Albert Speer - Por Dentro do III Reich (06)
Capítulo seis - A grande missão
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Hitler estava passeando inquieto, dando
passos acima e abaixo no jardim de Obersaltzberg.
- Realmente, não sei o que fazer. Trata-se
de uma decisão grave. De boa vontade eu faria aliança com os ingleses, mas, no
decurso da história, eles têm mostrado que não são um povo muito fidedigno. Se
eu me colocar ao lado deles, então acabarão para sempre as relações entre a Itália
e nós. Se os ingleses se afastarem de mim, nós ficaremos nadando entre duas
águas.
Assim costumava ele falar, no outono de
1935, aos membros do seu reduzido círculo em Obersaltzberg. Naqueles dias,
Mussolini tinha começado a invadir a Abissínia, flagelando-a com fortes ataques
aéreos. Negus fugira, e tinha sido proclamado o novo Império Romano. Depois da
sua visita oficial à Itália, em junho de 1934, visita que não deu grandes
resultados, Hitler nutria desconfiança, senão em relação a Mussolini, pelo
menos para com os italianos e a política da Itália. Para aumentar suas dúvidas
agora, lembrava-se de uma recomendação do testamento político de Hindenburg,
segundo a qual a Alemanha jamais deveria marchar ao lado da Itália. Sob a
pressão da Inglaterra, a Sociedade das Nações impôs sanções econômicas à
Itália. Como faria mais tarde, agora Hitler era de opinião que tinha de decidir-se
a colaborar com os ingleses ou com os italianos. Uma decisão de grande alcance.
Falava da sua disposição em garantir aos ingleses o império, em troca de um
acordo global. No entanto, as circunstâncias não lhe permitiram nenhuma
escolha; ele foi forçado a decidir-se por Mussolini.
Não foi uma decisão fácil, apesar da
afinidade ideológica e das relações de cunho pessoal que se estavam iniciando.
Todavia, alguns dias depois, Hitler mostrava-se deprimido pelo fato de que a
situação o tivesse obrigado a dar esse passo. Por isso, mostrou-se aliviado
quando, algumas semanas depois, se comprovou que as medidas de sanção,
finalmente impostas à Itália, respeitavam essa nação, justamente nos pontos
decisivos. Hitler deduziu daí que nem a França nem a Inglaterra queriam correr
o risco e desejavam evitar todo perigo. O que mais tarde foi classificado como
vontade de um ânimo decidido foi o resultado de tais experiências. Segundo
então observou, como conclusão dos seus raciocínios, os regimes ocidentais se
tinham mostrado débeis e sem energia para adotar uma decisão.
Além disso, estas idéias de Hitler foram
reforçadas quando as tropas alemãs, no dia 7 de março de 1936, entraram na
Renânia desmilitarizada. Isso era uma flagrante violação do Pacto de Locarno e
teria justificado uma contra-ofensiva militar das potências interessadas. Hitler
esperou nervoso as primeiras reações. No trem especial em que viajamos a
Munique e no entardecer daquele dia, sentia-se uma atmosfera tremendamente
tensa, que se estendia a todos os outros carros, irradiado do lugar onde se
achava Hitler. Ao chegar a uma estação recebemos uma notícia, e Hitler
registrou:
- Enfim! O rei da Inglaterra não intervém.
Mantém a palavra. Por conseguinte tudo poderá vir muito bem.
A reação de Hitler mostrava seu
desconhecimento das escassas possibilidades constitucionais da coroa inglesa em
face do parlamento e do governo. Contudo, uma intervenção militar talvez
tivesse necessitado de um consentimento do rei que talvez tenha sido esse o
fato a que Hitler aludia. De qualquer modo, suas preocupações eram
consideráveis. No entanto, mais tarde, quando estava em guerra com quase todo o
mundo, dizia que o mais ousado de todas as suas iniciativas fora a entrada na
Renânia.
- Não dispúnhamos de um exército digno desse
nome. Não teria tido sequer a força de combate suficiente para impor-se a
Polônia. Nós teríamos sido facilmente vencidos, se os franceses se tivessem
mostrado resolutos. Nossa resistência teria capitulado em um par de dias. As
forças aéreas que possuíamos eram ridículas: alguns JU-52 da Lufthansa, e para
eles não dispúnhamos sequer de bomba suficientes.
Depois da abdicação do Rei Eduardo VIII,
mais tarde Duque de Windsor, ele falava freqüentemente da aparente compreensão
daquele homem em relação ao nacional-socialismo alemão:
- Estou certo de que com ele teria sido
possível efetivarem-se relações amistosas com a Inglaterra. Tudo teria sido
diferente com ele. Sua abdicação foi uma grande perda para nós.
Essas observações eram acompanhadas de
outras a respeito de potências inimigas da Alemanha, decisivas para o curso da
política britânica. Sua mágoa por não colaborar com a Inglaterra estendeu-se
como um véu roxo por todos os anos do seu domínio. Esse sentimento aumentou
quando o Duque de Windsor e a sua esposa visitaram Hitler, no dia 22 de outubro
de 1937, em Obersaltzberg. É de se presumir que o duque se exprimiu de maneira
favorável sobre as conquistas realizadas pelo Terceiro Reich.
Alguns meses depois da entrada do Exército
alemão na Renânia, sem oposição de ninguém, Hitler mostrou-se contente pela
atmosfera de harmonia reinante durante os Jogos Olímpicos. O mau humor
internacional tinha se dissipado, evidentemente. Hitler deu instruções para que
os numerosos personagens estrangeiros tivessem a impressão de uma Alemanha de sentimentos
pacíficos e acompanhou, muito excitado, as competições esportivas. Se qualquer êxito
alemão inesperado - foram muitos - fazia-o feliz, reagia com muito
aborrecimento à série de vitórias obtidas pelo maravilhoso corredor
norte-americano Jesse Owens. Levantando os ombros, Hitler disse que era de
opinião que os homens cujos antepassados procediam da selva eram seres
primitivos, de constituição mais atlética do que a civilizada raça branca. Não
eram, dizia ele, pessoas com as quais se pudesse estabelecer uma comparação,
sob o ponto de vista de competição, que, por conseguinte, teriam de ser
excluídos dos futuro jogos e competições esportivas.
O que produziu maior impressão em Hitler foi
o júbilo frenético dos berlinenses à entrada solene do grupo francês no estádio
olímpico. Esse grupo desfilou diante de Hitler com a mão para o alto,
provocando assim um entusiasmo espontâneo em muitos espectadores. Mas Hitler
sentia no prolongado aplauso do público uma voz popular, impelida pelo anseio
de paz e de entendimento com o país vizinho ocidental. Se estou interpretando
acertadamente o que observei naquela ocasião, Hitler sentiu-se antes intranqüilo
em vez de alegre por aquela explosão de alegria dos habitantes de Berlim.
Na primavera do ano de 1936, inspecionei
junto com Hitler um trecho da autoestrada. Hitler externou naquela ocasião a
seguinte observação:
- Mas vou ainda encarregá-lo de outro
trabalho, o maior de todos.
A coisa resumiu-se nessa insinuação. Hitler
não disse qual era a obra.
Algumas vezes, traduzia em esboços algumas
idéias relacionadas com a planta de Berlim. Mas só em junho que Hitler me
mostrou um plano do centro da cidade:
- Já expliquei muitas vezes e detalhadamente
ao prefeito porque esta avenida deve ter 120 metros de largura; agora ele me
desenha uma somente de noventa.
O prefeito, Dr. Lippert, antigo camarada do
partido e redator-chefe do periódico berlinense Angriff, foi novamente chamado, umas semanas mais tarde. Mas nada
havia mudado e a rua continuava com 90 metros de largura. Lippert sentia pouco
entusiasmo pelos projetos de obras de Hitler. No princípio, Hitler mostrou-se
apenas um pouco aborrecido, dizendo que Lippert era um homem de vistas
estreitas, incapaz de administrar uma cidade cosmopolita e ainda mais incapaz de
compreender a importância histórica das obras projetadas. As observações de Hitler
a respeito do prefeito foram subindo de entorno no decorrer do tempo:
"Lippert não sabe nada; é um idiota, um frustrado, um zero à
esquerda". O surpreendente era que Hitler jamais expressara seu
descontentamento na presença do prefeito, nem tampouco intentara jamais
convencê-lo.
Naquela época, às vezes parecia evitar o
enfado de expor razões. Quatro anos depois, em um passeio da sua residência na
montanha à casa de chá, durante o qual falou irritado de Lippert, comunicou-se
com Goebbels, ordenando-lhe categoricamente que demitisse o prefeito. Sem
dúvida, para o verão de 1936, Hitler que estivera supondo que a administração
municipal estudasse os planos projetados para Berlim. Agora, mandou-me que
fosse falar-lhe e sem nenhum rodeio ordenou-me que tratasse do assunto.
- Nada se tem de fazer com esta cidade. De
hoje em diante o senhor será encarregado do projeto. Leve este esboço. Quando
estiver terminado, mostre-o. O senhor sabe que eu sempre tenho tempo para estas
coisas.
Segundo me disse Hitler, suas idéias a
respeito de uma rua muito larga vinham desde o tempo em que se vira com os
planos insuficientes para Berlim. Já naquela época adotara a resolução de mudar
as estações de Anhalt e Potsdam para o sul do Aeródromo de Tempelhof. Assim
ficariam livres no centro da cidade grandes áreas, que permitiriam vias de
acesso de Segesallee para uma magnífica via de 5 km de comprimento, flanqueada
de edifícios de grande estilo. Todas essas grandes construções de Berlim foram
ultrapassadas por duas obras que Hitler pretendia levantar nessa nova avenida
de edifícios representativos. No extremo norte, próximo ao edifício do Reichtag,
previa uma gigantesca sala de reuniões, uma construção com uma cúpula, na qual
caberiam várias catedrais de dimensão da de São Pedro em Roma. O diâmetro da
cúpula teria 250 m. Dentro dela, em uma superfície de cerca de 38.000 m2,
podia reunir se mais de cento e cinqüenta mil pessoas. A alguma distância da
estação do sul, como pólo oposto a esta sala, Hitler tinha a intenção de erguer
um arco de triunfo com altura de 120 m. Hitler explicou que uma discussão com
pessoas habilitadas lhe havia feito pensar em um diâmetro de mais de 200 m para
a cúpula e em uma altura de mais de cem para o arco do triunfo. O mais
assombroso em tudo isso é não era tanto a idéia das dimensões, como uma
surpreendente obsessão com que planejava monumentais obras de triunfo, quando
ainda não havia sequer um mínimo de esperança de que seriam executadas.
Nas conversas que quase sempre se realizavam
na chancelaria do Reich, dizia ele:
- Berlim é uma grande cidade, mas não
cosmopolita. Veja o senhor Paris, a mais bela cidade do mundo. Ou mesmo Viena.
São cidades afamadas, mas Berlim não é mais do que um irregular amontoado de
edificações. Temos de ultrapassar Paris e Viena.
Nos anos anteriores, Hitler estudara,
atentamente, as plantas de Paris e de Viena. Quando conversávamos vinha-lhe à
memória toda a classe de detalhes. Quando se tratava de Viena, admirava a
criação urbanística de Ringstrasse, com suas grandes edificações, a
Municipalidade, o Parlamento, a Sala de Concertos, o Palácio Imperial e os
museus. Era capaz de reproduzir, exatamente, no papel, essa parte da cidade.
Sabia que os grandes edifícios, assim como os monumentos, têm de ser projetados
de modo que sejam visíveis de todos os lados. Admirava essas construções, ainda
quando não se adaptasse bem sua compreensão das coisas, como ocorria, por
exemplo, com a Municipalidade, de estilo neogótico.
- Viena está dignamente representada. Ao
contrário, veja a Municipalidade de Berlim. Mas pode ter certeza que a futura
Municipalidade será mais bonita do que a de Viena.
Estava ainda mais impressionado pelas
aberturas das ruas, pelos novos bulevares abertos por Georges E. Hassmann em
Paris, no período de 1853 a 1870, gastando dois milhões e quinhentos mil
francos-ouro. Considerava Hassmann um dos grandes urbanistas da história, mas
que eu o ultrapassaria, tal era a sua esperança. A oposição a Hassmann, durante
muitos anos, fazia Hitler temer que os projetos para Berlim encontrariam também
resistências. Mas, na sua opinião, sua autoridade conseguiria sobrepor-se a
qualquer oposição.
Certamente, no princípio, usou de argúcia
para vencer a administração municipal, contraria a tais projetos, pois opinava
que os planos de Hitler eram um presente funesto, uma vez que caberia ao
município fornecer as enormes somas para abertura e construção das ruas, das
instalações públicas e das autopistas.
Ele dizia então:
- Vamos cuidar por algum tempo de projetos
relacionados com a construção da nossa nova capital, às margens do Müritzsee,
em Mecklemburgo. O senhor vai ver que, quando os berlinense sentirem o perigo
de o governo do Reich mudar sua sede para outro lugar, eles ficarão despertos.
De fato, foram suficientes algumas
insinuações nesse sentido para que os vereadores se mostrassem dispostos a
aceitar os gastos necessários à planificação das obras. Contudo, durante alguns
meses, Hitler sente o prazer em pensar em uma "Washington alemã",
imaginando como poderia sair do nada uma "cidade ideal".
Depois repeliu a idéia:
- As cidades artificialmente edificadas
permanecem sempre mortas. Pense em Washington ou Camberra. Nem há vida em nossa
Karlsruhe, pois os nossos anquilosados funcionários vivem ali encerrados em seu
próprio círculo.
Neste particular, ainda não cheguei à conclusão
sobre se Hitler estava representando uma comédia comigo, ou se alguma vez
pensara seriamente no assunto. De qualquer modo, para a execução de tais
projetos, Hitler, mediante o subsecretário Lammers, baixou um decreto
concedendo-me amplos poderes, colocando-me imediatamente sob suas ordens. Nem o
ministro do interior, nem o prefeito de Berlim, nem o chefe distrital de Berlim
(Goebells) teriam prerrogativas para decisões ante mim. Além disso, Hitler
dispensou-me, expressamente, da obrigação de informar dos meus projetos à
cidade e ao partido. Quando lhe manifestei meu desejo de proceder como
arquiteto independente, Hitler deu o seu assentimento. O subsecretário Lammers
encontrou um dispositivo legal que atendia à aversão de Hitler em relação ao
funcionalismo. Meu departamento adquiriu o caráter de grande instituto de
investigação independente.
Em janeiro de 1937, Hitler confiou-me,
oficialmente, "a maior entre as obras de construção". Esteve muito
tempo buscando um título a antissonante, quem esperasse respeito, até que Funk
encontrou a solução: "inspetor-geral das obras de reorganização da capital
do Reich". Entregando-me a nomeação, mostrou-se quase tímido, atitude
reveladora de seu comportamento para comigo. Depois do almoço, apertou minha
mão e disse: "seja feliz". A partir daquela ocasião, interpretando meu
contrato de maneira generosa, foi-me atribuída a categoria de subsecretário do
governo do Reich. Desde aquele dia, aos trinta e dois anos de idade, sentei-me
junto do Dr. Todt, na terceira fila das poltronas das reuniões do gabinete.
Cabiam-me os vencimentos de mil e quinhentos marcos mensais, quantia
insignificante em relação aos meus honorários de arquiteto. Em fevereiro
daquele mesmo ano, Hitler, sem rodeios, ordenou ao ministro da educação que me
cedesse para o meu serviço, o venerável edifício da Academia de Belas-Artes, na
Pariser Platz.
A idéia de urbanização concebida por Hitler
apresentava uma grande desvantagem: não fora concebida até o fim. Ele se
obstinada a tal ponto com projeto de uma "Champ-Elysées" berlinense
que perdeu de vista, por inteiro, a estrutura da cidade de quatro milhões de
habitantes. Para um urbanista, uma avenida como aquela só poderia ter sentido e
função sendo o núcleo de uma nova ordem urbanística. Para Hitler, ao contrário,
era um elemento de esplendor decorativo e tinha nela mesma a sua finalidade.
Nem se solucionava também o problema do tráfego. A gigantesca cunha naquele
sistema de ruas, dividindo a cidade em duas partes, poderia apenas ser
deslocado alguns quilômetros para o sul.
O diretor-geral, Leibbrand, do quadro do
ministério de transportes e comunicações do Reich, projetista-chefe da rede
ferroviária do Reich, naquela época, viu nos planos de Hitler a possibilidade
de uma grande reforma que toda a rede de viação da capital do Reich. Juntos
encontramos uma solução. Assim, tivemos a possibilidade de prosseguir para a
abertura da avenida, rumo ao sul, aproveitando as antigas instalações das vias
férreas. Dessa maneira, obtivemos essas instalações, isto é, no coração da
cidade, somente a cinco quilômetros de distância, uma grande superfície livre
para uma nova cidade de quatrocentos mil habitantes. Também, pelo norte, a
derrubada da Estação de Lehrt dava-nos a possibilidade de continuar o eixo
da avenida, para abertura de novos terrenos
habitados. Mas nem Hitler nem eu tínhamos a intenção de renunciar à sala com a
cúpula para remate da grande avenida. A gigantesca praça fronteira deveria
permanecer livre de trânsito.
Era lógico também o prolongamento da
Heerstrasse, com a mesma largura, uma rua de saída ao oeste, já existente na
largura de 60 m. Esse projeto foi realizado em parte, depois de 1945, mediante
a reforma da antiga Frankfurter Alle. O primitivo projeto de Hitler, relativo
uma grandiosa avenida, destituída de sentido urbanístico, ia-se transformando,
a medida que o reelaborávamos, e adquiria uma nova dimensão construtiva.
Comparada com essa extensa reorganização, a idéia inicial de Hitler quase não
tinha importância. Pelo menos no que diz respeito ao alcance da planificação o
urbanizadora, eu havia ido além das grandes concepções criadas por Hitler. O
risco era coisa que raramente ocorrera em sua existência. Não vacilava no meu
assentimento a todas aquelas alterações, deixando-me as mãos livres, mas não era
capaz de sentir entusiasmo por aquela parte do projeto. É verdade que examinava
as plantas, algo desatento, para afinal perguntar com um tom de aborrecimento:
- Onde estão os planos para a grande
avenida?
Não deixava porém de referir-se à primitiva
parte central da avenida ideada inicialmente por ele. Depois falava com prazer
dos edifícios administrativos, das grandes casas comerciais, de um novo teatro
de ópera, de hotéis de luxo, de palácios de recreio. E eu participava desta
satisfação. No entanto, eu compreendia o papel total em relação com os
edifícios representativos. Hitler, ao contrário, com sua paixão por obras de
duração perene, desinteressava-se totalmente das necessidades imperativas do
tráfego, dos terrenos verificáveis, dos espaços verdes, mostrando-se
indiferente ao espaço social.
Hess, ao contrário, interessava-se
unicamente na construção de vivendas. Mal repassava para a parte e portentosa
dos nossos projetos, a razão pela qual me fez algumas observações, no final de
uma das suas visitas. Prometi-lhe empregar nas vivendas uma espécie de
ladrilho, utilizadas em grandes edifícios. Hitler mostrou-se desagradavelmente
surpreendido quando soube disso e falou da primazia das suas exigências. No
entanto, nossa combinação continuou.
Ao contrário do que muitos supunham, eu não
era o arquiteto-chefe de Hitler, que tivesse sobre suas ordens todos os demais.
Os arquitetos encarregados da reforma de Munique e Linz foram ao mesmo tempo
providos de plenos poderes, semelhantes aos meus. No decorrer do tempo, Hitler
foi empregando um número de arquitetos cada vez maior, para empreitadas
especiais, talvez dez ou doze, antes de começar a guerra.
Durante as deliberações relacionadas com a
edificação, manifestava-se a capacidade de Hitler para entender rapidamente um
projeto, reunindo o plano e as perspectivas para tomar uma imagem plástica em
sua mente. Apesar de todos os negócios do estado, embora se tratasse com
frequência de 10 até 15 obras, nas mais diversas cidades, por dia no momento,
mesmo depois de meses, recordar os esboços em uma nova exposição. Geralmente
mantinha-se reservado e atencioso durante as deliberações. Propunha sempre seus
desejos de modificação com muita habilidade, em um tom de voz diferente daquele
usual, perante seus colaboradores políticos. Convencido da responsabilidade dos
arquitetos, na construção da sua obra, fazia com que fosse o arquiteto e não
chefe regional acompanhante quem dissesse última palavra. Não queria que se
intrometesse nas explicações nenhuma autoridade superior e leiga na matéria. Se
uma das suas ideias se opunha à de um arquiteto, Hitler, de modo nenhum,
insistia em que prevalecesse sua vontade.
- Se o senhor tem razão, então está melhor.
Assim, tive a sensação de ser pessoalmente responsável
por tudo quanto eu desenhasse sob as ordens de Hitler. Freqüentemente, nossas
opiniões divergiam, mas não me lembro de nenhum caso em que ele me forçasse a
aceitar a sua. Essa relação entre arquiteto e construtor, comparativamente
dotados dos mesmos direitos, foi a causa de que também eu, quando ministro dos
Armamentos, desfrutasse, posteriormente, de maior independência do que a
maioria dos ministros e marechais. Hitler só reagia com grosseria e sem
consideração alguma quando notava no ambiente a existência de uma oposição
disfarçada contra o que fosse fundamental. Assim o professor Bonatz, mestre de
uma geração de arquitetos, não mais recebeu nenhum cargo, desde a data em que
criticou as novas obras de Troost na Koenigsplatz de Munique. Nem mesmo Todt
atreveu-se a pedir que Bonatz construísse algumas pontes de autopista. Bonatz
foi desculpado mediante a intervenção da senhora Troost, viúva do venerado
professor.
- Por que não pode construir pontes? -
perguntou aquela senhora. - Esse arquiteto é muito bom para as construções
técnicas.
As palavras da viúva Troost bastaram para
que Bonatz voltasse a construir pontes na autopista.
De vez em quando Hitler dizia-me:
- Como eu gostaria de ser arquiteto!
E à minha resposta, de que fosse assim eu
não teria quem me encarregasse de obras, ele replicava:
- O senhor é um homem que sempre se imporia.
O comitê olímpico alemão ficou em situação
desagradável, quando Hitler ordenou que o subsecretário, correspondente do
Ministério do Interior, Pfundtner, me mostrasse os primeiros planos para a
construção do estádio. Otto March, arquiteto, previra uma construção de cimento
armado e paredes de vidro, de modo semelhante ao Estádio de Viena. Hitler
voltou colérico e exaltado à sua residência, aonde me tinha chamado para
examinar alguns projetos. Mandou que se comunicasse, sem muitas palavras, ao
subsecretário, que não se realizariam os Jogos Olímpicos. Não podiam
realizar-se sem a sua presença, pois o chefe de Estado teria de inaugurá-los e
ele jamais entraria em uma caixa de vidro como aquela. Durante a noite, fiz um
desenho em que se previa o revestimento da estrutura com pedra natural e o
emprego de fortes arquitraves, deixando sem efeito o envidraçamento. Hitler
mostrou-se satisfeito.
Também, no princípio, Hitler desaprovou com
dureza a participação na Exposição Internacional de Paris, em 1937, embora eu
tivesse aceito o convite e a designação do local para a instalação do pavilhão
alemão. Os projetos apresentados desagradaram-lhe. O Ministério da Economia
solicitou-me que fizesse um. Nos terrenos da exposição, os pavilhões da
Alemanha e da Rússia seriam localizados, exatamente, um em frente ao outro,
sendo isso determinado de propósito pela direção francesa daquele
empreendimento. Casualmente, andando pelas ruas de Paris, eu me perdi e foi dar
em um lugar onde estava exposto o desenho do pavilhão russo, até então não
divulgado. Sobre um estrado elevado, um grupo de figuras de 10 m de altura
parecia andar, triunfalmente, em direção ao pavilhão da Alemanha. Eu então
desenhei uma massa cúbica, que assentava sobre grossos pilares, parecendo enfrentar
aquele assalto. No alto da minha torre, uma águia com suástica nas garras olhava
de cima o grupo soviético. O prêmio à minha construção foi uma medalha de ouro,
também concedida ao meu colega russo.
Durante o almoço de inauguração do nosso
pavilhão, encontrei-me com o embaixador francês em Berlim. André
François-Poncet. Propôs-me que eu expusesse meus trabalhos em Paris, em troca
de uma exposição de pintura moderna francesa em Berlim. Em sua opinião, a
arquitetura francesa ficara para trás, "mas os senhores podem aprender de
nós, no que diz respeito à pintura". Na primeira oportunidade, falei a Hitler,
tratando-se de uma proposta que me oferecia possibilidade de ser conhecido,
internacionalmente. Hitler silenciou a respeito da minha observação,
desagradável para ele. Isso não significaria, em princípio, repulsa ao meu
sentimento, mas impedia que eu voltasse a falar no assunto.
Enquanto estive em Paris, vi o Palais de
Chaillot, o Palais des Musées d'Art Moderne, o Musée des Travaux Publiques,
ainda em construção, desenhado pelo afamado vanguardista Auguste Pernet.
Confundiu-me o fato de a França tender também para o neoclassicismo, na
construção de suas obras representativas. Afirmava-se depois, freqüentemente,
que tal estilo é característico da arquitetura dos países totalitários, o que
não é exato, de modo algum. É a característica de uma época, Washington,
Londres, Paris, como em Roma, Moscou, tanto quanto em nossos projetos para
Berlim.
Minha esposa e eu viajamos de automóvel, na
companhia de alguns amigos. Percorremos o sul da França, vendo palácios e
catedrais, indo até as muralhas de Carcassona, diante das quais sentimos algo
de romântico, embora se trate de construções teóricas medievais. No hotel do
castelo, encontramos um velho vinho tinto francês. E pretendíamos ficar por
ali, alguns dias, supondo que estaremos livres das chamadas telefônicas dos
ajudantes-de-ordens de Hitler, pois ninguém sabia do nosso roteiro de viagem.
Mas, à tardezinha, chamaram-me ao telefone.
Aconteceu que a polícia francesa, por
motivos de segurança e de controle, seguira o nosso itinerário. Estava em
condições de informar o lugar onde estivéssemos, se em Obersaltzberg fizessem
alguma pergunta a respeito. Era então um ajudante-de-ordens Brückner que estava
na outra extremidade do fio telefônico:
- Amanhã, ao meio-dia, o senhor deve estar
na residência do Führer.
Observei-lhe que necessitava de dois dias e
meio para a viagem de regresso.
- Programaram uma conferência aqui, amanhã,
à tarde. O Führer exige que o senhor esteja presente.
Tentei uma débil objeção:
- No momento...
- O Führer sabe onde o senhor está. Mas deve
apresentar-se aqui, amanhã - foi a resposta definitiva do ajudante-de-ordens.
Senti-me desconcertado, aborrecido e
perplexo. Uma conversa telefônica com piloto de Hitler deu como resultado de
informar-me de que seu avião não podia descer na França. Disse-me que traria de
reservar-me um lugar em um avião alemão de carga, o qual, procedente da África,
faria escala em Marselha às 6 da manhã. Depois, o avião especial de Hitler me
levaria a Stuttgart ao Aeroporto de Ainring nas proximidades de Berchtesgaden.
Naquela mesma noite, viajamos para Marselha.
Durante alguns minutos, ao luar, vimos as construções romanas, em Arles, que
tinha sido o objetivo da nossa viagem. Às 2 da madrugada, estávamos em um hotel
de Marselha, de onde saímos 3 horas depois, rumo ao campo de aviação. E,
segundo as ordens recebidas, à tarde eu me apresentava a Hitler, em
Obersaltzberg.
- Sinto muito, senhor Speer. Eu adiei a
reunião. Queria saber de sua opinião a respeito da construção de uma ponte em
Hamburgo.
Naquele dia, o Dr. Todt pretendia
apresentar-lhe o projeto de construção de uma ponte gigantesca, cuja extensão ultrapassaria
a de Golden Gate, em San Francisco. Entretanto, o início da construção daquela
ponte estava previsto para o decênio dos 40, e assim Hitler poderia ter-me
permitido mais uma semana de férias.
Em outra ocasião, eu tinha ido para a
montanha com a minha mulher, quando recebi uma chamada telefônica do
ajudante-de-ordens.
- O senhor tem de vir ver o Führer, amanhã,
ao meio-dia, na 'osterìa', almoçando com ele.
Ele cortou minhas objeções com estas
palavras:
- Não; é urgente!
Na 'osterìa' , Hitler cumprimentou-me com
estas palavras:
- Parece-me estupendo que tenha vindo
almoçar. Mandaram-no vir? Ontem, nada mais fiz do que perguntar: "Onde
está Speer?" mas... sabe de uma coisa? Foi bom. Por que o senhor tem que
andar esquiando?
Von Neurath era mais resistente. Uma vez,
altas horas da noite, Hitler mandou o ajudante-de-ordens dizer-lhe: "O Führer
quer falar com o ministro das Relações Exteriores". A resposta foi:
"O ministro das Relações Exteriores já foi se deitar". Houve
insistência: "Despertem-no! Quero falar-lhe!"
Depois de mais uma chamada telefônica, o
ajudante-de-ordens apresentou-se confuso a Hitler, dizendo:
- O senhor ministro encarrega-me de dizer
que estará à disposição do Führer amanhã de manhã, muito cedo. Mas agora
sente-se muito cansado e deseja repousar.
Hitler cedia, mas passava o resto da noite
mal-humorado e não esquecia tais atitudes de independência.
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