terça-feira, 12 de março de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (06)


Albert Speer - Por Dentro do III Reich (06)

Capítulo seis - A grande missão

p. 87

Hitler estava passeando inquieto, dando passos acima e abaixo no jardim de Obersaltzberg.

- Realmente, não sei o que fazer. Trata-se de uma decisão grave. De boa vontade eu faria aliança com os ingleses, mas, no decurso da história, eles têm mostrado que não são um povo muito fidedigno. Se eu me colocar ao lado deles, então acabarão para sempre as relações entre a Itália e nós. Se os ingleses se afastarem de mim, nós ficaremos nadando entre duas águas.

Assim costumava ele falar, no outono de 1935, aos membros do seu reduzido círculo em Obersaltzberg. Naqueles dias, Mussolini tinha começado a invadir a Abissínia, flagelando-a com fortes ataques aéreos. Negus fugira, e tinha sido proclamado o novo Império Romano. Depois da sua visita oficial à Itália, em junho de 1934, visita que não deu grandes resultados, Hitler nutria desconfiança, senão em relação a Mussolini, pelo menos para com os italianos e a política da Itália. Para aumentar suas dúvidas agora, lembrava-se de uma recomendação do testamento político de Hindenburg, segundo a qual a Alemanha jamais deveria marchar ao lado da Itália. Sob a pressão da Inglaterra, a Sociedade das Nações impôs sanções econômicas à Itália. Como faria mais tarde, agora Hitler era de opinião que tinha de decidir-se a colaborar com os ingleses ou com os italianos. Uma decisão de grande alcance. Falava da sua disposição em garantir aos ingleses o império, em troca de um acordo global. No entanto, as circunstâncias não lhe permitiram nenhuma escolha; ele foi forçado a decidir-se por Mussolini.

Não foi uma decisão fácil, apesar da afinidade ideológica e das relações de cunho pessoal que se estavam iniciando. Todavia, alguns dias depois, Hitler mostrava-se deprimido pelo fato de que a situação o tivesse obrigado a dar esse passo. Por isso, mostrou-se aliviado quando, algumas semanas depois, se comprovou que as medidas de sanção, finalmente impostas à Itália, respeitavam essa nação, justamente nos pontos decisivos. Hitler deduziu daí que nem a França nem a Inglaterra queriam correr o risco e desejavam evitar todo perigo. O que mais tarde foi classificado como vontade de um ânimo decidido foi o resultado de tais experiências. Segundo então observou, como conclusão dos seus raciocínios, os regimes ocidentais se tinham mostrado débeis e sem energia para adotar uma decisão.

Além disso, estas idéias de Hitler foram reforçadas quando as tropas alemãs, no dia 7 de março de 1936, entraram na Renânia desmilitarizada. Isso era uma flagrante violação do Pacto de Locarno e teria justificado uma contra-ofensiva militar das potências interessadas. Hitler esperou nervoso as primeiras reações. No trem especial em que viajamos a Munique e no entardecer daquele dia, sentia-se uma atmosfera tremendamente tensa, que se estendia a todos os outros carros, irradiado do lugar onde se achava Hitler. Ao chegar a uma estação recebemos uma notícia, e Hitler registrou:

- Enfim! O rei da Inglaterra não intervém. Mantém a palavra. Por conseguinte tudo poderá vir muito bem.

A reação de Hitler mostrava seu desconhecimento das escassas possibilidades constitucionais da coroa inglesa em face do parlamento e do governo. Contudo, uma intervenção militar talvez tivesse necessitado de um consentimento do rei que talvez tenha sido esse o fato a que Hitler aludia. De qualquer modo, suas preocupações eram consideráveis. No entanto, mais tarde, quando estava em guerra com quase todo o mundo, dizia que o mais ousado de todas as suas iniciativas fora a entrada na Renânia.

- Não dispúnhamos de um exército digno desse nome. Não teria tido sequer a força de combate suficiente para impor-se a Polônia. Nós teríamos sido facilmente vencidos, se os franceses se tivessem mostrado resolutos. Nossa resistência teria capitulado em um par de dias. As forças aéreas que possuíamos eram ridículas: alguns JU-52 da Lufthansa, e para eles não dispúnhamos sequer de bomba suficientes.

Depois da abdicação do Rei Eduardo VIII, mais tarde Duque de Windsor, ele falava freqüentemente da aparente compreensão daquele homem em relação ao nacional-socialismo alemão:

- Estou certo de que com ele teria sido possível efetivarem-se relações amistosas com a Inglaterra. Tudo teria sido diferente com ele. Sua abdicação foi uma grande perda para nós.

Essas observações eram acompanhadas de outras a respeito de potências inimigas da Alemanha, decisivas para o curso da política britânica. Sua mágoa por não colaborar com a Inglaterra estendeu-se como um véu roxo por todos os anos do seu domínio. Esse sentimento aumentou quando o Duque de Windsor e a sua esposa visitaram Hitler, no dia 22 de outubro de 1937, em Obersaltzberg. É de se presumir que o duque se exprimiu de maneira favorável sobre as conquistas realizadas pelo Terceiro Reich.

Alguns meses depois da entrada do Exército alemão na Renânia, sem oposição de ninguém, Hitler mostrou-se contente pela atmosfera de harmonia reinante durante os Jogos Olímpicos. O mau humor internacional tinha se dissipado, evidentemente. Hitler deu instruções para que os numerosos personagens estrangeiros tivessem a impressão de uma Alemanha de sentimentos pacíficos e acompanhou, muito excitado, as competições esportivas. Se qualquer êxito alemão inesperado - foram muitos - fazia-o feliz, reagia com muito aborrecimento à série de vitórias obtidas pelo maravilhoso corredor norte-americano Jesse Owens. Levantando os ombros, Hitler disse que era de opinião que os homens cujos antepassados procediam da selva eram seres primitivos, de constituição mais atlética do que a civilizada raça branca. Não eram, dizia ele, pessoas com as quais se pudesse estabelecer uma comparação, sob o ponto de vista de competição, que, por conseguinte, teriam de ser excluídos dos futuro jogos e competições esportivas.

O que produziu maior impressão em Hitler foi o júbilo frenético dos berlinenses à entrada solene do grupo francês no estádio olímpico. Esse grupo desfilou diante de Hitler com a mão para o alto, provocando assim um entusiasmo espontâneo em muitos espectadores. Mas Hitler sentia no prolongado aplauso do público uma voz popular, impelida pelo anseio de paz e de entendimento com o país vizinho ocidental. Se estou interpretando acertadamente o que observei naquela ocasião, Hitler sentiu-se antes intranqüilo em vez de alegre por aquela explosão de alegria dos habitantes de Berlim.

Na primavera do ano de 1936, inspecionei junto com Hitler um trecho da autoestrada. Hitler externou naquela ocasião a seguinte observação:

- Mas vou ainda encarregá-lo de outro trabalho, o maior de todos.

A coisa resumiu-se nessa insinuação. Hitler não disse qual era a obra.

Algumas vezes, traduzia em esboços algumas idéias relacionadas com a planta de Berlim. Mas só em junho que Hitler me mostrou um plano do centro da cidade:

- Já expliquei muitas vezes e detalhadamente ao prefeito porque esta avenida deve ter 120 metros de largura; agora ele me desenha uma somente de noventa.

O prefeito, Dr. Lippert, antigo camarada do partido e redator-chefe do periódico berlinense Angriff, foi novamente chamado, umas semanas mais tarde. Mas nada havia mudado e a rua continuava com 90 metros de largura. Lippert sentia pouco entusiasmo pelos projetos de obras de Hitler. No princípio, Hitler mostrou-se apenas um pouco aborrecido, dizendo que Lippert era um homem de vistas estreitas, incapaz de administrar uma cidade cosmopolita e ainda mais incapaz de compreender a importância histórica das obras projetadas. As observações de Hitler a respeito do prefeito foram subindo de entorno no decorrer do tempo: "Lippert não sabe nada; é um idiota, um frustrado, um zero à esquerda". O surpreendente era que Hitler jamais expressara seu descontentamento na presença do prefeito, nem tampouco intentara jamais convencê-lo.

Naquela época, às vezes parecia evitar o enfado de expor razões. Quatro anos depois, em um passeio da sua residência na montanha à casa de chá, durante o qual falou irritado de Lippert, comunicou-se com Goebbels, ordenando-lhe categoricamente que demitisse o prefeito. Sem dúvida, para o verão de 1936, Hitler que estivera supondo que a administração municipal estudasse os planos projetados para Berlim. Agora, mandou-me que fosse falar-lhe e sem nenhum rodeio ordenou-me que tratasse do assunto.

- Nada se tem de fazer com esta cidade. De hoje em diante o senhor será encarregado do projeto. Leve este esboço. Quando estiver terminado, mostre-o. O senhor sabe que eu sempre tenho tempo para estas coisas.

Segundo me disse Hitler, suas idéias a respeito de uma rua muito larga vinham desde o tempo em que se vira com os planos insuficientes para Berlim. Já naquela época adotara a resolução de mudar as estações de Anhalt e Potsdam para o sul do Aeródromo de Tempelhof. Assim ficariam livres no centro da cidade grandes áreas, que permitiriam vias de acesso de Segesallee para uma magnífica via de 5 km de comprimento, flanqueada de edifícios de grande estilo. Todas essas grandes construções de Berlim foram ultrapassadas por duas obras que Hitler pretendia levantar nessa nova avenida de edifícios representativos. No extremo norte, próximo ao edifício do Reichtag, previa uma gigantesca sala de reuniões, uma construção com uma cúpula, na qual caberiam várias catedrais de dimensão da de São Pedro em Roma. O diâmetro da cúpula teria 250 m. Dentro dela, em uma superfície de cerca de 38.000 m2, podia reunir se mais de cento e cinqüenta mil pessoas. A alguma distância da estação do sul, como pólo oposto a esta sala, Hitler tinha a intenção de erguer um arco de triunfo com altura de 120 m. Hitler explicou que uma discussão com pessoas habilitadas lhe havia feito pensar em um diâmetro de mais de 200 m para a cúpula e em uma altura de mais de cem para o arco do triunfo. O mais assombroso em tudo isso é não era tanto a idéia das dimensões, como uma surpreendente obsessão com que planejava monumentais obras de triunfo, quando ainda não havia sequer um mínimo de esperança de que seriam executadas.

Nas conversas que quase sempre se realizavam na chancelaria do Reich, dizia ele:

- Berlim é uma grande cidade, mas não cosmopolita. Veja o senhor Paris, a mais bela cidade do mundo. Ou mesmo Viena. São cidades afamadas, mas Berlim não é mais do que um irregular amontoado de edificações. Temos de ultrapassar Paris e Viena.

Nos anos anteriores, Hitler estudara, atentamente, as plantas de Paris e de Viena. Quando conversávamos vinha-lhe à memória toda a classe de detalhes. Quando se tratava de Viena, admirava a criação urbanística de Ringstrasse, com suas grandes edificações, a Municipalidade, o Parlamento, a Sala de Concertos, o Palácio Imperial e os museus. Era capaz de reproduzir, exatamente, no papel, essa parte da cidade. Sabia que os grandes edifícios, assim como os monumentos, têm de ser projetados de modo que sejam visíveis de todos os lados. Admirava essas construções, ainda quando não se adaptasse bem sua compreensão das coisas, como ocorria, por exemplo, com a Municipalidade, de estilo neogótico.

- Viena está dignamente representada. Ao contrário, veja a Municipalidade de Berlim. Mas pode ter certeza que a futura Municipalidade será mais bonita do que a de Viena.

Estava ainda mais impressionado pelas aberturas das ruas, pelos novos bulevares abertos por Georges E. Hassmann em Paris, no período de 1853 a 1870, gastando dois milhões e quinhentos mil francos-ouro. Considerava Hassmann um dos grandes urbanistas da história, mas que eu o ultrapassaria, tal era a sua esperança. A oposição a Hassmann, durante muitos anos, fazia Hitler temer que os projetos para Berlim encontrariam também resistências. Mas, na sua opinião, sua autoridade conseguiria sobrepor-se a qualquer oposição.

Certamente, no princípio, usou de argúcia para vencer a administração municipal, contraria a tais projetos, pois opinava que os planos de Hitler eram um presente funesto, uma vez que caberia ao município fornecer as enormes somas para abertura e construção das ruas, das instalações públicas e das autopistas.

Ele dizia então:

- Vamos cuidar por algum tempo de projetos relacionados com a construção da nossa nova capital, às margens do Müritzsee, em Mecklemburgo. O senhor vai ver que, quando os berlinense sentirem o perigo de o governo do Reich mudar sua sede para outro lugar, eles ficarão despertos.

De fato, foram suficientes algumas insinuações nesse sentido para que os vereadores se mostrassem dispostos a aceitar os gastos necessários à planificação das obras. Contudo, durante alguns meses, Hitler sente o prazer em pensar em uma "Washington alemã", imaginando como poderia sair do nada uma "cidade ideal".

Depois repeliu a idéia:

- As cidades artificialmente edificadas permanecem sempre mortas. Pense em Washington ou Camberra. Nem há vida em nossa Karlsruhe, pois os nossos anquilosados funcionários vivem ali encerrados em seu próprio círculo.

Neste particular, ainda não cheguei à conclusão sobre se Hitler estava representando uma comédia comigo, ou se alguma vez pensara seriamente no assunto. De qualquer modo, para a execução de tais projetos, Hitler, mediante o subsecretário Lammers, baixou um decreto concedendo-me amplos poderes, colocando-me imediatamente sob suas ordens. Nem o ministro do interior, nem o prefeito de Berlim, nem o chefe distrital de Berlim (Goebells) teriam prerrogativas para decisões ante mim. Além disso, Hitler dispensou-me, expressamente, da obrigação de informar dos meus projetos à cidade e ao partido. Quando lhe manifestei meu desejo de proceder como arquiteto independente, Hitler deu o seu assentimento. O subsecretário Lammers encontrou um dispositivo legal que atendia à aversão de Hitler em relação ao funcionalismo. Meu departamento adquiriu o caráter de grande instituto de investigação independente.

Em  janeiro de 1937, Hitler confiou-me, oficialmente, "a maior entre as obras de construção". Esteve muito tempo buscando um título a antissonante, quem esperasse respeito, até que Funk encontrou a solução: "inspetor-geral das obras de reorganização da capital do Reich". Entregando-me a nomeação, mostrou-se quase tímido, atitude reveladora de seu comportamento para comigo. Depois do almoço, apertou minha mão e disse: "seja feliz". A partir daquela ocasião, interpretando meu contrato de maneira generosa, foi-me atribuída a categoria de subsecretário do governo do Reich. Desde aquele dia, aos trinta e dois anos de idade, sentei-me junto do Dr. Todt, na terceira fila das poltronas das reuniões do gabinete. Cabiam-me os vencimentos de mil e quinhentos marcos mensais, quantia insignificante em relação aos meus honorários de arquiteto. Em fevereiro daquele mesmo ano, Hitler, sem rodeios, ordenou ao ministro da educação que me cedesse para o meu serviço, o venerável edifício da Academia de Belas-Artes, na Pariser Platz.



A idéia de urbanização concebida por Hitler apresentava uma grande desvantagem: não fora concebida até o fim. Ele se obstinada a tal ponto com projeto de uma "Champ-Elysées" berlinense que perdeu de vista, por inteiro, a estrutura da cidade de quatro milhões de habitantes. Para um urbanista, uma avenida como aquela só poderia ter sentido e função sendo o núcleo de uma nova ordem urbanística. Para Hitler, ao contrário, era um elemento de esplendor decorativo e tinha nela mesma a sua finalidade. Nem se solucionava também o problema do tráfego. A gigantesca cunha naquele sistema de ruas, dividindo a cidade em duas partes, poderia apenas ser deslocado alguns quilômetros para o sul.

O diretor-geral, Leibbrand, do quadro do ministério de transportes e comunicações do Reich, projetista-chefe da rede ferroviária do Reich, naquela época, viu nos planos de Hitler a possibilidade de uma grande reforma que toda a rede de viação da capital do Reich. Juntos encontramos uma solução. Assim, tivemos a possibilidade de prosseguir para a abertura da avenida, rumo ao sul, aproveitando as antigas instalações das vias férreas. Dessa maneira, obtivemos essas instalações, isto é, no coração da cidade, somente a cinco quilômetros de distância, uma grande superfície livre para uma nova cidade de quatrocentos mil habitantes. Também, pelo norte, a derrubada da Estação de Lehrt dava-nos a possibilidade de continuar o eixo                                                                                                       da avenida, para abertura de novos terrenos habitados. Mas nem Hitler nem eu tínhamos a intenção de renunciar à sala com a cúpula para remate da grande avenida. A gigantesca praça fronteira deveria permanecer livre de trânsito.

Era lógico também o prolongamento da Heerstrasse, com a mesma largura, uma rua de saída ao oeste, já existente na largura de 60 m. Esse projeto foi realizado em parte, depois de 1945, mediante a reforma da antiga Frankfurter Alle. O primitivo projeto de Hitler, relativo uma grandiosa avenida, destituída de sentido urbanístico, ia-se transformando, a medida que o reelaborávamos, e adquiria uma nova dimensão construtiva. Comparada com essa extensa reorganização, a idéia inicial de Hitler quase não tinha importância. Pelo menos no que diz respeito ao alcance da planificação o urbanizadora, eu havia ido além das grandes concepções criadas por Hitler. O risco era coisa que raramente ocorrera em sua existência. Não vacilava no meu assentimento a todas aquelas alterações, deixando-me as mãos livres, mas não era capaz de sentir entusiasmo por aquela parte do projeto. É verdade que examinava as plantas, algo desatento, para afinal perguntar com um tom de aborrecimento:

- Onde estão os planos para a grande avenida?

Não deixava porém de referir-se à primitiva parte central da avenida ideada inicialmente por ele. Depois falava com prazer dos edifícios administrativos, das grandes casas comerciais, de um novo teatro de ópera, de hotéis de luxo, de palácios de recreio. E eu participava desta satisfação. No entanto, eu compreendia o papel total em relação com os edifícios representativos. Hitler, ao contrário, com sua paixão por obras de duração perene, desinteressava-se totalmente das necessidades imperativas do tráfego, dos terrenos verificáveis, dos espaços verdes, mostrando-se indiferente ao espaço social.

Hess, ao contrário, interessava-se unicamente na construção de vivendas. Mal repassava para a parte e portentosa dos nossos projetos, a razão pela qual me fez algumas observações, no final de uma das suas visitas. Prometi-lhe empregar nas vivendas uma espécie de ladrilho, utilizadas em grandes edifícios. Hitler mostrou-se desagradavelmente surpreendido quando soube disso e falou da primazia das suas exigências. No entanto, nossa combinação continuou.



Ao contrário do que muitos supunham, eu não era o arquiteto-chefe de Hitler, que tivesse sobre suas ordens todos os demais. Os arquitetos encarregados da reforma de Munique e Linz foram ao mesmo tempo providos de plenos poderes, semelhantes aos meus. No decorrer do tempo, Hitler foi empregando um número de arquitetos cada vez maior, para empreitadas especiais, talvez dez ou doze, antes de começar a guerra.

Durante as deliberações relacionadas com a edificação, manifestava-se a capacidade de Hitler para entender rapidamente um projeto, reunindo o plano e as perspectivas para tomar uma imagem plástica em sua mente. Apesar de todos os negócios do estado, embora se tratasse com frequência de 10 até 15 obras, nas mais diversas cidades, por dia no momento, mesmo depois de meses, recordar os esboços em uma nova exposição. Geralmente mantinha-se reservado e atencioso durante as deliberações. Propunha sempre seus desejos de modificação com muita habilidade, em um tom de voz diferente daquele usual, perante seus colaboradores políticos. Convencido da responsabilidade dos arquitetos, na construção da sua obra, fazia com que fosse o arquiteto e não chefe regional acompanhante quem dissesse última palavra. Não queria que se intrometesse nas explicações nenhuma autoridade superior e leiga na matéria. Se uma das suas ideias se opunha à de um arquiteto, Hitler, de modo nenhum, insistia em que prevalecesse sua vontade.

- Se o senhor tem razão, então está melhor.

Assim, tive a sensação de ser pessoalmente responsável por tudo quanto eu desenhasse sob as ordens de Hitler. Freqüentemente, nossas opiniões divergiam, mas não me lembro de nenhum caso em que ele me forçasse a aceitar a sua. Essa relação entre arquiteto e construtor, comparativamente dotados dos mesmos direitos, foi a causa de que também eu, quando ministro dos Armamentos, desfrutasse, posteriormente, de maior independência do que a maioria dos ministros e marechais. Hitler só reagia com grosseria e sem consideração alguma quando notava no ambiente a existência de uma oposição disfarçada contra o que fosse fundamental. Assim o professor Bonatz, mestre de uma geração de arquitetos, não mais recebeu nenhum cargo, desde a data em que criticou as novas obras de Troost na Koenigsplatz de Munique. Nem mesmo Todt atreveu-se a pedir que Bonatz construísse algumas pontes de autopista. Bonatz foi desculpado mediante a intervenção da senhora Troost, viúva do venerado professor.

- Por que não pode construir pontes? - perguntou aquela senhora. - Esse arquiteto é muito bom para as construções técnicas.

As palavras da viúva Troost bastaram para que Bonatz voltasse a construir pontes na autopista.

De vez em quando Hitler dizia-me:

- Como eu gostaria de ser arquiteto!

E à minha resposta, de que fosse assim eu não teria quem me encarregasse de obras, ele replicava:

- O senhor é um homem que sempre se imporia.

O comitê olímpico alemão ficou em situação desagradável, quando Hitler ordenou que o subsecretário, correspondente do Ministério do Interior, Pfundtner, me mostrasse os primeiros planos para a construção do estádio. Otto March, arquiteto, previra uma construção de cimento armado e paredes de vidro, de modo semelhante ao Estádio de Viena. Hitler voltou colérico e exaltado à sua residência, aonde me tinha chamado para examinar alguns projetos. Mandou que se comunicasse, sem muitas palavras, ao subsecretário, que não se realizariam os Jogos Olímpicos. Não podiam realizar-se sem a sua presença, pois o chefe de Estado teria de inaugurá-los e ele jamais entraria em uma caixa de vidro como aquela. Durante a noite, fiz um desenho em que se previa o revestimento da estrutura com pedra natural e o emprego de fortes arquitraves, deixando sem efeito o envidraçamento. Hitler mostrou-se satisfeito.

Também, no princípio, Hitler desaprovou com dureza a participação na Exposição Internacional de Paris, em 1937, embora eu tivesse aceito o convite e a designação do local para a instalação do pavilhão alemão. Os projetos apresentados desagradaram-lhe. O Ministério da Economia solicitou-me que fizesse um. Nos terrenos da exposição, os pavilhões da Alemanha e da Rússia seriam localizados, exatamente, um em frente ao outro, sendo isso determinado de propósito pela direção francesa daquele empreendimento. Casualmente, andando pelas ruas de Paris, eu me perdi e foi dar em um lugar onde estava exposto o desenho do pavilhão russo, até então não divulgado. Sobre um estrado elevado, um grupo de figuras de 10 m de altura parecia andar, triunfalmente, em direção ao pavilhão da Alemanha. Eu então desenhei uma massa cúbica, que assentava sobre grossos pilares, parecendo enfrentar aquele assalto. No alto da minha torre, uma águia com suástica nas garras olhava de cima o grupo soviético. O prêmio à minha construção foi uma medalha de ouro, também concedida ao meu colega russo.

Durante o almoço de inauguração do nosso pavilhão, encontrei-me com o embaixador francês em Berlim. André François-Poncet. Propôs-me que eu expusesse meus trabalhos em Paris, em troca de uma exposição de pintura moderna francesa em Berlim. Em sua opinião, a arquitetura francesa ficara para trás, "mas os senhores podem aprender de nós, no que diz respeito à pintura". Na primeira oportunidade, falei a Hitler, tratando-se de uma proposta que me oferecia possibilidade de ser conhecido, internacionalmente. Hitler silenciou a respeito da minha observação, desagradável para ele. Isso não significaria, em princípio, repulsa ao meu sentimento, mas impedia que eu voltasse a falar no assunto.

Enquanto estive em Paris, vi o Palais de Chaillot, o Palais des Musées d'Art Moderne, o Musée des Travaux Publiques, ainda em construção, desenhado pelo afamado vanguardista Auguste Pernet. Confundiu-me o fato de a França tender também para o neoclassicismo, na construção de suas obras representativas. Afirmava-se depois, freqüentemente, que tal estilo é característico da arquitetura dos países totalitários, o que não é exato, de modo algum. É a característica de uma época, Washington, Londres, Paris, como em Roma, Moscou, tanto quanto em nossos projetos para Berlim.

Minha esposa e eu viajamos de automóvel, na companhia de alguns amigos. Percorremos o sul da França, vendo palácios e catedrais, indo até as muralhas de Carcassona, diante das quais sentimos algo de romântico, embora se trate de construções teóricas medievais. No hotel do castelo, encontramos um velho vinho tinto francês. E pretendíamos ficar por ali, alguns dias, supondo que estaremos livres das chamadas telefônicas dos ajudantes-de-ordens de Hitler, pois ninguém sabia do nosso roteiro de viagem. Mas, à tardezinha, chamaram-me ao telefone.

Aconteceu que a polícia francesa, por motivos de segurança e de controle, seguira o nosso itinerário. Estava em condições de informar o lugar onde estivéssemos, se em Obersaltzberg fizessem alguma pergunta a respeito. Era então um ajudante-de-ordens Brückner que estava na outra extremidade do fio telefônico:

- Amanhã, ao meio-dia, o senhor deve estar na residência do Führer.

Observei-lhe que necessitava de dois dias e meio para a viagem de regresso.

- Programaram uma conferência aqui, amanhã, à tarde. O Führer exige que o senhor esteja presente.

Tentei uma débil objeção:

- No momento...

- O Führer sabe onde o senhor está. Mas deve apresentar-se aqui, amanhã - foi a resposta definitiva do ajudante-de-ordens.

Senti-me desconcertado, aborrecido e perplexo. Uma conversa telefônica com piloto de Hitler deu como resultado de informar-me de que seu avião não podia descer na França. Disse-me que traria de reservar-me um lugar em um avião alemão de carga, o qual, procedente da África, faria escala em Marselha às 6 da manhã. Depois, o avião especial de Hitler me levaria a Stuttgart ao Aeroporto de Ainring nas proximidades de Berchtesgaden.

Naquela mesma noite, viajamos para Marselha. Durante alguns minutos, ao luar, vimos as construções romanas, em Arles, que tinha sido o objetivo da nossa viagem. Às 2 da madrugada, estávamos em um hotel de Marselha, de onde saímos 3 horas depois, rumo ao campo de aviação. E, segundo as ordens recebidas, à tarde eu me apresentava a Hitler, em Obersaltzberg.

- Sinto muito, senhor Speer. Eu adiei a reunião. Queria saber de sua opinião a respeito da construção de uma ponte em Hamburgo.

Naquele dia, o Dr. Todt pretendia apresentar-lhe o projeto de construção de uma ponte gigantesca, cuja extensão ultrapassaria a de Golden Gate, em San Francisco. Entretanto, o início da construção daquela ponte estava previsto para o decênio dos 40, e assim Hitler poderia ter-me permitido mais uma semana de férias.

Em outra ocasião, eu tinha ido para a montanha com a minha mulher, quando recebi uma chamada telefônica do ajudante-de-ordens.

- O senhor tem de vir ver o Führer, amanhã, ao meio-dia, na 'osterìa', almoçando com ele.

Ele cortou minhas objeções com estas palavras:

- Não; é urgente!

Na 'osterìa' , Hitler cumprimentou-me com estas palavras:

- Parece-me estupendo que tenha vindo almoçar. Mandaram-no vir? Ontem, nada mais fiz do que perguntar: "Onde está Speer?" mas... sabe de uma coisa? Foi bom. Por que o senhor tem que andar esquiando?

Von Neurath era mais resistente. Uma vez, altas horas da noite, Hitler mandou o ajudante-de-ordens dizer-lhe: "O Führer quer falar com o ministro das Relações Exteriores". A resposta foi: "O ministro das Relações Exteriores já foi se deitar". Houve insistência: "Despertem-no! Quero falar-lhe!"

Depois de mais uma chamada telefônica, o ajudante-de-ordens apresentou-se confuso a Hitler, dizendo:

- O senhor ministro encarrega-me de dizer que estará à disposição do Führer amanhã de manhã, muito cedo. Mas agora sente-se muito cansado e deseja repousar.

Hitler cedia, mas passava o resto da noite mal-humorado e não esquecia tais atitudes de independência.

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