, em uma conversa na hora do chá, em Obersaltzberg Hitler acentuou que considerava imprescindível a Igreja na vida do Estado. Afirmou que seria feliz se um dia encontrasse um homem da Igreja bastante habilitado a dirigi-la, ou, se possível, não uma porém as duas. Enquanto falava assim, condenava a luta contra a Igreja como um atentado ao futuro de um povo. Em sua opinião, era impossível substituir a Igreja por "uma ideologia de partido". Indiscutivelmente, depois de um largo período, a Igreja saberia adaptar-se aos fins políticos do nacional-socialismo. Deus tem sabedoria e assim solucionaria os problemas políticos no decurso da história. Uma nova religião, apoiada em um partido, nada mais seria do que um retrocesso ao misticismo medieval. Isso era demonstrado pelo mito das SS pelo incompreensível livro de Rosenberg O mito do século XX.

Se em um daqueles monólogos Hitler tivesse manifestado um pensamento de oposição à Igreja, Bormann com certeza teria tirado de um bolso uma folha de papel em branco para anotar as palavras do Führer, como era do seu hábito. E ele o fazia com mais interesse quando se tratava de opiniões hoje depreciativas à Igreja naquela ocasião, eu supus que ele tivesse fazendo uma biografia de Hitler.

Quando, mais ou menos em 1937, Hitler soube que muitos partidários seus se tinham afastado da Igreja, por instigação do partido e das SS, pois a Igreja resistia, obstinadamente, às diretrizes de Hitler, este, por oportunismo, ordenou que seus colaboradores mais importantes continuassem membros da Igreja, particularmente Goering e Goebells. Também ele continuaria na Igreja Católica, embora não tivesse nenhum vínculo espiritual com ela. E assim continuou até o suicídio.

A concepção de Hitler e de sua Igreja estatal poderia ser imaginada pela narrativa, freqüentemente repetida, de uma delegação de árabes nobres: segundo teriam explicado os visitantes, os maometados foram derrotados na  Batalha de Poitiers e, quando pretenderam invadir a Europa através da França. Se os árabes tivessem ganho a batalha, o mundo seria muçulmano. De fato, teria imposto aos povos germânicos uma religião que, pela sua doutrina - propagação da fé pela espada e submissão dos povos a essa fé -, estaria de completo acordo com o caráter dos germanos. Por causa da inferioridade racial, depois de anos, os conquistadores não teriam conseguido impor-se aos habitantes dessa área geográfica, mais rigorosos, mais acostumados à áspera natureza do solo. No final, não teriam sido os árabes, mas os germanos maometanizados,  que estariam no governo desse império mundial dinâmico.

Hitler costumava terminar naquela argumentação com a seguinte observação:

- Temos, precisamente, a desgraça de que a nossa religião não nos convém. Por que não temos a religião dos japoneses, cuja aspiração máxima está no sacrifício pela Pátria? Para nós a religião maometana  teria sido melhor do que o Cristianismo, uma religião frouxa e paciente.

Considere-se que, já antes da guerra, ele repetia: "Os siberianos, os russos brancos, os homens da estepe, desfrutam hoje ter uma saúde extraordinária. E isso capacita-os a evoluir, e no futuro serão biologicamente superiores aos alemães". Nos últimos meses da guerra repetia, de modo drástico, essa observação.

Rosenberg vendeu centenas de milhares de exemplares de O mito do século XX, um volume de 700 páginas. Esse livro, ao aparecer, foi considerado publicamente a obra que definia a ideologia do partido. Mas, nas conversas à hora do chá, Hitler qualificava-o "um palavreado que ninguém pode compreender", escrito por  um báltico de mente estreita, que pensa de um modo espantosamente complicado". Ele se admirava de que tal livro pudesse ter  tido ao menos uma edição.

- É um retrocesso às idéias da Idade Média.

Mas não se sabe se Rosenberg tinha tido conhecimento  daquelas opiniões do Führer, feitas em um círculo íntimo.

Segundo Hitler, a civilização dos gregos era a expressão da perfeição máxima, em todos os planos. Em sua o quinhão, a forma grega de entender a vida, tal como se refletia, por exemplo, na arquitetura, teria sido "fresca e sadia". A fotografia de uma bela nadadora levou-o um dia às seguintes reflexões:

- Como se podem ver hoje corpos maravilhosos! Tivemos de esperar pelo nosso século para que a juventude se aproximasse de novo, mediante esportes, dos ideais helênicos. Nos séculos passados, não se deu a menor atenção ao corpo. Mas, nisso, a nossa época se diferencia dos demais períodos da civilização, transcorridos desde a Antiguidade.

Mas Hitler não queria praticar nenhum esporte. Nem me disse que tivesse praticado algum em sua mocidade.

Quando falava dos gregos, referia-se aos dórios. Naturalmente, dentro desse pensamento, admitia a tese, alimentada pelos cientistas daquele tempo, de que o ramo dórico, proveniente do norte, era de origem germânica. Por isso a cultura dórica não pertencia ao mundo mediterrâneo.  



Um dos seus temas preferidos era a paixão de Goering pela caça:

- Como é possível alguém se entusiasmar por uma coisa assim? Matar animais, quando necessário, incumbe ao magarefe. Mas gastar montões  de  dinheiro com isso? Compreendo a existência dos caçadores profissionais, para a eliminação dos animais doentes. Se, ao menos, nessa atividade houvesse algum perigo, como nas eras em que se caçavam feras empunhando lanças!... Mas hoje, quando um indivíduo, ainda que barrigudo, pode derribar, atacando-o que de longe?... A caça e as corridas de cavalo são os últimos restos de um mundo feudal, já desaparecido...

Também Hitler se divertia quando o embaixador Hewel, o homem de confiança de Ribbentrop, lhe contava, detalhadamente, o conteúdo das conversas telefônicas com ministro das Relações Exteriores. Dava-lhe até conselhos para tranquüilizar o seu chefe ou também confundi-lo. Havia ocasiões em que ele se colocava ao lado de Hewel. Este, tapando uma das extremidades do fone, repetia as palavras de Ribbentrop e Hitler sussurrava-lhe o que devia dizer o auxiliar de Ribbentrop. Em geral tratava-se de observações sarcásticas para aumentar a constante preocupação do desconfiado ministro das Relações Exteriores. Hitler sugeria que círculos incompetentes  poderiam influir em questões da política exterior, disso decorrendo desprestígio do ministro.

Depois de dramáticas negociações, Hitler era capaz de divertir-se à custa dos seus opositores. Uma vez, ele contou como, no dia 12 de fevereiro de 1938, fingindo-se encolerizado, fez o chanceler austríaco Shuschnigg se convencer da gravidade da situação do seu país, quando este lhe fez uma visita em  Obersaltzberg, obrigando-o assim, a se render. Muitas das suas reações, que pareciam histéricas, das quais muitos falaram, podem ser atribuídas a fingimentos dessa ordem. Precisamente, uma das características mais acentuadas em Hitler era o domínio de si mesmo. Naquela época, foram poucas as vezes em que se desmandou.

Lá para o ano de 1936, Schacht apresentou-se na sala de estar da resistência de montanha para expor a situação. Nós estávamos sentados no terraço contíguo, achando-se aberta a janela daquela sala. Hitler gritava para o seu ministro da Economia e em sua voz havia acentos de alta excitação. Schacht respondia àqueles gritos com voz firme e alta. O diálogo foi adquirindo maior privacidade, da parte de ambos, e terminou de maneira brusca. Hitler foi para o terraço, colérico, e externou considerações sobre o seu recalcitrante o ministro, que estava dificultando o rearmamento da Alemanha. Outra crise de cólera foi a suscitada em 1937, pelo Pastor Niemöller, que havia pronunciado outro sermão revolucionário em Dahlem. Mostraram-lhe também gravações das conversas telefônicas de Niemöller. Hitler, com voz estridente, ordenou que Nielemöller fosse internado em um campo de concentração, de onde não saiu mais, por haver manifestado sua recusa em desdizer-se.

Há outro caso, relacionado com a sua juventude. Em uma viagem de Budweis a Krems, feita em 1942, via-se no caminho um grande letreiro, que chamava a atenção para uma casa situada em uma aldeia chamada Spital, próxima de Weitra, na fronteira tcheca. Segundo indicava a placa, o Führer tinha morado naquela casa, quando menino, uma casa esplêndida. Falei isso a Hitler, que, imediatamente, perdeu as estribeiras. Chamou aos gritos Bormann, que veio consternado. Hitler falou-lhe com dureza, para lembrar-lhe que ele já ouvira diversas vezes que não devia mencionar aquela localidade, de modo algum. Apesar disso, aquele asno do chefe regional mandou colocar um letreiro ali. O cartaz tinha de ser retirado imediatamente. Não pude compreender o motivo daquela irritação, pois Hitler ficava satisfeito quando Bormann lhe falava da restauração de outros locais, que recordavam sua mocidade, em Linz, em Braunau... Sabe-se hoje da obscura origem de sua família, naquele rincão de um bosque austríaco.

De quando em quando fazia desenhos de uma torre das históricas fortificações de Linz:

- Este era o meu lugar favorito para brincadeiras... Como aluno eu era ruim, mas quando se tratava de pilhérias eu era o primeiro. Mais tarde, como recordação daquele tempo, mandarei transformar essa torre em um grande albergue para crianças.

Também falava, freqüentemente, das suas primeiras impressões políticas, quando rapaz. Quase todos os seus colegas em Linz, tinham a impressão de que a imigração dos tchecos para a Áustria alemã tinha que ser repelida. Isso lhe tinha dado, pela primeira vez, consciência do problema das nacionalidades. Ademais, em Viena, via surgir de maneira fulminante o perigo do judaísmo. Muitos operários com os quais ele convivia adotavam uma atitude duramente anti-semita. Mas, segundo suas próprias palavras, "não tinha as mesmas idéias dos operários no tocante à social-democracia, e jamais pertenceu a um sindicato. Isso acarretou as minhas primeiras dificuldades políticas".

Talvez tenha sido essa uma das razões pelas quais não guardava boa recordação de Viena, ao contrário do que ocorria quando falava do seu tempo em Munique, antes da guerra, mostrando-se então entusiasmado. E freqüentemente falava contente das casas que vendiam salsichas. Hitler exprimia seu respeito e estima ao bispo de Linz, quando ele era menino, o qual, vencendo resistências, conseguiu construir a catedral com dimensões invulgares. Como essa catedral ia ser maior do que a de Santo Estevão, em Viena, o bispo, segundo dizia Hitler, tivera dificuldades com o governo austríaco, que não desejava construções no país de obras maiores do que as existentes em Viena.

Hitler sentir entusiasmo pelo aspecto que, no decurso dos séculos, havia adquirido Budapeste, nas 2 margens do Danúbio. Ambicionava transformar Linz  em uma Budapeste alemã. Sobre o assunto, era de opinião que havia um equívoco na orientação da cidade de firma, pois alcançava o Rio somente por sua parte posterior. Na opinião de Hitler, os antigos planificadores não tinham sabido aproveitar o Rio, sob o ponto de vista o urbanístico.

Já antes da guerra, algumas vezes, Hitler dissera que se recolheria em Linz para terminar sua vida, na capacidade, afastado dos negócios do Estado, depois de alcançados os seus objetivos políticos. Não desempenharia mais nenhum cargo estatal, pois somente assim seu sucessor disporia da necessária autoridade. Não influenciaria seu substituto, de modo nenhum. E ele - Hitler -  logo seria esquecido. Toda a gente o abandonaria. Prosseguindo esses pensamentos, mostrou-se compadecido dele mesmo:

- Talvez me visite algum dos meus antigos colaboradores. Mas isso não é certo... Ninguém me acompanhará, exceto a senhorita Braun e meu cachorro. Estarei sozinho... Como virá alguém passar muito tempo em minha companhia? Ninguém se importará se estou vivo. Todos virão correndo em busca do meu sucessor. Talvez apareçam em minha casa no dia do meu aniversário.

Naturalmente, as pessoas presentes à tertúlia protestavam solenemente, afirmando que lhe continuariam sendo fiéis e estariam sempre ao seu lado. Quaisquer que fossem os motivos que induziram Hitler a pensar em uma prematura retirada da política, esses pareciam fundar-se, em tais momentos, em que a origem e a razão da sua autoridade era a sua posição forte, não a sua personalidade e a capacidade de sugestão.

A auréola na de Hitler, para os colaboradores, que não tinham trato direto com Hitler, era muito maior do que aquela vista pelos que participavam do círculo íntimo. Neste, não se falava dele em tom respeitoso. Era denominado "o chefe". Não se ouvia o clássico "Heil Hitler!" Todos se  cumprimentavam com um "bom dia". Até havia ironias, à custa de Hitler, que não se aborrecia com isso. Eva Braun, sem cerimônias, chamava a atenção de Hitler, na presença de todos, sobre a gravata que não combinava com o terno, e, algumas vezes, dizia que ela era a "rainha".

Um dia, quando estavam sentados em torno da grande mesa redonda, na casa de chá, Hitler começou a olhar-me fixamente. Em vez de baixar o meu, considerei que isso é uma provocação. Ninguém sabe que instintos primitivos provocam essa pugna, na qual os adversários miram-se, firmemente, nos olhos um do outro, até quando um deles baixa a vista. De qualquer modo, eu estava acostumado a sair vitorioso desses embates visuais. Mas, naquela ocasião, tive de usar de uma energia quase sobre-humana, que parecia infinda, para não ceder ao impulso cada vez mais acentuado de olhar em outra direção. Afinal, Hitler fechou os olhos, para logo depois dirigir-se à senhora sua vizinha.

Às vezes, eu perguntava a mim mesmo: "Que me falta para qualificar Hitler de meu amigo?" eu pertencia ao grupo dos que o rodeavam, estava em seu círculo íntimo como em minha própria casa e, além disso, era seu primeiro colaborador no seu campo favorito, a arquitetura.

Faltava tudo. Jamais conheci em minha existência alguém que tão raramente revelasse seus verdadeiros sentimentos. Seria, quando o fazia, voltava logo a fechar-se em si mesmo. Enquanto estive em Spandau, conversei com Hess sobre essa peculiaridade de Hitler. Segundo nossas experiências comuns, talvez tenham ocorrido momentos em que alguém tivesse conseguido aproximar-se mais dele. Mas isso implicava sempre uma desilusão. No caso de alguém que, embora cautelosamente, se deixasse iludir por um tom cordial nas palavras de Hitler, este, com uma expressão de repulsa, levantava logo um muro.

De qualquer modo, Hess era de opinião que havia uma exceção: Dietrich Eckart. Mas, afinal, concordamos que se tratava, mais do que de amizade, de uma veneração sentido pelo já importante personagem que, além de tudo, era tido em grande estima pelos meios anti-semitas. Depois da morte de Dietricht Eckart, em 1923, apenas 4 homens tratavam Hitler por "Du", como a um amigo: Esser, Christian Weber, Streicher e Roehm. Depois de 1933, Hitler aproveitou-se de uma ocasião favorável para fazer que o primeiro voltasse a tratá-lo por "senhor". Quanto ao segundo, foi evitando encontrar-se com ele. Dava um tratamento impessoal ao terceiro. E o quarto foi assassinado. Nem se revelara inteiramente humano nem simples em suas relações com Eva Braun. Entre ambos sempre houve a distância do chefe da nação para com uma rapariga modesta. Algumas vezes, dirigia-se à Eva Braun com uma expressão meio inconveniente, meio familiar, chamando-a Tschapperl. Este vocábulo, usado pelos camponeses bávaros, caracterizava a classe de relação que o unia à mulher.



Hitler deve ter tido clara consciência da aventura da sua vida, da alta aposta do seu jogo, quando, em novembro de 1936, em Obersaltzberg, se encontrou em uma entrevista com o Cardeal Faulhaber. Depois daquela conversa, Hitler e eu estivemos mal, sentados, junto ao balcão da sala de jantar. A noite crescia. Depois de estar muito tempo olhando para fora da janela, em silêncio disse:

- Há para mim duas possibilidades: ou levar adiante os meus planos, ou malograr. Se for bem-sucedido, eu me converterei em um dos maiores personagens da história. Se eu não conseguir êxito, serei condenado, desprezado, amaldiçoado.



quinta-feira, 21 de março de 2013

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07) parte I


Por Dentro do III Reich - 07 1975 - parte 1

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07/34)

Capítulo sete - Obersaltzberg

p. 100

Quem exerce o poder, seja o diretor de uma empresa ou o chefe de um governo, ou um déspota ditatorial, está exposto a um conflito permanente. Sua posição faz tão apetecido o seu favor que os inferiores podem ser seduzidos por este. Mas aqueles que o rodeiam não estão expostos somente ao perigo da corrupção, convertendo-se em cortesões; estão também expostos à tentação de seduzirem por sua parte o soberano, por sua manifesta subordinação.

Para a valorização do homem poderoso é decisivo ter de que forma reage a esse influxo permanente. Fui testemunha da conduta de industriais e militares que souberam resistir a essa tentação. Quando o poder é exercido já sobre gerações, não é raro encontrar uma certa incorruptibilidade herdada. Entre os que rodeavam diretamente Hitler, só algumas pessoas isoladas, tais como Fritz Todt, resistiam às tentações da corte. O próprio Hitler não oferecia nenhuma resistência visível à essa evolução.

As condições especiais do seu estilo de mando levaram Hitler a um crescente isolamento, mormente depois de 1937. Acrescente-se a essa circunstância a sua incapacidade para estabelecer contatos humanos. Naquela época, em nosso círculo íntimo, falávamos de uma mudança cada vez mais visível no Führer. Heinrich Hoffman acabara precisamente de publicar uma nova edição do seu livro O Hitler que ninguém conhece. A antiga edição fora retirada do mercado por causa de uma fotografia em que servia o Führer, amistosamente, ao lado de Rüehm, assassinado por ele. Hitler escolheu em pessoa as fotografias para a nova edição, que o mostravam jovial, sem afetação, um simples paisano. Mostraram-no de calças curtas de couro, em um barco, segurando remos, deitado na relva em um prado, andando pelo campo em companhia de jovens, ou nos estúdios de artistas. Mas a obra é para já inoportuno. Aquele Hitler que eu conhecia em 1930 tinha se transformado em um déspota isolado, quase sem relações, inclusive para aqueles que forma um sua roda íntima.

Em um vale retirado e elevado, nos Alpes bávaros , eu encontrei uma pequena casa de montanheses bastante espaçosa para nela se acomodarem algumas mesas de desenho e também, embora com algum aperto, a família e alguns auxiliares. Lá desenhamos, na primavera de 1935, os nossos planos de Berlim. Foram tempos felizes para o trabalho e minha família. Mas um dia cometi um grande erro: falei a Hitler daquela moradia idílica, ele logo me disse:

- Mas será muito melhor para mim. Eu ponho à disposição de sua família a casa Bechstein. Na galeria envidraçada, há lugar suficiente para o seu escritório.

Nos fins de maio de 1937, também saímos daquela casa. Mudamo-nos para um edifício de escritórios, que Bormann tinha mandado construir por ordem de Hitler, segundo meus desenhos. Assim, depois de  Hitler, Goering e Bormann, eu fui o quarto morador de Obersaltzberg.

Bormann era o verdadeiro senhor de Obersaltzberg. Mediante coação adquiriu antigas fazendas,  mandou demolir casas, arrancar cruzes e imagens existentes nas estradas, embora a comunidade das igrejas tenham protestado. Apoderou-se também de florestas do Estado. O terreno desceu desde uma altura de quase 1.900 m até o vale, 600 m mais abaixo, tendo portanto uma superfície de 7 quilômetros quadrados. O valado, em torno do recinto interno, que tinha uns 13 km, chegando a 14 o do recinto externo.

Bormann, totalmente insensível à natureza virgem, mandou abrir estradas naquela deliciosa paisagem. As veredas do bosque, até então cobertas pelas copas dos abetos, cheias de raízes, converteram-se em trilhas asfaltadas. Um quartel, uma garagem, um hotel para os convidados de Hitler, instalações para os empregados, cujo número aumentava, foram surgindo com a mesma rapidez com que se moderniza um balneário. Nos flancos da montanha, encontravam-se barracões para um alojamento de centenas de operários; nas estradas rodavam caminhões de carga, e a noite muitas obras  estavam iluminadas, pois havia trabalho em dois turnos. Tem vez em quando, explosões atroavam pelo vale.

No alto da montanha, Bormann levantou uma casa, dispendiosamente mobilizada, tem estilo de transatlântico adaptado ao rústico. Chegava-se até ela por uma estrada audaciosa, terminada em uma esplanada, aberta mediante o arrebatamento de uma pedreira. Somente para se conseguir aquela casa, que Hitler visitou várias vezes, Bormann gastou entre 20 e 30 milhões de marcos.

Na comitiva de que Hitler havia maldizentes que falavam:

- Parece uma cidade de garimpeiros. Mas acontece que  Bormann não acha ouro nenhum, ao contrário, enterra-o.  

Hitler se lamentava aquele desperdício, mas apenas comentava:

- Isso é coisa de Bormann. Não quero meter-me nos seus assuntos.

E em outra ocasião disse:

- Quando tudo estiver terminado, procurei outro vale tranquilo e lá construirei uma casinha de madeira, como a primeira.

As obras jamais terminavam. Bormann liderava sempre novas estradas e novos trabalhos. E quando, finalmente, estalou a guerra, ele começou a construir abrigos subterrâneos para Hitler e os da sua comitiva.

No verão de 1935, Hitler decidiu ampliar sua modesta quinta de montanha para transformá-la no ostentoso "palácio montanhas". Executou essa obra com seus próprios recursos, o que afinal era apenas um gesto, porquanto, para o edifício anexo, Bormann obtinha de outras fontes de grandes somas que não tinham relação nenhuma com as que eram despendidas por Hitler.

Bormann não estava unido a Hitler somente por suas atividades como construtor em Obersaltzberg. Talvez soube ir-se encarregando da administração das rendas pessoais de Hitler. Até os ajudantes-de-ordens de que Hitler dependiam de Bormann. A amante de Hitler confessou-me, francamente, que ela também dependia de Bormann, porquanto Hitler deixada a cargo dele atender às necessidades financeiras de Eva Braun, aliás modestas. Hitler elogiava a habilidade de Bormann para lidar com dinheiro. Uma vez contou que Bormann, em 1932, ano de queda na produção, adquira grande prestígio no partido por ter instituído o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho. Segundo afirmava Hitler, a receita dessa caixa auxiliar tinha excedido a despesa, sendo os saldos destinados ao partido. Não foi menor o merecimento de Bormann ao acabar, definitivamente, depois de 1933, com as preocupações financeiras de Hitler. Teve 2 fontes abundantes: junto com o fotógrafo particular de Hitler (Hoffmann)  e com um amigo deste, o ministro de Correios, Ohnessorge, teve a idéia de que Hitler, pelo fato de estar sua esfinge estampada nos selos postais, tinha direito a uma indenização por esse uso da sua imagem, indenização que resultaria em dinheiro. No tocante ao selos postais, isso não representaria muito, mas acontecia que o rosto de Hitler aparecia em toda a classe de valores, assim canalizando-se para o bolso particular do Führer alguns milhões.

Bormann descobriu outra fonte de dinheiro, ao instituir a Doação Adolf Hitler da Indústria Alemã. Os industriais que se tinham visto beneficiados pelo desenvolvimento da economia foram sem rodeios convidados a demonstrar seu agradecimento Hitler mediante donativos voluntários. Como outros funcionários do partido já tinham tido a mesma idéia,  Bormann, mediante um decreto, garantiu para ele mesmo o monopólio dessa classe de donativos. Mas era bastante inteligente para dar presentes a diversos dignatários do partido, como sendo "por encargo do Führer". Quase todas as altas hierarquias do partido recebiam gratificações oriundas daquela contribuição. É bem verdade que parecia insignificante a influência que isso poderia ter sobre o nível de vida dos diferente chefes nacionais e regionais. Mas, no fundo, isso conferia a Bormann mais poder do que dispunham outros que gostavam de elevada posição dentro do partido.

Com aquela disposição que o caracterizava, depois de 1934 Bormann teve outra iniciativa: colocou-se sempre o mais próximo possível da fonte dos favores e das graças. Acompanhava Hitler ao Berghof, a andava com ele nas viagens, e não se afastava da pessoa do Führer, na chancelaria. Assim, acabou sendo um secretário diligente, fidedigno e finalmente indispensável para Hitler. Bormann mostrava-se sempre obsequioso para com todos, dispensando favores a toda a gente, na medida das suas possibilidades, tanto mais por dar a impressão de que agia a serviço de Hitler, de um modo totalmente desinteressado  também para o imediato de Hitler, Rudolf Hess, convia ter esse colaborador nas proximidades de Hitler.

Decerto, naquela época, os poderosos de imediatos de Hitler estavam em posição indefinida no que diz respeito a prestígio, olhando-se reciprocamente, receosos uns dos outros. Para definição de situação, houve freqüentes lutas entre Goebbels, Goering, Rosemberg, Ley, Himmler, Ribbentrop e Hess. Somente Rüehm já fora estendido no chão, e Hess não tardaria em perder sua influência. Mas nenhum deles percebeu o perigo que Bormann significava para todos. Inicialmente apresentara-se como pessoa insignificante, mas aos poucos estava reforçando o seu bastão. Diante dos muitos dignatários, carecidos de consciência, Bormann destacava-se por sua brutalidade e rudeza de sentimentos.

Sem instrução suficiente para lhe opor barreiras morais, ele fazia cumprir-se o que Hitler ordenava e até mesmo aquilo que ele deduzia das insinuações do Führer. Subalterno por natureza, tratava o subalternos como se estivesse lidando com bois e vacas. Era realmente um servil.

Eu evitava encontrar-me com ele. Aliás, não nos tolerávamos nem pintados. Isso não impedia que nos tratássemos corretamente, pois assim o exigia o ambiente de Obersaltzberg. Mas, excetuando-se o meu próprio escritório, não projetei nenhuma obra para Bormann.

Segundo Hitler acentuava freqüentemente, a moradia na montanha dava-lhe tranquilidade interior e a segurança de que necessitava para as suas decisões. Aí redigiu seus discursos mais importantes, sendo de notar a maneira como os preparava. Assim, antes do congresso do partido em Nuremberg, Hitler retirava-se, regularmente, para  Obersaltzberg, lá se demorando durante semanas. À medida que se aproximava a data, os secretários instavam-no para que ele começasse a ditar, afastando dele qualquer estorvo ou distração, inclusive planos de obras e visitantes. Mas, à medida que passavam as semanas, Hitler ia adiando a redação, para tratar do texto do discurso às pressas. De um modo geral, já era muito tarde para preparar todos os discursos. Na maioria das vezes, Hitler tinha de empregar as noites, durante o congresso, para recuperar o tempo perdido em Obersaltzberg.

Eu tinha a impressão de que Hitler necessitava dessa pressão para criar, à sua maneira de artista e de boêmio, desprezando disciplina, não querendo submeter-se a uma execução regular. Deixava amadurecer o conteúdo dos seus discursos, os seus pensamentos, durante semanas de aparente inatividade, até que já ideado, estando redigido, se atirasse com o ímpeto sobre os ouvintes e partidários.

Nossa mudança para Obersaltzberg não favoreceu meu trabalho. Já o decurso do dia, rotineiro, era fateigante. E aborrecido o círculo de pessoas, sempre o mesmo, em torno de Hitler. A mesma gente reunia-se em Munique e em Berlim. A única diferença, em relação a Berlim, era a presença das mulheres, que acompanhavam os maridos, 2 ou 3 secretárias e Eva Braun.

Hitler costumava aparecer no pavimento térreo já tarde, cerca de 11 horas. Lia as informações da imprensa, recebia notícias dadas por Bormann e adotava as primeiras decisões. Seu dia iniciava-se com um abundante almoço. Os convidados reuniam-se na antessala, Hitler escolhia a dama que se sentaria ao seu lado na mesa. Desde 1938, Bormann teve o privilégio de levar à mesa Eva Braun, que costumava sentar-se à esquerda de Hitler. Esse privilégio demonstrava a posição predominante de Bormann na corte. O relatório era uma combinação de rusticidade artística e elegância urbana, frequente nas casas de campo dos ricos habitantes das cidades. As paredes e o teto estavam revestidos de madeira, as cadeiras forradas de pano vermelho-claro. Os pratos eram brancos. A baixela de prata, onde reluzia  o monograma de Hitler, era igual a de Berlim. As decorações com poucas flores tinham sempre a aprovação de Hitler. O cardápio, à maneira burguesa, continha sopa, um prato de carne, pratos de creme, acompanhados de Fachinger ou vinho em garrafas. As mesas eram servidas por membros da escolta pessoal das SS, de calças pretas e jaqueta branca. Sentavam-se à mesa umas 20 pessoas, mas esta, sendo comprida, não facilitava as conversas. Hitler sentava-se no centro, diante da janela, e conversava com quem estivesse à sua frente, que não era o mesmo comensal todos os dias, ou com a senhora acompanhante.

Finda a refeição, um pouco antes, os convidados dirigiam-se à casa de chá. O caminho era estreito, permitindo a passagem apenas de 2 pessoas, assim o trajeto assumia o aspecto de procissão. À frente, a alguma distância de Hitler e dos convidados, diriam os agentes do Serviço de Segurança. Atrás de Hitler, com seu companheiro de conversa, seguiam os que tinham estado à mesa, também acompanhados de agentes de segurança. Dois cães pastores corriam pelo mato, sem ouvirem as ordens do amo, sendo essa a única oposição que havia em sua corte. Bormann aborrecia-se porque Hitler que escolheria sempre aquela vereda, caminhando uma meia hora, desprezando os caminhos asfaltados, através do bosque, mas que tinham uma extensão de vários quilômetros.

A casa de chá fora construída no lugar em que Hitler gostava muito. De lá descortina-se amplo panorama do vale de Berchtesgaden. A comitiva elogiava o panorama sempre com as mesmas palavras. Hitler concordava, sempre também com as mesmas expressões. A casa formava-se de um recinto circular com cerca de 8 m de diâmetro, com janelas envidraçadas e uma lareira. Sentavam-se em torno de uma mesa-redonda. Eva Braun e uma outra senhora ao lado de Hitler. Quem não encontrasse lugar, ia para uma saleta contígua. Eram servidos à vontade chá, café ou chocolate, diversos tipos de tortas, bolos, pastéis, depois de alguns licores. Na mesa onde tomavam café, Hitler gostava de estender-se em monólogos intermináveis, cujo tema era já conhecido dos comensais, que por isso, embora distraídos, fingiam dar-lhe atenção. Uma vez ou outra cochilava. Enquanto isso, os presentes falavam em voz baixa, esperando que ele despertasse para o jantar. Era uma reunião de amigos.

A hora do chá costumava terminar quase às seis. Hitler levantava-se, e o que se diria um desfile de peregrinos dirigindo-se ao local de estacionamento de carros, distante uns 20 minutos em passo normal. Regressando a Berghof, Hitler recolhia-se aos seus aposentos, no pavimento superior, enquanto se dissolvia o grupo. Bormann, seguido dos maliciosos comentários de Eva Braun, freqüentemente desaparecia no quarto de uma das jovens secretárias.

2 horas mais tarde, os convidados reuniam-se de novo para o jantar, com o mesmo ritual do meio-dia. Depois Hitler ia para a sala de estar, acompanhado dos mesmos convidados. A sala tinha móveis procedentes do estúdio de Troost. Os móveis eram poucos, mas de grandes dimensões: o armário de mais de 3 m de altura e 5 de comprimento, para os diplomas de cidadania honorária e os discos na vitrola; uma vitrina de cristal de um classicismo afetado; uma caixa de relógio enorme, rematada por uma águia de bronze, que parecia protegê-la. Uma mesa de 6 m de extensão, onde Hitler costumava assinar documentos, mais tarde utilizando-se dela para estudar os mapas da situação militar. Havia 2 grupos de assentos, com revestimento de cor vermelha. Um deles estava perto do fogão, outro próximo à janela. Por trás dos grupos de assentos, havia a cabina de projeção cinematográfica. Nas paredes, viam-se grandes quadros a óleo. Um atribuído a Bordone, discípulo de Ticiano; era o retrato de uma senhora com os seios descobertos; outro, um nu, que podia ser do mesmo Ticiano; a Nana de Feurbach, que tinha uma moldura muito bonita; uma antiga paisagem de Spitzweg; um outro quadro, representando ruínas romanas, pintado por Pannini; surpreendentemente, uma espécie de altar, de Eduard von Steinle, representando o Rei Henrique, fundador da cidade. Em compensação, não se via nenhum Grüntzer. Hitler algumas vezes dizia que aqueles quadros foram pagos do seu próprio bolso.

Sentávamos no sofá ou nas poltronas de um dos grupos de assaltos e começava a segunda parte da noite, com as películas normalmente projetadas nos cinemas de Berlim. Depois nos reuníamos em torno da gigantesca lareira. 6 ou 8 pessoas em um sofá incômodo, estofado, bem comprido, como se estivéssemos sentados em fila. Hitler, outra vez ladeado por Eva Braun e uma das senhoras, sentava-se em uma das poltronas macias. A disposição dos móveis não facilitava a conversação. Cada um falava em voz baixa ao seu vizinho. Hitler, também em voz baixa, dizia vulgaridades às 2 mulheres ao seu lado ou cochilava com Eva Braun, tendo uma das mãos dela nas suas. Às vezes, ele emudecia, dirigindo um olhar para o alto, ou fixando a vista na chama da lareira. Os presentes calavam para não perturbar o Führer em seus importantes pensamentos.

De quando em quando falavam de fitas cinematográficas. Hitler opinava sobre as interpretações femininas e Eva Braun sobre as masculinas. Ninguém cuidava de elevar o nível da conversa acima de alguns detalhes, expondo idéias sobre novas formas de expressão do diretor do filme. É verdade que as fitas exibidas não proporcionavam assuntos desse gênero, destinavam-se apenas à distração dos espectadores. Nunca foram exibidas, pelo eu estando presente, as experiências de um Curt Oertel tendo por tema  Michelângelo. Era que Bormann não perdia oportunidade para depreciar o prestígio de Goebbels, responsável pela produção cinematográfica alemã. Fazia sempre observações mal-intencionadas. Disse, por exemplo, que a elaboração da película O vaso quebrado encontrara obstáculos da parte de Goebbels, que se via figurado e ridicularizado por Emil Jennings no papel de um juiz coxo aldeão. Hitler viu com alegria a película, retirada dos cinemas, e ordenou que ela voltasse a ser exibida no maior cinema de Berlim. No entanto, durante muito tempo, não houve essa volta da fita aos cinemas, o que demonstra a carência de autoridade de Hitler, freqüentes vezes. Mas Bormann não cedeu, até que  Hitler ficou aborrecido e fez ver claramente a Goebbels que este tinha de obedecer a aquilo que ele, Hitler, ordenava.

Mais tarde, durante a guerra, Hitler suprimiu as sessões cinematográficas noturnas, pois, segundo manifestou, que iria renunciar à sua distração favorita para "Solidarizar-se com os sacrifícios dos soldados". As projeções de filmes foram substituídas por audição de música em discos. Apesar da sua magnífica coleção de discos, as preferências de que Hitler iam para uma mesma espécie de música. Não tinham significado para ele o barroco, o clássico, a música de câmara, e nem as sinfonias. Antes de mais nada gostava de ouvir algumas impressionantes árias de óperas de Wagner, para depois dar atenção à opereta. Com a opereta terminava a audição. Seu interesse reduzia-se à identificação da voz dos cantores, mencionar-lhes o nome e, quando acertava, o que ocorria freqüentemente, não escondia sua satisfação. Para ser animarem essas reuniões noturnas, um tanto insípidas, servia-se champanhe. Depois da ocupação da França, a champanhe servida provinha do butim de guerra, havendo também marcas baratas, porquanto o Goering e seus marechais-do-ar se tinham apoderado das melhores marcas. Aquela monotonia prolongava-se até uma hora da madrugada, não faltando quem não pudesse reprimir um ou outro bocejo. Afinal, depois de uma troca de palavras com Adolf Hitler, Eva Braun retirava-se para os seus aposentos no pavimento inferior. Cerca de um quarto de hora depois Hitler levantava-se para também despedir-se. Seguia-se uma reunião menos tensa, em que nós nos sentimos como que livres, e bebíamos champanhe e conhaque.

Voltávamos para casa às primeiras horas da madrugada, mortos de cansaço por não termos feito coisa nenhuma. Decorridos alguns dias, fui atacado do mal da montanha, com denominavam naquele tempo, ou seja, eu sentia-me  esgotado e sem idéias, em conseqüência daquela contínua dilapidação de tempo. Somente quando os ócios de Hitler eram interrompidos pelas suas decisões administrativas restava-me algum tempo para dedicar-me aos meus trabalhos com os meus auxiliares. Sendo hóspede permanente e favorito, morando também em Obersaltzberg, não podia evitar aquelas vigílias, por mais torturantes que fossem, sem dar a impressão de descortesia. O doutor Dietrich, chefe de imprensa do Reich, teve algumas vezes o atrevimento de assistir a representações do festival de Salzburg. O que obteve foi o aborrecimento de  Hitler.

De vez em quando, vinham membros dos antigos círculos de Hitler, em Munique ou em Berlin, tais como Schwarz, Goebbels ou Hermann Esser. Mas isso ocorria raramente é durante apenas um ou dois dias. Também vi, em Obersaltzberg, Hess, 2 ou 3 vezes, quando não lhe faltavam motivos para com sua presença por freio à atividade de Bormann, seu lugar-tenente. Até mesmo os mais íntimos colaboradores de Hitler, que se podiam encontrar com freqüência na mesa de almoço na chancelaria do Reich, evitavam francamente apresentar-se em Obersaltzberg. E isso era impertinente, pois Hitler costumava mostrar se alegre com a presença de tais pessoas, solicitando-lhes eles aparecessem mais vezes e permanecessem mais tempo lá. Ao contrário, não queria ver em Obersaltzberg os antigos companheiros de luta, que evitava já em Munique, sendo que esses aceitariam entusiasmados um convite àquela residência de Hitler.

Eva Braun tinha permissão de estar presente durante as visitas dos antigos colaboradores. Mas era afastada quando compareciam à mesa outros dignatários do Reich, como ministros, por exemplo. Eva Braun permanecia em seus aposentos, quando compareciam Goering e sua esposa. Era evidente que Hitler considerava-a capaz de vida social só até um certo ponto. Enquanto ela ficava em seu aposento, contíguo ao dormitório de Hitler, eu lhe fazia companhia, algumas vezes. Ela se mostrava tão tímida que não se atreveria sequer a sair de casa para dar um passeio.

- Se eu saísse poderia encontrar-me com os Goering.

Além do mais, Hitler manifestava pouca consideração pela presença de Eva Braun, diante de quem, sem embaraços, exprimia seu pensamento a respeito das mulheres: 

- Os homens muito inteligentes não devem ter ao seu lado uma mulher primária e tola. Imaginem os senhores se eu tivesse uma esposa que se intrometesse em meu trabalho. O que eu quero é paz no meu tempo livre... nunca poderia casar. E que problema, se tivesse filhos... trataria de fazer o meu filho o meu sucessor... e só faltaria isso... as pessoas como eu não têm possibilidade de que lhes nasçam filhos inteligentes, o que é uma regra que quase geral em tais casos. Lembrem-se do filho de Goethe que foi um indivíduo inteiramente inútil. Há muitas mulheres que me são afeiçoados porque eu estou ainda solteiro. Que isso era particularmente frequente no tempo da guerra. Dá-se o mesmo com um autor cinematográfico; e quando casa perde aquele algo que faz com que as mulheres suspirem por ele. Deixa então de ser para elas o ídolo que sempre tinha sido.

Hitler  supunha que de sua pessoa irradiava um forte eflúvio  erótico sobre as mulheres. No entanto, desconfiava disso e dizia que não sabia nunca se uma mulher via nele o "Chanceler do Reich" ou o "Adolf Hitler”, quando demonstrava sua simpatia. De modo nenhum queria tê-las próximas de si, como afirmava com inteira falta de delicadeza. Era evidente que ao se manifestar assim não tinha consciência da ofensa de seu pensamento às senhoras que o ouviam em suas reuniões. Mas não carecia do sentimento de chefe de família. Uma vez, Eva Braun estava esquiando. Demorou-se para o chá. Ele então mostrou-se  inquieto, preocupado pela idéia de que algo tivesse acontecido à sua amante.

Eva Braun nascera em um meio modesto. Seu pai era mestre-escola. Nunca vi seus progenitores. Não vinham à residência de Hitler, que jamais saíram da sua vida. Também Eva Braun continuou sua vida simples, vestia-se com modéstia e usava jóias baratas, anéis de pedras semipreciosas, no valor de poucas centenas de marcos, na melhor das hipóteses. Bormann era o encarregado de mostrar a Eva Braun amostras de presentes. Pareceu-me que Hitler escolhia jóias de escasso valor artístico, demonstrando ser um gosto característico do pequeno burguês.

A amiga de Hitler não manifestava nenhum interesse na política. Jamais se tentou exercer qualquer influência no Führer. Mas possuía visão clara dos fatos da vida diária, fazendo muitas observações acertadas sobre pequenos inconvenientes ou situações anormais da vida em Munique. Bormann não via isso com bons olhos, pois, nesses casos, era chamado a uma prestação de contas. Ela gostava dos esportes, praticando bem o esqui. Freqüentemente fizemos com ela excursões às montanhas, indo além do recinto fechado. Uma vez, Hitler concedeu-lhe 8 dias de férias. Naturalmente, quando não estava em sua casa na montanha. Durante alguns dias foi conosco até Zürs. Lá, sem que ninguém a reconhecesse, frequentava os bailes, dançando com jovens oficiais até altas horas da madrugada. No entanto, estava muito longe de ser uma Madame Pompadour. Para o historiador, essa mulher só oferece interesse porque contribui para dar um relevo ao tipo de caráter de Hitler.

Impelido por uma certa compaixão pela condição de Eva Braun, fui sentindo simpatia pela desgraçada mulher, que era tão legal e carinhosa com Hitler. Além disso, sentimo-nos unidos pela comum aversão a Bormann, pela maneira como aquela época ele enganava sua mulher. Quando, durante o processo de Nuremberg, eu soube que Hitler se casara com  Eva Braun um dia e meio antes de morrer, senti alegria, embora aquele ato revelasse de algum modo o cinismo com que Hitler a tratou e talvez tratara as mulheres em geral.

Algumas vezes indaguei de mim mesmo se Hitler sentia pelas crianças algo assim como ternura. De qualquer modo, tencionava demonstrar, quando estava com elas, conhecidas ou não. Ia mesmo ao ponto de tratá-las de modo paternal e amistoso. Mas eu não me convenci da autenticidade dessa atitude. O fato era que jamais achou a forma adequada para o trato com as crianças. Depois de algumas palavras elogiosas, sua atenção dirigir-se à criança seguinte. Para ele, as crianças eram apenas os representantes da geração futura e por isso alegrava-se mais por vê-las loiras, de olhos azuis, fortes, sadias, ou por sua inteligência - viva, desperta -, do que pela maneira infantil de serem. A personalidade de Hitler não exerceu nenhuma influência em meus próprios filhos.

terça-feira, 12 de março de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (06)


Albert Speer - Por Dentro do III Reich (06)

Capítulo seis - A grande missão

p. 87

Hitler estava passeando inquieto, dando passos acima e abaixo no jardim de Obersaltzberg.

- Realmente, não sei o que fazer. Trata-se de uma decisão grave. De boa vontade eu faria aliança com os ingleses, mas, no decurso da história, eles têm mostrado que não são um povo muito fidedigno. Se eu me colocar ao lado deles, então acabarão para sempre as relações entre a Itália e nós. Se os ingleses se afastarem de mim, nós ficaremos nadando entre duas águas.

Assim costumava ele falar, no outono de 1935, aos membros do seu reduzido círculo em Obersaltzberg. Naqueles dias, Mussolini tinha começado a invadir a Abissínia, flagelando-a com fortes ataques aéreos. Negus fugira, e tinha sido proclamado o novo Império Romano. Depois da sua visita oficial à Itália, em junho de 1934, visita que não deu grandes resultados, Hitler nutria desconfiança, senão em relação a Mussolini, pelo menos para com os italianos e a política da Itália. Para aumentar suas dúvidas agora, lembrava-se de uma recomendação do testamento político de Hindenburg, segundo a qual a Alemanha jamais deveria marchar ao lado da Itália. Sob a pressão da Inglaterra, a Sociedade das Nações impôs sanções econômicas à Itália. Como faria mais tarde, agora Hitler era de opinião que tinha de decidir-se a colaborar com os ingleses ou com os italianos. Uma decisão de grande alcance. Falava da sua disposição em garantir aos ingleses o império, em troca de um acordo global. No entanto, as circunstâncias não lhe permitiram nenhuma escolha; ele foi forçado a decidir-se por Mussolini.

Não foi uma decisão fácil, apesar da afinidade ideológica e das relações de cunho pessoal que se estavam iniciando. Todavia, alguns dias depois, Hitler mostrava-se deprimido pelo fato de que a situação o tivesse obrigado a dar esse passo. Por isso, mostrou-se aliviado quando, algumas semanas depois, se comprovou que as medidas de sanção, finalmente impostas à Itália, respeitavam essa nação, justamente nos pontos decisivos. Hitler deduziu daí que nem a França nem a Inglaterra queriam correr o risco e desejavam evitar todo perigo. O que mais tarde foi classificado como vontade de um ânimo decidido foi o resultado de tais experiências. Segundo então observou, como conclusão dos seus raciocínios, os regimes ocidentais se tinham mostrado débeis e sem energia para adotar uma decisão.

Além disso, estas idéias de Hitler foram reforçadas quando as tropas alemãs, no dia 7 de março de 1936, entraram na Renânia desmilitarizada. Isso era uma flagrante violação do Pacto de Locarno e teria justificado uma contra-ofensiva militar das potências interessadas. Hitler esperou nervoso as primeiras reações. No trem especial em que viajamos a Munique e no entardecer daquele dia, sentia-se uma atmosfera tremendamente tensa, que se estendia a todos os outros carros, irradiado do lugar onde se achava Hitler. Ao chegar a uma estação recebemos uma notícia, e Hitler registrou:

- Enfim! O rei da Inglaterra não intervém. Mantém a palavra. Por conseguinte tudo poderá vir muito bem.

A reação de Hitler mostrava seu desconhecimento das escassas possibilidades constitucionais da coroa inglesa em face do parlamento e do governo. Contudo, uma intervenção militar talvez tivesse necessitado de um consentimento do rei que talvez tenha sido esse o fato a que Hitler aludia. De qualquer modo, suas preocupações eram consideráveis. No entanto, mais tarde, quando estava em guerra com quase todo o mundo, dizia que o mais ousado de todas as suas iniciativas fora a entrada na Renânia.

- Não dispúnhamos de um exército digno desse nome. Não teria tido sequer a força de combate suficiente para impor-se a Polônia. Nós teríamos sido facilmente vencidos, se os franceses se tivessem mostrado resolutos. Nossa resistência teria capitulado em um par de dias. As forças aéreas que possuíamos eram ridículas: alguns JU-52 da Lufthansa, e para eles não dispúnhamos sequer de bomba suficientes.

Depois da abdicação do Rei Eduardo VIII, mais tarde Duque de Windsor, ele falava freqüentemente da aparente compreensão daquele homem em relação ao nacional-socialismo alemão:

- Estou certo de que com ele teria sido possível efetivarem-se relações amistosas com a Inglaterra. Tudo teria sido diferente com ele. Sua abdicação foi uma grande perda para nós.

Essas observações eram acompanhadas de outras a respeito de potências inimigas da Alemanha, decisivas para o curso da política britânica. Sua mágoa por não colaborar com a Inglaterra estendeu-se como um véu roxo por todos os anos do seu domínio. Esse sentimento aumentou quando o Duque de Windsor e a sua esposa visitaram Hitler, no dia 22 de outubro de 1937, em Obersaltzberg. É de se presumir que o duque se exprimiu de maneira favorável sobre as conquistas realizadas pelo Terceiro Reich.

Alguns meses depois da entrada do Exército alemão na Renânia, sem oposição de ninguém, Hitler mostrou-se contente pela atmosfera de harmonia reinante durante os Jogos Olímpicos. O mau humor internacional tinha se dissipado, evidentemente. Hitler deu instruções para que os numerosos personagens estrangeiros tivessem a impressão de uma Alemanha de sentimentos pacíficos e acompanhou, muito excitado, as competições esportivas. Se qualquer êxito alemão inesperado - foram muitos - fazia-o feliz, reagia com muito aborrecimento à série de vitórias obtidas pelo maravilhoso corredor norte-americano Jesse Owens. Levantando os ombros, Hitler disse que era de opinião que os homens cujos antepassados procediam da selva eram seres primitivos, de constituição mais atlética do que a civilizada raça branca. Não eram, dizia ele, pessoas com as quais se pudesse estabelecer uma comparação, sob o ponto de vista de competição, que, por conseguinte, teriam de ser excluídos dos futuro jogos e competições esportivas.

O que produziu maior impressão em Hitler foi o júbilo frenético dos berlinenses à entrada solene do grupo francês no estádio olímpico. Esse grupo desfilou diante de Hitler com a mão para o alto, provocando assim um entusiasmo espontâneo em muitos espectadores. Mas Hitler sentia no prolongado aplauso do público uma voz popular, impelida pelo anseio de paz e de entendimento com o país vizinho ocidental. Se estou interpretando acertadamente o que observei naquela ocasião, Hitler sentiu-se antes intranqüilo em vez de alegre por aquela explosão de alegria dos habitantes de Berlim.

Na primavera do ano de 1936, inspecionei junto com Hitler um trecho da autoestrada. Hitler externou naquela ocasião a seguinte observação:

- Mas vou ainda encarregá-lo de outro trabalho, o maior de todos.

A coisa resumiu-se nessa insinuação. Hitler não disse qual era a obra.

Algumas vezes, traduzia em esboços algumas idéias relacionadas com a planta de Berlim. Mas só em junho que Hitler me mostrou um plano do centro da cidade:

- Já expliquei muitas vezes e detalhadamente ao prefeito porque esta avenida deve ter 120 metros de largura; agora ele me desenha uma somente de noventa.

O prefeito, Dr. Lippert, antigo camarada do partido e redator-chefe do periódico berlinense Angriff, foi novamente chamado, umas semanas mais tarde. Mas nada havia mudado e a rua continuava com 90 metros de largura. Lippert sentia pouco entusiasmo pelos projetos de obras de Hitler. No princípio, Hitler mostrou-se apenas um pouco aborrecido, dizendo que Lippert era um homem de vistas estreitas, incapaz de administrar uma cidade cosmopolita e ainda mais incapaz de compreender a importância histórica das obras projetadas. As observações de Hitler a respeito do prefeito foram subindo de entorno no decorrer do tempo: "Lippert não sabe nada; é um idiota, um frustrado, um zero à esquerda". O surpreendente era que Hitler jamais expressara seu descontentamento na presença do prefeito, nem tampouco intentara jamais convencê-lo.

Naquela época, às vezes parecia evitar o enfado de expor razões. Quatro anos depois, em um passeio da sua residência na montanha à casa de chá, durante o qual falou irritado de Lippert, comunicou-se com Goebbels, ordenando-lhe categoricamente que demitisse o prefeito. Sem dúvida, para o verão de 1936, Hitler que estivera supondo que a administração municipal estudasse os planos projetados para Berlim. Agora, mandou-me que fosse falar-lhe e sem nenhum rodeio ordenou-me que tratasse do assunto.

- Nada se tem de fazer com esta cidade. De hoje em diante o senhor será encarregado do projeto. Leve este esboço. Quando estiver terminado, mostre-o. O senhor sabe que eu sempre tenho tempo para estas coisas.

Segundo me disse Hitler, suas idéias a respeito de uma rua muito larga vinham desde o tempo em que se vira com os planos insuficientes para Berlim. Já naquela época adotara a resolução de mudar as estações de Anhalt e Potsdam para o sul do Aeródromo de Tempelhof. Assim ficariam livres no centro da cidade grandes áreas, que permitiriam vias de acesso de Segesallee para uma magnífica via de 5 km de comprimento, flanqueada de edifícios de grande estilo. Todas essas grandes construções de Berlim foram ultrapassadas por duas obras que Hitler pretendia levantar nessa nova avenida de edifícios representativos. No extremo norte, próximo ao edifício do Reichtag, previa uma gigantesca sala de reuniões, uma construção com uma cúpula, na qual caberiam várias catedrais de dimensão da de São Pedro em Roma. O diâmetro da cúpula teria 250 m. Dentro dela, em uma superfície de cerca de 38.000 m2, podia reunir se mais de cento e cinqüenta mil pessoas. A alguma distância da estação do sul, como pólo oposto a esta sala, Hitler tinha a intenção de erguer um arco de triunfo com altura de 120 m. Hitler explicou que uma discussão com pessoas habilitadas lhe havia feito pensar em um diâmetro de mais de 200 m para a cúpula e em uma altura de mais de cem para o arco do triunfo. O mais assombroso em tudo isso é não era tanto a idéia das dimensões, como uma surpreendente obsessão com que planejava monumentais obras de triunfo, quando ainda não havia sequer um mínimo de esperança de que seriam executadas.

Nas conversas que quase sempre se realizavam na chancelaria do Reich, dizia ele:

- Berlim é uma grande cidade, mas não cosmopolita. Veja o senhor Paris, a mais bela cidade do mundo. Ou mesmo Viena. São cidades afamadas, mas Berlim não é mais do que um irregular amontoado de edificações. Temos de ultrapassar Paris e Viena.

Nos anos anteriores, Hitler estudara, atentamente, as plantas de Paris e de Viena. Quando conversávamos vinha-lhe à memória toda a classe de detalhes. Quando se tratava de Viena, admirava a criação urbanística de Ringstrasse, com suas grandes edificações, a Municipalidade, o Parlamento, a Sala de Concertos, o Palácio Imperial e os museus. Era capaz de reproduzir, exatamente, no papel, essa parte da cidade. Sabia que os grandes edifícios, assim como os monumentos, têm de ser projetados de modo que sejam visíveis de todos os lados. Admirava essas construções, ainda quando não se adaptasse bem sua compreensão das coisas, como ocorria, por exemplo, com a Municipalidade, de estilo neogótico.

- Viena está dignamente representada. Ao contrário, veja a Municipalidade de Berlim. Mas pode ter certeza que a futura Municipalidade será mais bonita do que a de Viena.

Estava ainda mais impressionado pelas aberturas das ruas, pelos novos bulevares abertos por Georges E. Hassmann em Paris, no período de 1853 a 1870, gastando dois milhões e quinhentos mil francos-ouro. Considerava Hassmann um dos grandes urbanistas da história, mas que eu o ultrapassaria, tal era a sua esperança. A oposição a Hassmann, durante muitos anos, fazia Hitler temer que os projetos para Berlim encontrariam também resistências. Mas, na sua opinião, sua autoridade conseguiria sobrepor-se a qualquer oposição.

Certamente, no princípio, usou de argúcia para vencer a administração municipal, contraria a tais projetos, pois opinava que os planos de Hitler eram um presente funesto, uma vez que caberia ao município fornecer as enormes somas para abertura e construção das ruas, das instalações públicas e das autopistas.

Ele dizia então:

- Vamos cuidar por algum tempo de projetos relacionados com a construção da nossa nova capital, às margens do Müritzsee, em Mecklemburgo. O senhor vai ver que, quando os berlinense sentirem o perigo de o governo do Reich mudar sua sede para outro lugar, eles ficarão despertos.

De fato, foram suficientes algumas insinuações nesse sentido para que os vereadores se mostrassem dispostos a aceitar os gastos necessários à planificação das obras. Contudo, durante alguns meses, Hitler sente o prazer em pensar em uma "Washington alemã", imaginando como poderia sair do nada uma "cidade ideal".

Depois repeliu a idéia:

- As cidades artificialmente edificadas permanecem sempre mortas. Pense em Washington ou Camberra. Nem há vida em nossa Karlsruhe, pois os nossos anquilosados funcionários vivem ali encerrados em seu próprio círculo.

Neste particular, ainda não cheguei à conclusão sobre se Hitler estava representando uma comédia comigo, ou se alguma vez pensara seriamente no assunto. De qualquer modo, para a execução de tais projetos, Hitler, mediante o subsecretário Lammers, baixou um decreto concedendo-me amplos poderes, colocando-me imediatamente sob suas ordens. Nem o ministro do interior, nem o prefeito de Berlim, nem o chefe distrital de Berlim (Goebells) teriam prerrogativas para decisões ante mim. Além disso, Hitler dispensou-me, expressamente, da obrigação de informar dos meus projetos à cidade e ao partido. Quando lhe manifestei meu desejo de proceder como arquiteto independente, Hitler deu o seu assentimento. O subsecretário Lammers encontrou um dispositivo legal que atendia à aversão de Hitler em relação ao funcionalismo. Meu departamento adquiriu o caráter de grande instituto de investigação independente.

Em  janeiro de 1937, Hitler confiou-me, oficialmente, "a maior entre as obras de construção". Esteve muito tempo buscando um título a antissonante, quem esperasse respeito, até que Funk encontrou a solução: "inspetor-geral das obras de reorganização da capital do Reich". Entregando-me a nomeação, mostrou-se quase tímido, atitude reveladora de seu comportamento para comigo. Depois do almoço, apertou minha mão e disse: "seja feliz". A partir daquela ocasião, interpretando meu contrato de maneira generosa, foi-me atribuída a categoria de subsecretário do governo do Reich. Desde aquele dia, aos trinta e dois anos de idade, sentei-me junto do Dr. Todt, na terceira fila das poltronas das reuniões do gabinete. Cabiam-me os vencimentos de mil e quinhentos marcos mensais, quantia insignificante em relação aos meus honorários de arquiteto. Em fevereiro daquele mesmo ano, Hitler, sem rodeios, ordenou ao ministro da educação que me cedesse para o meu serviço, o venerável edifício da Academia de Belas-Artes, na Pariser Platz.



A idéia de urbanização concebida por Hitler apresentava uma grande desvantagem: não fora concebida até o fim. Ele se obstinada a tal ponto com projeto de uma "Champ-Elysées" berlinense que perdeu de vista, por inteiro, a estrutura da cidade de quatro milhões de habitantes. Para um urbanista, uma avenida como aquela só poderia ter sentido e função sendo o núcleo de uma nova ordem urbanística. Para Hitler, ao contrário, era um elemento de esplendor decorativo e tinha nela mesma a sua finalidade. Nem se solucionava também o problema do tráfego. A gigantesca cunha naquele sistema de ruas, dividindo a cidade em duas partes, poderia apenas ser deslocado alguns quilômetros para o sul.

O diretor-geral, Leibbrand, do quadro do ministério de transportes e comunicações do Reich, projetista-chefe da rede ferroviária do Reich, naquela época, viu nos planos de Hitler a possibilidade de uma grande reforma que toda a rede de viação da capital do Reich. Juntos encontramos uma solução. Assim, tivemos a possibilidade de prosseguir para a abertura da avenida, rumo ao sul, aproveitando as antigas instalações das vias férreas. Dessa maneira, obtivemos essas instalações, isto é, no coração da cidade, somente a cinco quilômetros de distância, uma grande superfície livre para uma nova cidade de quatrocentos mil habitantes. Também, pelo norte, a derrubada da Estação de Lehrt dava-nos a possibilidade de continuar o eixo                                                                                                       da avenida, para abertura de novos terrenos habitados. Mas nem Hitler nem eu tínhamos a intenção de renunciar à sala com a cúpula para remate da grande avenida. A gigantesca praça fronteira deveria permanecer livre de trânsito.

Era lógico também o prolongamento da Heerstrasse, com a mesma largura, uma rua de saída ao oeste, já existente na largura de 60 m. Esse projeto foi realizado em parte, depois de 1945, mediante a reforma da antiga Frankfurter Alle. O primitivo projeto de Hitler, relativo uma grandiosa avenida, destituída de sentido urbanístico, ia-se transformando, a medida que o reelaborávamos, e adquiria uma nova dimensão construtiva. Comparada com essa extensa reorganização, a idéia inicial de Hitler quase não tinha importância. Pelo menos no que diz respeito ao alcance da planificação o urbanizadora, eu havia ido além das grandes concepções criadas por Hitler. O risco era coisa que raramente ocorrera em sua existência. Não vacilava no meu assentimento a todas aquelas alterações, deixando-me as mãos livres, mas não era capaz de sentir entusiasmo por aquela parte do projeto. É verdade que examinava as plantas, algo desatento, para afinal perguntar com um tom de aborrecimento:

- Onde estão os planos para a grande avenida?

Não deixava porém de referir-se à primitiva parte central da avenida ideada inicialmente por ele. Depois falava com prazer dos edifícios administrativos, das grandes casas comerciais, de um novo teatro de ópera, de hotéis de luxo, de palácios de recreio. E eu participava desta satisfação. No entanto, eu compreendia o papel total em relação com os edifícios representativos. Hitler, ao contrário, com sua paixão por obras de duração perene, desinteressava-se totalmente das necessidades imperativas do tráfego, dos terrenos verificáveis, dos espaços verdes, mostrando-se indiferente ao espaço social.

Hess, ao contrário, interessava-se unicamente na construção de vivendas. Mal repassava para a parte e portentosa dos nossos projetos, a razão pela qual me fez algumas observações, no final de uma das suas visitas. Prometi-lhe empregar nas vivendas uma espécie de ladrilho, utilizadas em grandes edifícios. Hitler mostrou-se desagradavelmente surpreendido quando soube disso e falou da primazia das suas exigências. No entanto, nossa combinação continuou.



Ao contrário do que muitos supunham, eu não era o arquiteto-chefe de Hitler, que tivesse sobre suas ordens todos os demais. Os arquitetos encarregados da reforma de Munique e Linz foram ao mesmo tempo providos de plenos poderes, semelhantes aos meus. No decorrer do tempo, Hitler foi empregando um número de arquitetos cada vez maior, para empreitadas especiais, talvez dez ou doze, antes de começar a guerra.

Durante as deliberações relacionadas com a edificação, manifestava-se a capacidade de Hitler para entender rapidamente um projeto, reunindo o plano e as perspectivas para tomar uma imagem plástica em sua mente. Apesar de todos os negócios do estado, embora se tratasse com frequência de 10 até 15 obras, nas mais diversas cidades, por dia no momento, mesmo depois de meses, recordar os esboços em uma nova exposição. Geralmente mantinha-se reservado e atencioso durante as deliberações. Propunha sempre seus desejos de modificação com muita habilidade, em um tom de voz diferente daquele usual, perante seus colaboradores políticos. Convencido da responsabilidade dos arquitetos, na construção da sua obra, fazia com que fosse o arquiteto e não chefe regional acompanhante quem dissesse última palavra. Não queria que se intrometesse nas explicações nenhuma autoridade superior e leiga na matéria. Se uma das suas ideias se opunha à de um arquiteto, Hitler, de modo nenhum, insistia em que prevalecesse sua vontade.

- Se o senhor tem razão, então está melhor.

Assim, tive a sensação de ser pessoalmente responsável por tudo quanto eu desenhasse sob as ordens de Hitler. Freqüentemente, nossas opiniões divergiam, mas não me lembro de nenhum caso em que ele me forçasse a aceitar a sua. Essa relação entre arquiteto e construtor, comparativamente dotados dos mesmos direitos, foi a causa de que também eu, quando ministro dos Armamentos, desfrutasse, posteriormente, de maior independência do que a maioria dos ministros e marechais. Hitler só reagia com grosseria e sem consideração alguma quando notava no ambiente a existência de uma oposição disfarçada contra o que fosse fundamental. Assim o professor Bonatz, mestre de uma geração de arquitetos, não mais recebeu nenhum cargo, desde a data em que criticou as novas obras de Troost na Koenigsplatz de Munique. Nem mesmo Todt atreveu-se a pedir que Bonatz construísse algumas pontes de autopista. Bonatz foi desculpado mediante a intervenção da senhora Troost, viúva do venerado professor.

- Por que não pode construir pontes? - perguntou aquela senhora. - Esse arquiteto é muito bom para as construções técnicas.

As palavras da viúva Troost bastaram para que Bonatz voltasse a construir pontes na autopista.

De vez em quando Hitler dizia-me:

- Como eu gostaria de ser arquiteto!

E à minha resposta, de que fosse assim eu não teria quem me encarregasse de obras, ele replicava:

- O senhor é um homem que sempre se imporia.

O comitê olímpico alemão ficou em situação desagradável, quando Hitler ordenou que o subsecretário, correspondente do Ministério do Interior, Pfundtner, me mostrasse os primeiros planos para a construção do estádio. Otto March, arquiteto, previra uma construção de cimento armado e paredes de vidro, de modo semelhante ao Estádio de Viena. Hitler voltou colérico e exaltado à sua residência, aonde me tinha chamado para examinar alguns projetos. Mandou que se comunicasse, sem muitas palavras, ao subsecretário, que não se realizariam os Jogos Olímpicos. Não podiam realizar-se sem a sua presença, pois o chefe de Estado teria de inaugurá-los e ele jamais entraria em uma caixa de vidro como aquela. Durante a noite, fiz um desenho em que se previa o revestimento da estrutura com pedra natural e o emprego de fortes arquitraves, deixando sem efeito o envidraçamento. Hitler mostrou-se satisfeito.

Também, no princípio, Hitler desaprovou com dureza a participação na Exposição Internacional de Paris, em 1937, embora eu tivesse aceito o convite e a designação do local para a instalação do pavilhão alemão. Os projetos apresentados desagradaram-lhe. O Ministério da Economia solicitou-me que fizesse um. Nos terrenos da exposição, os pavilhões da Alemanha e da Rússia seriam localizados, exatamente, um em frente ao outro, sendo isso determinado de propósito pela direção francesa daquele empreendimento. Casualmente, andando pelas ruas de Paris, eu me perdi e foi dar em um lugar onde estava exposto o desenho do pavilhão russo, até então não divulgado. Sobre um estrado elevado, um grupo de figuras de 10 m de altura parecia andar, triunfalmente, em direção ao pavilhão da Alemanha. Eu então desenhei uma massa cúbica, que assentava sobre grossos pilares, parecendo enfrentar aquele assalto. No alto da minha torre, uma águia com suástica nas garras olhava de cima o grupo soviético. O prêmio à minha construção foi uma medalha de ouro, também concedida ao meu colega russo.

Durante o almoço de inauguração do nosso pavilhão, encontrei-me com o embaixador francês em Berlim. André François-Poncet. Propôs-me que eu expusesse meus trabalhos em Paris, em troca de uma exposição de pintura moderna francesa em Berlim. Em sua opinião, a arquitetura francesa ficara para trás, "mas os senhores podem aprender de nós, no que diz respeito à pintura". Na primeira oportunidade, falei a Hitler, tratando-se de uma proposta que me oferecia possibilidade de ser conhecido, internacionalmente. Hitler silenciou a respeito da minha observação, desagradável para ele. Isso não significaria, em princípio, repulsa ao meu sentimento, mas impedia que eu voltasse a falar no assunto.

Enquanto estive em Paris, vi o Palais de Chaillot, o Palais des Musées d'Art Moderne, o Musée des Travaux Publiques, ainda em construção, desenhado pelo afamado vanguardista Auguste Pernet. Confundiu-me o fato de a França tender também para o neoclassicismo, na construção de suas obras representativas. Afirmava-se depois, freqüentemente, que tal estilo é característico da arquitetura dos países totalitários, o que não é exato, de modo algum. É a característica de uma época, Washington, Londres, Paris, como em Roma, Moscou, tanto quanto em nossos projetos para Berlim.

Minha esposa e eu viajamos de automóvel, na companhia de alguns amigos. Percorremos o sul da França, vendo palácios e catedrais, indo até as muralhas de Carcassona, diante das quais sentimos algo de romântico, embora se trate de construções teóricas medievais. No hotel do castelo, encontramos um velho vinho tinto francês. E pretendíamos ficar por ali, alguns dias, supondo que estaremos livres das chamadas telefônicas dos ajudantes-de-ordens de Hitler, pois ninguém sabia do nosso roteiro de viagem. Mas, à tardezinha, chamaram-me ao telefone.

Aconteceu que a polícia francesa, por motivos de segurança e de controle, seguira o nosso itinerário. Estava em condições de informar o lugar onde estivéssemos, se em Obersaltzberg fizessem alguma pergunta a respeito. Era então um ajudante-de-ordens Brückner que estava na outra extremidade do fio telefônico:

- Amanhã, ao meio-dia, o senhor deve estar na residência do Führer.

Observei-lhe que necessitava de dois dias e meio para a viagem de regresso.

- Programaram uma conferência aqui, amanhã, à tarde. O Führer exige que o senhor esteja presente.

Tentei uma débil objeção:

- No momento...

- O Führer sabe onde o senhor está. Mas deve apresentar-se aqui, amanhã - foi a resposta definitiva do ajudante-de-ordens.

Senti-me desconcertado, aborrecido e perplexo. Uma conversa telefônica com piloto de Hitler deu como resultado de informar-me de que seu avião não podia descer na França. Disse-me que traria de reservar-me um lugar em um avião alemão de carga, o qual, procedente da África, faria escala em Marselha às 6 da manhã. Depois, o avião especial de Hitler me levaria a Stuttgart ao Aeroporto de Ainring nas proximidades de Berchtesgaden.

Naquela mesma noite, viajamos para Marselha. Durante alguns minutos, ao luar, vimos as construções romanas, em Arles, que tinha sido o objetivo da nossa viagem. Às 2 da madrugada, estávamos em um hotel de Marselha, de onde saímos 3 horas depois, rumo ao campo de aviação. E, segundo as ordens recebidas, à tarde eu me apresentava a Hitler, em Obersaltzberg.

- Sinto muito, senhor Speer. Eu adiei a reunião. Queria saber de sua opinião a respeito da construção de uma ponte em Hamburgo.

Naquele dia, o Dr. Todt pretendia apresentar-lhe o projeto de construção de uma ponte gigantesca, cuja extensão ultrapassaria a de Golden Gate, em San Francisco. Entretanto, o início da construção daquela ponte estava previsto para o decênio dos 40, e assim Hitler poderia ter-me permitido mais uma semana de férias.

Em outra ocasião, eu tinha ido para a montanha com a minha mulher, quando recebi uma chamada telefônica do ajudante-de-ordens.

- O senhor tem de vir ver o Führer, amanhã, ao meio-dia, na 'osterìa', almoçando com ele.

Ele cortou minhas objeções com estas palavras:

- Não; é urgente!

Na 'osterìa' , Hitler cumprimentou-me com estas palavras:

- Parece-me estupendo que tenha vindo almoçar. Mandaram-no vir? Ontem, nada mais fiz do que perguntar: "Onde está Speer?" mas... sabe de uma coisa? Foi bom. Por que o senhor tem que andar esquiando?

Von Neurath era mais resistente. Uma vez, altas horas da noite, Hitler mandou o ajudante-de-ordens dizer-lhe: "O Führer quer falar com o ministro das Relações Exteriores". A resposta foi: "O ministro das Relações Exteriores já foi se deitar". Houve insistência: "Despertem-no! Quero falar-lhe!"

Depois de mais uma chamada telefônica, o ajudante-de-ordens apresentou-se confuso a Hitler, dizendo:

- O senhor ministro encarrega-me de dizer que estará à disposição do Führer amanhã de manhã, muito cedo. Mas agora sente-se muito cansado e deseja repousar.

Hitler cedia, mas passava o resto da noite mal-humorado e não esquecia tais atitudes de independência.