Por Dentro do III
Reich - 07 1975 - parte 1
Albert Speer -
Por Dentro do III Reich (07/34)
Capítulo sete -
Obersaltzberg
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Quem exerce o
poder, seja o diretor de uma empresa ou o chefe de um governo, ou um déspota
ditatorial, está exposto a um conflito permanente. Sua posição faz tão
apetecido o seu favor que os inferiores podem ser seduzidos por este. Mas
aqueles que o rodeiam não estão expostos somente ao perigo da corrupção,
convertendo-se em cortesões; estão também expostos à tentação de seduzirem por
sua parte o soberano, por sua manifesta subordinação.
Para a
valorização do homem poderoso é decisivo ter de que forma reage a esse influxo
permanente. Fui testemunha da conduta de industriais e militares que souberam
resistir a essa tentação. Quando o poder é exercido já sobre gerações, não é
raro encontrar uma certa incorruptibilidade herdada. Entre os que rodeavam
diretamente Hitler, só algumas pessoas isoladas, tais como Fritz Todt,
resistiam às tentações da corte. O próprio Hitler não oferecia nenhuma
resistência visível à essa evolução.
As condições
especiais do seu estilo de mando levaram Hitler a um crescente isolamento,
mormente depois de 1937. Acrescente-se a essa circunstância a sua incapacidade
para estabelecer contatos humanos. Naquela época, em nosso círculo íntimo,
falávamos de uma mudança cada vez mais visível no Führer. Heinrich Hoffman
acabara precisamente de publicar uma nova edição do seu livro O Hitler que ninguém conhece. A antiga
edição fora retirada do mercado por causa de uma fotografia em que servia o Führer,
amistosamente, ao lado de Rüehm, assassinado por ele. Hitler escolheu em pessoa
as fotografias para a nova edição, que o mostravam jovial, sem afetação, um
simples paisano. Mostraram-no de calças curtas de couro, em um barco, segurando
remos, deitado na relva em um prado, andando pelo campo em companhia de jovens,
ou nos estúdios de artistas. Mas a obra é para já inoportuno. Aquele Hitler que
eu conhecia em 1930 tinha se transformado em um déspota isolado, quase sem
relações, inclusive para aqueles que forma um sua roda íntima.
Em um vale
retirado e elevado, nos Alpes bávaros , eu encontrei uma pequena casa de
montanheses bastante espaçosa para nela se acomodarem algumas mesas de desenho
e também, embora com algum aperto, a família e alguns auxiliares. Lá
desenhamos, na primavera de 1935, os nossos planos de Berlim. Foram tempos
felizes para o trabalho e minha família. Mas um dia cometi um grande erro:
falei a Hitler daquela moradia idílica, ele logo me disse:
- Mas será muito
melhor para mim. Eu ponho à disposição de sua família a casa Bechstein. Na
galeria envidraçada, há lugar suficiente para o seu escritório.
Nos fins de maio
de 1937, também saímos daquela casa. Mudamo-nos para um edifício de
escritórios, que Bormann tinha mandado construir por ordem de Hitler, segundo
meus desenhos. Assim, depois de Hitler,
Goering e Bormann, eu fui o quarto morador de Obersaltzberg.
Bormann era o
verdadeiro senhor de Obersaltzberg. Mediante coação adquiriu antigas
fazendas, mandou demolir casas, arrancar
cruzes e imagens existentes nas estradas, embora a comunidade das igrejas
tenham protestado. Apoderou-se também de florestas do Estado. O terreno desceu
desde uma altura de quase 1.900 m até o vale, 600 m mais abaixo, tendo portanto
uma superfície de 7 quilômetros quadrados. O valado, em torno do recinto interno,
que tinha uns 13 km, chegando a 14 o do recinto externo.
Bormann,
totalmente insensível à natureza virgem, mandou abrir estradas naquela
deliciosa paisagem. As veredas do bosque, até então cobertas pelas copas dos
abetos, cheias de raízes, converteram-se em trilhas asfaltadas. Um quartel, uma
garagem, um hotel para os convidados de Hitler, instalações para os empregados,
cujo número aumentava, foram surgindo com a mesma rapidez com que se moderniza
um balneário. Nos flancos da montanha, encontravam-se barracões para um
alojamento de centenas de operários; nas estradas rodavam caminhões de carga, e
a noite muitas obras estavam iluminadas,
pois havia trabalho em dois turnos. Tem vez em quando, explosões atroavam pelo
vale.
No alto da
montanha, Bormann levantou uma casa, dispendiosamente mobilizada, tem estilo de
transatlântico adaptado ao rústico. Chegava-se até ela por uma estrada
audaciosa, terminada em uma esplanada, aberta mediante o arrebatamento de uma
pedreira. Somente para se conseguir aquela casa, que Hitler visitou várias
vezes, Bormann gastou entre 20 e 30 milhões de marcos.
Na comitiva de
que Hitler havia maldizentes que falavam:
- Parece uma
cidade de garimpeiros. Mas acontece que
Bormann não acha ouro nenhum, ao contrário, enterra-o.
Hitler se
lamentava aquele desperdício, mas apenas comentava:
- Isso é coisa de
Bormann. Não quero meter-me nos seus assuntos.
E em outra
ocasião disse:
- Quando tudo
estiver terminado, procurei outro vale tranquilo e lá construirei uma casinha
de madeira, como a primeira.
As obras jamais
terminavam. Bormann liderava sempre novas estradas e novos trabalhos. E quando,
finalmente, estalou a guerra, ele começou a construir abrigos subterrâneos para
Hitler e os da sua comitiva.
No verão de 1935,
Hitler decidiu ampliar sua modesta quinta de montanha para transformá-la no
ostentoso "palácio montanhas". Executou essa obra com seus próprios
recursos, o que afinal era apenas um gesto, porquanto, para o edifício anexo,
Bormann obtinha de outras fontes de grandes somas que não tinham relação
nenhuma com as que eram despendidas por Hitler.
Bormann não
estava unido a Hitler somente por suas atividades como construtor em
Obersaltzberg. Talvez soube ir-se encarregando da administração das rendas
pessoais de Hitler. Até os ajudantes-de-ordens de que Hitler dependiam de
Bormann. A amante de Hitler confessou-me, francamente, que ela também dependia
de Bormann, porquanto Hitler deixada a cargo dele atender às necessidades
financeiras de Eva Braun, aliás modestas. Hitler elogiava a habilidade de
Bormann para lidar com dinheiro. Uma vez contou que Bormann, em 1932, ano de
queda na produção, adquira grande prestígio no partido por ter instituído o
seguro obrigatório contra acidentes de trabalho. Segundo afirmava Hitler, a
receita dessa caixa auxiliar tinha excedido a despesa, sendo os saldos
destinados ao partido. Não foi menor o merecimento de Bormann ao acabar,
definitivamente, depois de 1933, com as preocupações financeiras de Hitler.
Teve 2 fontes abundantes: junto com o fotógrafo particular de Hitler
(Hoffmann) e com um amigo deste, o
ministro de Correios, Ohnessorge, teve a idéia de que Hitler, pelo fato de
estar sua esfinge estampada nos selos postais, tinha direito a uma indenização
por esse uso da sua imagem, indenização que resultaria em dinheiro. No tocante
ao selos postais, isso não representaria muito, mas acontecia que o rosto de Hitler
aparecia em toda a classe de valores, assim canalizando-se para o bolso
particular do Führer alguns milhões.
Bormann descobriu
outra fonte de dinheiro, ao instituir a Doação Adolf Hitler da Indústria Alemã.
Os industriais que se tinham visto beneficiados pelo desenvolvimento da
economia foram sem rodeios convidados a demonstrar seu agradecimento Hitler
mediante donativos voluntários. Como outros funcionários do partido já tinham
tido a mesma idéia, Bormann, mediante um
decreto, garantiu para ele mesmo o monopólio dessa classe de donativos. Mas era
bastante inteligente para dar presentes a diversos dignatários do partido, como
sendo "por encargo do Führer". Quase todas as altas hierarquias do
partido recebiam gratificações oriundas daquela contribuição. É bem verdade que
parecia insignificante a influência que isso poderia ter sobre o nível de vida
dos diferente chefes nacionais e regionais. Mas, no fundo, isso conferia a
Bormann mais poder do que dispunham outros que gostavam de elevada posição
dentro do partido.
Com aquela
disposição que o caracterizava, depois de 1934 Bormann teve outra iniciativa:
colocou-se sempre o mais próximo possível da fonte dos favores e das graças.
Acompanhava Hitler ao Berghof, a andava com ele nas viagens, e não se afastava
da pessoa do Führer, na chancelaria. Assim, acabou sendo um secretário
diligente, fidedigno e finalmente indispensável para Hitler. Bormann
mostrava-se sempre obsequioso para com todos, dispensando favores a toda a
gente, na medida das suas possibilidades, tanto mais por dar a impressão de que
agia a serviço de Hitler, de um modo totalmente desinteressado também para o imediato de Hitler, Rudolf Hess,
convia ter esse colaborador nas proximidades de Hitler.
Decerto, naquela
época, os poderosos de imediatos de Hitler estavam em posição indefinida no que
diz respeito a prestígio, olhando-se reciprocamente, receosos uns dos outros.
Para definição de situação, houve freqüentes lutas entre Goebbels, Goering,
Rosemberg, Ley, Himmler, Ribbentrop e Hess. Somente Rüehm já fora estendido no
chão, e Hess não tardaria em perder sua influência. Mas nenhum deles percebeu o
perigo que Bormann significava para todos. Inicialmente apresentara-se como
pessoa insignificante, mas aos poucos estava reforçando o seu bastão. Diante
dos muitos dignatários, carecidos de consciência, Bormann destacava-se por sua
brutalidade e rudeza de sentimentos.
Sem instrução
suficiente para lhe opor barreiras morais, ele fazia cumprir-se o que Hitler ordenava
e até mesmo aquilo que ele deduzia das insinuações do Führer. Subalterno por
natureza, tratava o subalternos como se estivesse lidando com bois e vacas. Era
realmente um servil.
Eu evitava
encontrar-me com ele. Aliás, não nos tolerávamos nem pintados. Isso não impedia
que nos tratássemos corretamente, pois assim o exigia o ambiente de
Obersaltzberg. Mas, excetuando-se o meu próprio escritório, não projetei
nenhuma obra para Bormann.
Segundo Hitler
acentuava freqüentemente, a moradia na montanha dava-lhe tranquilidade interior
e a segurança de que necessitava para as suas decisões. Aí redigiu seus
discursos mais importantes, sendo de notar a maneira como os preparava. Assim,
antes do congresso do partido em Nuremberg, Hitler retirava-se, regularmente,
para Obersaltzberg, lá se demorando
durante semanas. À medida que se aproximava a data, os secretários instavam-no
para que ele começasse a ditar, afastando dele qualquer estorvo ou distração,
inclusive planos de obras e visitantes. Mas, à medida que passavam as semanas, Hitler
ia adiando a redação, para tratar do texto do discurso às pressas. De um modo
geral, já era muito tarde para preparar todos os discursos. Na maioria das
vezes, Hitler tinha de empregar as noites, durante o congresso, para recuperar
o tempo perdido em Obersaltzberg.
Eu tinha a
impressão de que Hitler necessitava dessa pressão para criar, à sua maneira de
artista e de boêmio, desprezando disciplina, não querendo submeter-se a uma
execução regular. Deixava amadurecer o conteúdo dos seus discursos, os seus
pensamentos, durante semanas de aparente inatividade, até que já ideado,
estando redigido, se atirasse com o ímpeto sobre os ouvintes e partidários.
Nossa mudança
para Obersaltzberg não favoreceu meu trabalho. Já o decurso do dia, rotineiro,
era fateigante. E aborrecido o círculo de pessoas, sempre o mesmo, em torno de Hitler.
A mesma gente reunia-se em Munique e em Berlim. A única diferença, em relação a
Berlim, era a presença das mulheres, que acompanhavam os maridos, 2 ou 3
secretárias e Eva Braun.
Hitler costumava
aparecer no pavimento térreo já tarde, cerca de 11 horas. Lia as informações da
imprensa, recebia notícias dadas por Bormann e adotava as primeiras decisões.
Seu dia iniciava-se com um abundante almoço. Os convidados reuniam-se na antessala,
Hitler escolhia a dama que se sentaria ao seu lado na mesa. Desde 1938, Bormann
teve o privilégio de levar à mesa Eva Braun, que costumava sentar-se à esquerda
de Hitler. Esse privilégio demonstrava a posição predominante de Bormann na
corte. O relatório era uma combinação de rusticidade artística e elegância urbana,
frequente nas casas de campo dos ricos habitantes das cidades. As paredes e o
teto estavam revestidos de madeira, as cadeiras forradas de pano
vermelho-claro. Os pratos eram brancos. A baixela de prata, onde reluzia o monograma de Hitler, era igual a de Berlim.
As decorações com poucas flores tinham sempre a aprovação de Hitler. O cardápio,
à maneira burguesa, continha sopa, um prato de carne, pratos de creme,
acompanhados de Fachinger ou vinho em garrafas. As mesas eram servidas por
membros da escolta pessoal das SS, de calças pretas e jaqueta branca.
Sentavam-se à mesa umas 20 pessoas, mas esta, sendo comprida, não facilitava as
conversas. Hitler sentava-se no centro, diante da janela, e conversava com quem
estivesse à sua frente, que não era o mesmo comensal todos os dias, ou com a
senhora acompanhante.
Finda a refeição,
um pouco antes, os convidados dirigiam-se à casa de chá. O caminho era
estreito, permitindo a passagem apenas de 2 pessoas, assim o trajeto assumia o
aspecto de procissão. À frente, a alguma distância de Hitler e dos convidados,
diriam os agentes do Serviço de Segurança. Atrás de Hitler, com seu companheiro
de conversa, seguiam os que tinham estado à mesa, também acompanhados de
agentes de segurança. Dois cães pastores corriam pelo mato, sem ouvirem as
ordens do amo, sendo essa a única oposição que havia em sua corte. Bormann
aborrecia-se porque Hitler que escolheria sempre aquela vereda, caminhando uma
meia hora, desprezando os caminhos asfaltados, através do bosque, mas que
tinham uma extensão de vários quilômetros.
A casa de chá
fora construída no lugar em que Hitler gostava muito. De lá descortina-se amplo
panorama do vale de Berchtesgaden. A comitiva elogiava o panorama sempre com as
mesmas palavras. Hitler concordava, sempre também com as mesmas expressões. A
casa formava-se de um recinto circular com cerca de 8 m de diâmetro, com
janelas envidraçadas e uma lareira. Sentavam-se em torno de uma mesa-redonda.
Eva Braun e uma outra senhora ao lado de Hitler. Quem não encontrasse lugar, ia
para uma saleta contígua. Eram servidos à vontade chá, café ou chocolate,
diversos tipos de tortas, bolos, pastéis, depois de alguns licores. Na mesa
onde tomavam café, Hitler gostava de estender-se em monólogos intermináveis,
cujo tema era já conhecido dos comensais, que por isso, embora distraídos,
fingiam dar-lhe atenção. Uma vez ou outra cochilava. Enquanto isso, os
presentes falavam em voz baixa, esperando que ele despertasse para o jantar.
Era uma reunião de amigos.
A hora do chá
costumava terminar quase às seis. Hitler levantava-se, e o que se diria um desfile
de peregrinos dirigindo-se ao local de estacionamento de carros, distante uns
20 minutos em passo normal. Regressando a Berghof, Hitler recolhia-se aos seus
aposentos, no pavimento superior, enquanto se dissolvia o grupo. Bormann,
seguido dos maliciosos comentários de Eva Braun, freqüentemente desaparecia no
quarto de uma das jovens secretárias.
2 horas mais
tarde, os convidados reuniam-se de novo para o jantar, com o mesmo ritual do
meio-dia. Depois Hitler ia para a sala de estar, acompanhado dos mesmos
convidados. A sala tinha móveis procedentes do estúdio de Troost. Os móveis
eram poucos, mas de grandes dimensões: o armário de mais de 3 m de altura e 5
de comprimento, para os diplomas de cidadania honorária e os discos na vitrola;
uma vitrina de cristal de um classicismo afetado; uma caixa de relógio enorme,
rematada por uma águia de bronze, que parecia protegê-la. Uma mesa de 6 m de
extensão, onde Hitler costumava assinar documentos, mais tarde utilizando-se
dela para estudar os mapas da situação militar. Havia 2 grupos de assentos, com
revestimento de cor vermelha. Um deles estava perto do fogão, outro próximo à
janela. Por trás dos grupos de assentos, havia a cabina de projeção
cinematográfica. Nas paredes, viam-se grandes quadros a óleo. Um atribuído a
Bordone, discípulo de Ticiano; era o retrato de uma senhora com os seios
descobertos; outro, um nu, que podia ser do mesmo Ticiano; a Nana de Feurbach, que tinha uma moldura
muito bonita; uma antiga paisagem de Spitzweg; um outro quadro, representando
ruínas romanas, pintado por Pannini; surpreendentemente, uma espécie de altar,
de Eduard von Steinle, representando o Rei Henrique, fundador da cidade. Em
compensação, não se via nenhum Grüntzer. Hitler algumas vezes dizia que aqueles
quadros foram pagos do seu próprio bolso.
Sentávamos no
sofá ou nas poltronas de um dos grupos de assaltos e começava a segunda parte
da noite, com as películas normalmente projetadas nos cinemas de Berlim. Depois
nos reuníamos em torno da gigantesca lareira. 6 ou 8 pessoas em um sofá
incômodo, estofado, bem comprido, como se estivéssemos sentados em fila. Hitler,
outra vez ladeado por Eva Braun e uma das senhoras, sentava-se em uma das
poltronas macias. A disposição dos móveis não facilitava a conversação. Cada um
falava em voz baixa ao seu vizinho. Hitler, também em voz baixa, dizia
vulgaridades às 2 mulheres ao seu lado ou cochilava com Eva Braun, tendo uma das
mãos dela nas suas. Às vezes, ele emudecia, dirigindo um olhar para o alto, ou
fixando a vista na chama da lareira. Os presentes calavam para não perturbar o Führer
em seus importantes pensamentos.
De quando em
quando falavam de fitas cinematográficas. Hitler opinava sobre as
interpretações femininas e Eva Braun sobre as masculinas. Ninguém cuidava de
elevar o nível da conversa acima de alguns detalhes, expondo idéias sobre novas
formas de expressão do diretor do filme. É verdade que as fitas exibidas não
proporcionavam assuntos desse gênero, destinavam-se apenas à distração dos
espectadores. Nunca foram exibidas, pelo eu estando presente, as experiências
de um Curt Oertel tendo por tema
Michelângelo. Era que Bormann não perdia oportunidade para depreciar o
prestígio de Goebbels, responsável pela produção cinematográfica alemã. Fazia
sempre observações mal-intencionadas. Disse, por exemplo, que a elaboração da
película O vaso quebrado encontrara
obstáculos da parte de Goebbels, que se via figurado e ridicularizado por Emil
Jennings no papel de um juiz coxo aldeão. Hitler viu com alegria a película,
retirada dos cinemas, e ordenou que ela voltasse a ser exibida no maior cinema
de Berlim. No entanto, durante muito tempo, não houve essa volta da fita aos
cinemas, o que demonstra a carência de autoridade de Hitler, freqüentes vezes.
Mas Bormann não cedeu, até que Hitler
ficou aborrecido e fez ver claramente a Goebbels que este tinha de obedecer a
aquilo que ele, Hitler, ordenava.
Mais tarde,
durante a guerra, Hitler suprimiu as sessões cinematográficas noturnas, pois,
segundo manifestou, que iria renunciar à sua distração favorita para
"Solidarizar-se com os sacrifícios dos soldados". As projeções de
filmes foram substituídas por audição de música em discos. Apesar da sua
magnífica coleção de discos, as preferências de que Hitler iam para uma mesma
espécie de música. Não tinham significado para ele o barroco, o clássico, a
música de câmara, e nem as sinfonias. Antes de mais nada gostava de ouvir
algumas impressionantes árias de óperas de Wagner, para depois dar atenção à
opereta. Com a opereta terminava a audição. Seu interesse reduzia-se à
identificação da voz dos cantores, mencionar-lhes o nome e, quando acertava, o
que ocorria freqüentemente, não escondia sua satisfação. Para ser animarem
essas reuniões noturnas, um tanto insípidas, servia-se champanhe. Depois da
ocupação da França, a champanhe servida provinha do butim de guerra, havendo
também marcas baratas, porquanto o Goering e seus marechais-do-ar se tinham
apoderado das melhores marcas. Aquela monotonia prolongava-se até uma hora da
madrugada, não faltando quem não pudesse reprimir um ou outro bocejo. Afinal,
depois de uma troca de palavras com Adolf Hitler, Eva Braun retirava-se para os
seus aposentos no pavimento inferior. Cerca de um quarto de hora depois Hitler
levantava-se para também despedir-se. Seguia-se uma reunião menos tensa, em que
nós nos sentimos como que livres, e bebíamos champanhe e conhaque.
Voltávamos para
casa às primeiras horas da madrugada, mortos de cansaço por não termos feito
coisa nenhuma. Decorridos alguns dias, fui atacado do mal da montanha, com denominavam
naquele tempo, ou seja, eu sentia-me esgotado e sem idéias, em conseqüência daquela
contínua dilapidação de tempo. Somente quando os ócios de Hitler eram
interrompidos pelas suas decisões administrativas restava-me algum tempo para
dedicar-me aos meus trabalhos com os meus auxiliares. Sendo hóspede permanente
e favorito, morando também em Obersaltzberg, não podia evitar aquelas vigílias,
por mais torturantes que fossem, sem dar a impressão de descortesia. O doutor
Dietrich, chefe de imprensa do Reich, teve algumas vezes o atrevimento de
assistir a representações do festival de Salzburg. O que obteve foi o
aborrecimento de Hitler.
De vez em quando,
vinham membros dos antigos círculos de Hitler, em Munique ou em Berlin, tais
como Schwarz, Goebbels ou Hermann Esser. Mas isso ocorria raramente é durante
apenas um ou dois dias. Também vi, em Obersaltzberg, Hess, 2 ou 3 vezes, quando
não lhe faltavam motivos para com sua presença por freio à atividade de
Bormann, seu lugar-tenente. Até mesmo os mais íntimos colaboradores de Hitler,
que se podiam encontrar com freqüência na mesa de almoço na chancelaria do
Reich, evitavam francamente apresentar-se em Obersaltzberg. E isso era
impertinente, pois Hitler costumava mostrar se alegre com a presença de tais
pessoas, solicitando-lhes eles aparecessem mais vezes e permanecessem mais
tempo lá. Ao contrário, não queria ver em Obersaltzberg os antigos companheiros
de luta, que evitava já em Munique, sendo que esses aceitariam entusiasmados um
convite àquela residência de Hitler.
Eva Braun tinha
permissão de estar presente durante as visitas dos antigos colaboradores. Mas
era afastada quando compareciam à mesa outros dignatários do Reich, como
ministros, por exemplo. Eva Braun permanecia em seus aposentos, quando
compareciam Goering e sua esposa. Era evidente que Hitler considerava-a capaz
de vida social só até um certo ponto. Enquanto ela ficava em seu aposento,
contíguo ao dormitório de Hitler, eu lhe fazia companhia, algumas vezes. Ela se
mostrava tão tímida que não se atreveria sequer a sair de casa para dar um
passeio.
- Se eu saísse
poderia encontrar-me com os Goering.
Além do mais, Hitler
manifestava pouca consideração pela presença de Eva Braun, diante de quem, sem
embaraços, exprimia seu pensamento a respeito das mulheres:
- Os homens muito
inteligentes não devem ter ao seu lado uma mulher primária e tola. Imaginem os
senhores se eu tivesse uma esposa que se intrometesse em meu trabalho. O que eu
quero é paz no meu tempo livre... nunca poderia casar. E que problema, se
tivesse filhos... trataria de fazer o meu filho o meu sucessor... e só faltaria
isso... as pessoas como eu não têm possibilidade de que lhes nasçam filhos
inteligentes, o que é uma regra que quase geral em tais casos. Lembrem-se do
filho de Goethe que foi um indivíduo inteiramente inútil. Há muitas mulheres
que me são afeiçoados porque eu estou ainda solteiro. Que isso era
particularmente frequente no tempo da guerra. Dá-se o mesmo com um autor
cinematográfico; e quando casa perde aquele algo que faz com que as mulheres
suspirem por ele. Deixa então de ser para elas o ídolo que sempre tinha sido.
Hitler supunha que de sua pessoa irradiava um forte
eflúvio erótico sobre as mulheres. No
entanto, desconfiava disso e dizia que não sabia nunca se uma mulher via nele o
"Chanceler do Reich" ou o "Adolf Hitler”, quando demonstrava sua
simpatia. De modo nenhum queria tê-las próximas de si, como afirmava com
inteira falta de delicadeza. Era evidente que ao se manifestar assim não tinha
consciência da ofensa de seu pensamento às senhoras que o ouviam em suas
reuniões. Mas não carecia do sentimento de chefe de família. Uma vez, Eva Braun
estava esquiando. Demorou-se para o chá. Ele então mostrou-se inquieto, preocupado pela idéia de que algo
tivesse acontecido à sua amante.
Eva Braun nascera
em um meio modesto. Seu pai era mestre-escola. Nunca vi seus progenitores. Não
vinham à residência de Hitler, que jamais saíram da sua vida. Também Eva Braun
continuou sua vida simples, vestia-se com modéstia e usava jóias baratas, anéis
de pedras semipreciosas, no valor de poucas centenas de marcos, na melhor das
hipóteses. Bormann era o encarregado de mostrar a Eva Braun amostras de
presentes. Pareceu-me que Hitler escolhia jóias de escasso valor artístico,
demonstrando ser um gosto característico do pequeno burguês.
A amiga de Hitler
não manifestava nenhum interesse na política. Jamais se tentou exercer qualquer
influência no Führer. Mas possuía visão clara dos fatos da vida diária, fazendo
muitas observações acertadas sobre pequenos inconvenientes ou situações
anormais da vida em Munique. Bormann não via isso com bons olhos, pois, nesses
casos, era chamado a uma prestação de contas. Ela gostava dos esportes, praticando
bem o esqui. Freqüentemente fizemos com ela excursões às montanhas, indo além
do recinto fechado. Uma vez, Hitler concedeu-lhe 8 dias de férias.
Naturalmente, quando não estava em sua casa na montanha. Durante alguns dias
foi conosco até Zürs. Lá, sem que ninguém a reconhecesse, frequentava os
bailes, dançando com jovens oficiais até altas horas da madrugada. No entanto,
estava muito longe de ser uma Madame Pompadour. Para o historiador, essa mulher
só oferece interesse porque contribui para dar um relevo ao tipo de caráter de Hitler.
Impelido por uma
certa compaixão pela condição de Eva Braun, fui sentindo simpatia pela
desgraçada mulher, que era tão legal e carinhosa com Hitler. Além disso,
sentimo-nos unidos pela comum aversão a Bormann, pela maneira como aquela época
ele enganava sua mulher. Quando, durante o processo de Nuremberg, eu soube que Hitler
se casara com Eva Braun um dia e meio
antes de morrer, senti alegria, embora aquele ato revelasse de algum modo o
cinismo com que Hitler a tratou e talvez tratara as mulheres em geral.
Algumas vezes indaguei
de mim mesmo se Hitler sentia pelas crianças algo assim como ternura. De
qualquer modo, tencionava demonstrar, quando estava com elas, conhecidas ou
não. Ia mesmo ao ponto de tratá-las de modo paternal e amistoso. Mas eu não me
convenci da autenticidade dessa atitude. O fato era que jamais achou a forma
adequada para o trato com as crianças. Depois de algumas palavras elogiosas,
sua atenção dirigir-se à criança seguinte. Para ele, as crianças eram apenas os
representantes da geração futura e por isso alegrava-se mais por vê-las loiras,
de olhos azuis, fortes, sadias, ou por sua inteligência - viva, desperta -, do
que pela maneira infantil de serem. A personalidade de Hitler não exerceu
nenhuma influência em meus próprios filhos.