quinta-feira, 21 de março de 2013

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07) parte I


Por Dentro do III Reich - 07 1975 - parte 1

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07/34)

Capítulo sete - Obersaltzberg

p. 100

Quem exerce o poder, seja o diretor de uma empresa ou o chefe de um governo, ou um déspota ditatorial, está exposto a um conflito permanente. Sua posição faz tão apetecido o seu favor que os inferiores podem ser seduzidos por este. Mas aqueles que o rodeiam não estão expostos somente ao perigo da corrupção, convertendo-se em cortesões; estão também expostos à tentação de seduzirem por sua parte o soberano, por sua manifesta subordinação.

Para a valorização do homem poderoso é decisivo ter de que forma reage a esse influxo permanente. Fui testemunha da conduta de industriais e militares que souberam resistir a essa tentação. Quando o poder é exercido já sobre gerações, não é raro encontrar uma certa incorruptibilidade herdada. Entre os que rodeavam diretamente Hitler, só algumas pessoas isoladas, tais como Fritz Todt, resistiam às tentações da corte. O próprio Hitler não oferecia nenhuma resistência visível à essa evolução.

As condições especiais do seu estilo de mando levaram Hitler a um crescente isolamento, mormente depois de 1937. Acrescente-se a essa circunstância a sua incapacidade para estabelecer contatos humanos. Naquela época, em nosso círculo íntimo, falávamos de uma mudança cada vez mais visível no Führer. Heinrich Hoffman acabara precisamente de publicar uma nova edição do seu livro O Hitler que ninguém conhece. A antiga edição fora retirada do mercado por causa de uma fotografia em que servia o Führer, amistosamente, ao lado de Rüehm, assassinado por ele. Hitler escolheu em pessoa as fotografias para a nova edição, que o mostravam jovial, sem afetação, um simples paisano. Mostraram-no de calças curtas de couro, em um barco, segurando remos, deitado na relva em um prado, andando pelo campo em companhia de jovens, ou nos estúdios de artistas. Mas a obra é para já inoportuno. Aquele Hitler que eu conhecia em 1930 tinha se transformado em um déspota isolado, quase sem relações, inclusive para aqueles que forma um sua roda íntima.

Em um vale retirado e elevado, nos Alpes bávaros , eu encontrei uma pequena casa de montanheses bastante espaçosa para nela se acomodarem algumas mesas de desenho e também, embora com algum aperto, a família e alguns auxiliares. Lá desenhamos, na primavera de 1935, os nossos planos de Berlim. Foram tempos felizes para o trabalho e minha família. Mas um dia cometi um grande erro: falei a Hitler daquela moradia idílica, ele logo me disse:

- Mas será muito melhor para mim. Eu ponho à disposição de sua família a casa Bechstein. Na galeria envidraçada, há lugar suficiente para o seu escritório.

Nos fins de maio de 1937, também saímos daquela casa. Mudamo-nos para um edifício de escritórios, que Bormann tinha mandado construir por ordem de Hitler, segundo meus desenhos. Assim, depois de  Hitler, Goering e Bormann, eu fui o quarto morador de Obersaltzberg.

Bormann era o verdadeiro senhor de Obersaltzberg. Mediante coação adquiriu antigas fazendas,  mandou demolir casas, arrancar cruzes e imagens existentes nas estradas, embora a comunidade das igrejas tenham protestado. Apoderou-se também de florestas do Estado. O terreno desceu desde uma altura de quase 1.900 m até o vale, 600 m mais abaixo, tendo portanto uma superfície de 7 quilômetros quadrados. O valado, em torno do recinto interno, que tinha uns 13 km, chegando a 14 o do recinto externo.

Bormann, totalmente insensível à natureza virgem, mandou abrir estradas naquela deliciosa paisagem. As veredas do bosque, até então cobertas pelas copas dos abetos, cheias de raízes, converteram-se em trilhas asfaltadas. Um quartel, uma garagem, um hotel para os convidados de Hitler, instalações para os empregados, cujo número aumentava, foram surgindo com a mesma rapidez com que se moderniza um balneário. Nos flancos da montanha, encontravam-se barracões para um alojamento de centenas de operários; nas estradas rodavam caminhões de carga, e a noite muitas obras  estavam iluminadas, pois havia trabalho em dois turnos. Tem vez em quando, explosões atroavam pelo vale.

No alto da montanha, Bormann levantou uma casa, dispendiosamente mobilizada, tem estilo de transatlântico adaptado ao rústico. Chegava-se até ela por uma estrada audaciosa, terminada em uma esplanada, aberta mediante o arrebatamento de uma pedreira. Somente para se conseguir aquela casa, que Hitler visitou várias vezes, Bormann gastou entre 20 e 30 milhões de marcos.

Na comitiva de que Hitler havia maldizentes que falavam:

- Parece uma cidade de garimpeiros. Mas acontece que  Bormann não acha ouro nenhum, ao contrário, enterra-o.  

Hitler se lamentava aquele desperdício, mas apenas comentava:

- Isso é coisa de Bormann. Não quero meter-me nos seus assuntos.

E em outra ocasião disse:

- Quando tudo estiver terminado, procurei outro vale tranquilo e lá construirei uma casinha de madeira, como a primeira.

As obras jamais terminavam. Bormann liderava sempre novas estradas e novos trabalhos. E quando, finalmente, estalou a guerra, ele começou a construir abrigos subterrâneos para Hitler e os da sua comitiva.

No verão de 1935, Hitler decidiu ampliar sua modesta quinta de montanha para transformá-la no ostentoso "palácio montanhas". Executou essa obra com seus próprios recursos, o que afinal era apenas um gesto, porquanto, para o edifício anexo, Bormann obtinha de outras fontes de grandes somas que não tinham relação nenhuma com as que eram despendidas por Hitler.

Bormann não estava unido a Hitler somente por suas atividades como construtor em Obersaltzberg. Talvez soube ir-se encarregando da administração das rendas pessoais de Hitler. Até os ajudantes-de-ordens de que Hitler dependiam de Bormann. A amante de Hitler confessou-me, francamente, que ela também dependia de Bormann, porquanto Hitler deixada a cargo dele atender às necessidades financeiras de Eva Braun, aliás modestas. Hitler elogiava a habilidade de Bormann para lidar com dinheiro. Uma vez contou que Bormann, em 1932, ano de queda na produção, adquira grande prestígio no partido por ter instituído o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho. Segundo afirmava Hitler, a receita dessa caixa auxiliar tinha excedido a despesa, sendo os saldos destinados ao partido. Não foi menor o merecimento de Bormann ao acabar, definitivamente, depois de 1933, com as preocupações financeiras de Hitler. Teve 2 fontes abundantes: junto com o fotógrafo particular de Hitler (Hoffmann)  e com um amigo deste, o ministro de Correios, Ohnessorge, teve a idéia de que Hitler, pelo fato de estar sua esfinge estampada nos selos postais, tinha direito a uma indenização por esse uso da sua imagem, indenização que resultaria em dinheiro. No tocante ao selos postais, isso não representaria muito, mas acontecia que o rosto de Hitler aparecia em toda a classe de valores, assim canalizando-se para o bolso particular do Führer alguns milhões.

Bormann descobriu outra fonte de dinheiro, ao instituir a Doação Adolf Hitler da Indústria Alemã. Os industriais que se tinham visto beneficiados pelo desenvolvimento da economia foram sem rodeios convidados a demonstrar seu agradecimento Hitler mediante donativos voluntários. Como outros funcionários do partido já tinham tido a mesma idéia,  Bormann, mediante um decreto, garantiu para ele mesmo o monopólio dessa classe de donativos. Mas era bastante inteligente para dar presentes a diversos dignatários do partido, como sendo "por encargo do Führer". Quase todas as altas hierarquias do partido recebiam gratificações oriundas daquela contribuição. É bem verdade que parecia insignificante a influência que isso poderia ter sobre o nível de vida dos diferente chefes nacionais e regionais. Mas, no fundo, isso conferia a Bormann mais poder do que dispunham outros que gostavam de elevada posição dentro do partido.

Com aquela disposição que o caracterizava, depois de 1934 Bormann teve outra iniciativa: colocou-se sempre o mais próximo possível da fonte dos favores e das graças. Acompanhava Hitler ao Berghof, a andava com ele nas viagens, e não se afastava da pessoa do Führer, na chancelaria. Assim, acabou sendo um secretário diligente, fidedigno e finalmente indispensável para Hitler. Bormann mostrava-se sempre obsequioso para com todos, dispensando favores a toda a gente, na medida das suas possibilidades, tanto mais por dar a impressão de que agia a serviço de Hitler, de um modo totalmente desinteressado  também para o imediato de Hitler, Rudolf Hess, convia ter esse colaborador nas proximidades de Hitler.

Decerto, naquela época, os poderosos de imediatos de Hitler estavam em posição indefinida no que diz respeito a prestígio, olhando-se reciprocamente, receosos uns dos outros. Para definição de situação, houve freqüentes lutas entre Goebbels, Goering, Rosemberg, Ley, Himmler, Ribbentrop e Hess. Somente Rüehm já fora estendido no chão, e Hess não tardaria em perder sua influência. Mas nenhum deles percebeu o perigo que Bormann significava para todos. Inicialmente apresentara-se como pessoa insignificante, mas aos poucos estava reforçando o seu bastão. Diante dos muitos dignatários, carecidos de consciência, Bormann destacava-se por sua brutalidade e rudeza de sentimentos.

Sem instrução suficiente para lhe opor barreiras morais, ele fazia cumprir-se o que Hitler ordenava e até mesmo aquilo que ele deduzia das insinuações do Führer. Subalterno por natureza, tratava o subalternos como se estivesse lidando com bois e vacas. Era realmente um servil.

Eu evitava encontrar-me com ele. Aliás, não nos tolerávamos nem pintados. Isso não impedia que nos tratássemos corretamente, pois assim o exigia o ambiente de Obersaltzberg. Mas, excetuando-se o meu próprio escritório, não projetei nenhuma obra para Bormann.

Segundo Hitler acentuava freqüentemente, a moradia na montanha dava-lhe tranquilidade interior e a segurança de que necessitava para as suas decisões. Aí redigiu seus discursos mais importantes, sendo de notar a maneira como os preparava. Assim, antes do congresso do partido em Nuremberg, Hitler retirava-se, regularmente, para  Obersaltzberg, lá se demorando durante semanas. À medida que se aproximava a data, os secretários instavam-no para que ele começasse a ditar, afastando dele qualquer estorvo ou distração, inclusive planos de obras e visitantes. Mas, à medida que passavam as semanas, Hitler ia adiando a redação, para tratar do texto do discurso às pressas. De um modo geral, já era muito tarde para preparar todos os discursos. Na maioria das vezes, Hitler tinha de empregar as noites, durante o congresso, para recuperar o tempo perdido em Obersaltzberg.

Eu tinha a impressão de que Hitler necessitava dessa pressão para criar, à sua maneira de artista e de boêmio, desprezando disciplina, não querendo submeter-se a uma execução regular. Deixava amadurecer o conteúdo dos seus discursos, os seus pensamentos, durante semanas de aparente inatividade, até que já ideado, estando redigido, se atirasse com o ímpeto sobre os ouvintes e partidários.

Nossa mudança para Obersaltzberg não favoreceu meu trabalho. Já o decurso do dia, rotineiro, era fateigante. E aborrecido o círculo de pessoas, sempre o mesmo, em torno de Hitler. A mesma gente reunia-se em Munique e em Berlim. A única diferença, em relação a Berlim, era a presença das mulheres, que acompanhavam os maridos, 2 ou 3 secretárias e Eva Braun.

Hitler costumava aparecer no pavimento térreo já tarde, cerca de 11 horas. Lia as informações da imprensa, recebia notícias dadas por Bormann e adotava as primeiras decisões. Seu dia iniciava-se com um abundante almoço. Os convidados reuniam-se na antessala, Hitler escolhia a dama que se sentaria ao seu lado na mesa. Desde 1938, Bormann teve o privilégio de levar à mesa Eva Braun, que costumava sentar-se à esquerda de Hitler. Esse privilégio demonstrava a posição predominante de Bormann na corte. O relatório era uma combinação de rusticidade artística e elegância urbana, frequente nas casas de campo dos ricos habitantes das cidades. As paredes e o teto estavam revestidos de madeira, as cadeiras forradas de pano vermelho-claro. Os pratos eram brancos. A baixela de prata, onde reluzia  o monograma de Hitler, era igual a de Berlim. As decorações com poucas flores tinham sempre a aprovação de Hitler. O cardápio, à maneira burguesa, continha sopa, um prato de carne, pratos de creme, acompanhados de Fachinger ou vinho em garrafas. As mesas eram servidas por membros da escolta pessoal das SS, de calças pretas e jaqueta branca. Sentavam-se à mesa umas 20 pessoas, mas esta, sendo comprida, não facilitava as conversas. Hitler sentava-se no centro, diante da janela, e conversava com quem estivesse à sua frente, que não era o mesmo comensal todos os dias, ou com a senhora acompanhante.

Finda a refeição, um pouco antes, os convidados dirigiam-se à casa de chá. O caminho era estreito, permitindo a passagem apenas de 2 pessoas, assim o trajeto assumia o aspecto de procissão. À frente, a alguma distância de Hitler e dos convidados, diriam os agentes do Serviço de Segurança. Atrás de Hitler, com seu companheiro de conversa, seguiam os que tinham estado à mesa, também acompanhados de agentes de segurança. Dois cães pastores corriam pelo mato, sem ouvirem as ordens do amo, sendo essa a única oposição que havia em sua corte. Bormann aborrecia-se porque Hitler que escolheria sempre aquela vereda, caminhando uma meia hora, desprezando os caminhos asfaltados, através do bosque, mas que tinham uma extensão de vários quilômetros.

A casa de chá fora construída no lugar em que Hitler gostava muito. De lá descortina-se amplo panorama do vale de Berchtesgaden. A comitiva elogiava o panorama sempre com as mesmas palavras. Hitler concordava, sempre também com as mesmas expressões. A casa formava-se de um recinto circular com cerca de 8 m de diâmetro, com janelas envidraçadas e uma lareira. Sentavam-se em torno de uma mesa-redonda. Eva Braun e uma outra senhora ao lado de Hitler. Quem não encontrasse lugar, ia para uma saleta contígua. Eram servidos à vontade chá, café ou chocolate, diversos tipos de tortas, bolos, pastéis, depois de alguns licores. Na mesa onde tomavam café, Hitler gostava de estender-se em monólogos intermináveis, cujo tema era já conhecido dos comensais, que por isso, embora distraídos, fingiam dar-lhe atenção. Uma vez ou outra cochilava. Enquanto isso, os presentes falavam em voz baixa, esperando que ele despertasse para o jantar. Era uma reunião de amigos.

A hora do chá costumava terminar quase às seis. Hitler levantava-se, e o que se diria um desfile de peregrinos dirigindo-se ao local de estacionamento de carros, distante uns 20 minutos em passo normal. Regressando a Berghof, Hitler recolhia-se aos seus aposentos, no pavimento superior, enquanto se dissolvia o grupo. Bormann, seguido dos maliciosos comentários de Eva Braun, freqüentemente desaparecia no quarto de uma das jovens secretárias.

2 horas mais tarde, os convidados reuniam-se de novo para o jantar, com o mesmo ritual do meio-dia. Depois Hitler ia para a sala de estar, acompanhado dos mesmos convidados. A sala tinha móveis procedentes do estúdio de Troost. Os móveis eram poucos, mas de grandes dimensões: o armário de mais de 3 m de altura e 5 de comprimento, para os diplomas de cidadania honorária e os discos na vitrola; uma vitrina de cristal de um classicismo afetado; uma caixa de relógio enorme, rematada por uma águia de bronze, que parecia protegê-la. Uma mesa de 6 m de extensão, onde Hitler costumava assinar documentos, mais tarde utilizando-se dela para estudar os mapas da situação militar. Havia 2 grupos de assentos, com revestimento de cor vermelha. Um deles estava perto do fogão, outro próximo à janela. Por trás dos grupos de assentos, havia a cabina de projeção cinematográfica. Nas paredes, viam-se grandes quadros a óleo. Um atribuído a Bordone, discípulo de Ticiano; era o retrato de uma senhora com os seios descobertos; outro, um nu, que podia ser do mesmo Ticiano; a Nana de Feurbach, que tinha uma moldura muito bonita; uma antiga paisagem de Spitzweg; um outro quadro, representando ruínas romanas, pintado por Pannini; surpreendentemente, uma espécie de altar, de Eduard von Steinle, representando o Rei Henrique, fundador da cidade. Em compensação, não se via nenhum Grüntzer. Hitler algumas vezes dizia que aqueles quadros foram pagos do seu próprio bolso.

Sentávamos no sofá ou nas poltronas de um dos grupos de assaltos e começava a segunda parte da noite, com as películas normalmente projetadas nos cinemas de Berlim. Depois nos reuníamos em torno da gigantesca lareira. 6 ou 8 pessoas em um sofá incômodo, estofado, bem comprido, como se estivéssemos sentados em fila. Hitler, outra vez ladeado por Eva Braun e uma das senhoras, sentava-se em uma das poltronas macias. A disposição dos móveis não facilitava a conversação. Cada um falava em voz baixa ao seu vizinho. Hitler, também em voz baixa, dizia vulgaridades às 2 mulheres ao seu lado ou cochilava com Eva Braun, tendo uma das mãos dela nas suas. Às vezes, ele emudecia, dirigindo um olhar para o alto, ou fixando a vista na chama da lareira. Os presentes calavam para não perturbar o Führer em seus importantes pensamentos.

De quando em quando falavam de fitas cinematográficas. Hitler opinava sobre as interpretações femininas e Eva Braun sobre as masculinas. Ninguém cuidava de elevar o nível da conversa acima de alguns detalhes, expondo idéias sobre novas formas de expressão do diretor do filme. É verdade que as fitas exibidas não proporcionavam assuntos desse gênero, destinavam-se apenas à distração dos espectadores. Nunca foram exibidas, pelo eu estando presente, as experiências de um Curt Oertel tendo por tema  Michelângelo. Era que Bormann não perdia oportunidade para depreciar o prestígio de Goebbels, responsável pela produção cinematográfica alemã. Fazia sempre observações mal-intencionadas. Disse, por exemplo, que a elaboração da película O vaso quebrado encontrara obstáculos da parte de Goebbels, que se via figurado e ridicularizado por Emil Jennings no papel de um juiz coxo aldeão. Hitler viu com alegria a película, retirada dos cinemas, e ordenou que ela voltasse a ser exibida no maior cinema de Berlim. No entanto, durante muito tempo, não houve essa volta da fita aos cinemas, o que demonstra a carência de autoridade de Hitler, freqüentes vezes. Mas Bormann não cedeu, até que  Hitler ficou aborrecido e fez ver claramente a Goebbels que este tinha de obedecer a aquilo que ele, Hitler, ordenava.

Mais tarde, durante a guerra, Hitler suprimiu as sessões cinematográficas noturnas, pois, segundo manifestou, que iria renunciar à sua distração favorita para "Solidarizar-se com os sacrifícios dos soldados". As projeções de filmes foram substituídas por audição de música em discos. Apesar da sua magnífica coleção de discos, as preferências de que Hitler iam para uma mesma espécie de música. Não tinham significado para ele o barroco, o clássico, a música de câmara, e nem as sinfonias. Antes de mais nada gostava de ouvir algumas impressionantes árias de óperas de Wagner, para depois dar atenção à opereta. Com a opereta terminava a audição. Seu interesse reduzia-se à identificação da voz dos cantores, mencionar-lhes o nome e, quando acertava, o que ocorria freqüentemente, não escondia sua satisfação. Para ser animarem essas reuniões noturnas, um tanto insípidas, servia-se champanhe. Depois da ocupação da França, a champanhe servida provinha do butim de guerra, havendo também marcas baratas, porquanto o Goering e seus marechais-do-ar se tinham apoderado das melhores marcas. Aquela monotonia prolongava-se até uma hora da madrugada, não faltando quem não pudesse reprimir um ou outro bocejo. Afinal, depois de uma troca de palavras com Adolf Hitler, Eva Braun retirava-se para os seus aposentos no pavimento inferior. Cerca de um quarto de hora depois Hitler levantava-se para também despedir-se. Seguia-se uma reunião menos tensa, em que nós nos sentimos como que livres, e bebíamos champanhe e conhaque.

Voltávamos para casa às primeiras horas da madrugada, mortos de cansaço por não termos feito coisa nenhuma. Decorridos alguns dias, fui atacado do mal da montanha, com denominavam naquele tempo, ou seja, eu sentia-me  esgotado e sem idéias, em conseqüência daquela contínua dilapidação de tempo. Somente quando os ócios de Hitler eram interrompidos pelas suas decisões administrativas restava-me algum tempo para dedicar-me aos meus trabalhos com os meus auxiliares. Sendo hóspede permanente e favorito, morando também em Obersaltzberg, não podia evitar aquelas vigílias, por mais torturantes que fossem, sem dar a impressão de descortesia. O doutor Dietrich, chefe de imprensa do Reich, teve algumas vezes o atrevimento de assistir a representações do festival de Salzburg. O que obteve foi o aborrecimento de  Hitler.

De vez em quando, vinham membros dos antigos círculos de Hitler, em Munique ou em Berlin, tais como Schwarz, Goebbels ou Hermann Esser. Mas isso ocorria raramente é durante apenas um ou dois dias. Também vi, em Obersaltzberg, Hess, 2 ou 3 vezes, quando não lhe faltavam motivos para com sua presença por freio à atividade de Bormann, seu lugar-tenente. Até mesmo os mais íntimos colaboradores de Hitler, que se podiam encontrar com freqüência na mesa de almoço na chancelaria do Reich, evitavam francamente apresentar-se em Obersaltzberg. E isso era impertinente, pois Hitler costumava mostrar se alegre com a presença de tais pessoas, solicitando-lhes eles aparecessem mais vezes e permanecessem mais tempo lá. Ao contrário, não queria ver em Obersaltzberg os antigos companheiros de luta, que evitava já em Munique, sendo que esses aceitariam entusiasmados um convite àquela residência de Hitler.

Eva Braun tinha permissão de estar presente durante as visitas dos antigos colaboradores. Mas era afastada quando compareciam à mesa outros dignatários do Reich, como ministros, por exemplo. Eva Braun permanecia em seus aposentos, quando compareciam Goering e sua esposa. Era evidente que Hitler considerava-a capaz de vida social só até um certo ponto. Enquanto ela ficava em seu aposento, contíguo ao dormitório de Hitler, eu lhe fazia companhia, algumas vezes. Ela se mostrava tão tímida que não se atreveria sequer a sair de casa para dar um passeio.

- Se eu saísse poderia encontrar-me com os Goering.

Além do mais, Hitler manifestava pouca consideração pela presença de Eva Braun, diante de quem, sem embaraços, exprimia seu pensamento a respeito das mulheres: 

- Os homens muito inteligentes não devem ter ao seu lado uma mulher primária e tola. Imaginem os senhores se eu tivesse uma esposa que se intrometesse em meu trabalho. O que eu quero é paz no meu tempo livre... nunca poderia casar. E que problema, se tivesse filhos... trataria de fazer o meu filho o meu sucessor... e só faltaria isso... as pessoas como eu não têm possibilidade de que lhes nasçam filhos inteligentes, o que é uma regra que quase geral em tais casos. Lembrem-se do filho de Goethe que foi um indivíduo inteiramente inútil. Há muitas mulheres que me são afeiçoados porque eu estou ainda solteiro. Que isso era particularmente frequente no tempo da guerra. Dá-se o mesmo com um autor cinematográfico; e quando casa perde aquele algo que faz com que as mulheres suspirem por ele. Deixa então de ser para elas o ídolo que sempre tinha sido.

Hitler  supunha que de sua pessoa irradiava um forte eflúvio  erótico sobre as mulheres. No entanto, desconfiava disso e dizia que não sabia nunca se uma mulher via nele o "Chanceler do Reich" ou o "Adolf Hitler”, quando demonstrava sua simpatia. De modo nenhum queria tê-las próximas de si, como afirmava com inteira falta de delicadeza. Era evidente que ao se manifestar assim não tinha consciência da ofensa de seu pensamento às senhoras que o ouviam em suas reuniões. Mas não carecia do sentimento de chefe de família. Uma vez, Eva Braun estava esquiando. Demorou-se para o chá. Ele então mostrou-se  inquieto, preocupado pela idéia de que algo tivesse acontecido à sua amante.

Eva Braun nascera em um meio modesto. Seu pai era mestre-escola. Nunca vi seus progenitores. Não vinham à residência de Hitler, que jamais saíram da sua vida. Também Eva Braun continuou sua vida simples, vestia-se com modéstia e usava jóias baratas, anéis de pedras semipreciosas, no valor de poucas centenas de marcos, na melhor das hipóteses. Bormann era o encarregado de mostrar a Eva Braun amostras de presentes. Pareceu-me que Hitler escolhia jóias de escasso valor artístico, demonstrando ser um gosto característico do pequeno burguês.

A amiga de Hitler não manifestava nenhum interesse na política. Jamais se tentou exercer qualquer influência no Führer. Mas possuía visão clara dos fatos da vida diária, fazendo muitas observações acertadas sobre pequenos inconvenientes ou situações anormais da vida em Munique. Bormann não via isso com bons olhos, pois, nesses casos, era chamado a uma prestação de contas. Ela gostava dos esportes, praticando bem o esqui. Freqüentemente fizemos com ela excursões às montanhas, indo além do recinto fechado. Uma vez, Hitler concedeu-lhe 8 dias de férias. Naturalmente, quando não estava em sua casa na montanha. Durante alguns dias foi conosco até Zürs. Lá, sem que ninguém a reconhecesse, frequentava os bailes, dançando com jovens oficiais até altas horas da madrugada. No entanto, estava muito longe de ser uma Madame Pompadour. Para o historiador, essa mulher só oferece interesse porque contribui para dar um relevo ao tipo de caráter de Hitler.

Impelido por uma certa compaixão pela condição de Eva Braun, fui sentindo simpatia pela desgraçada mulher, que era tão legal e carinhosa com Hitler. Além disso, sentimo-nos unidos pela comum aversão a Bormann, pela maneira como aquela época ele enganava sua mulher. Quando, durante o processo de Nuremberg, eu soube que Hitler se casara com  Eva Braun um dia e meio antes de morrer, senti alegria, embora aquele ato revelasse de algum modo o cinismo com que Hitler a tratou e talvez tratara as mulheres em geral.

Algumas vezes indaguei de mim mesmo se Hitler sentia pelas crianças algo assim como ternura. De qualquer modo, tencionava demonstrar, quando estava com elas, conhecidas ou não. Ia mesmo ao ponto de tratá-las de modo paternal e amistoso. Mas eu não me convenci da autenticidade dessa atitude. O fato era que jamais achou a forma adequada para o trato com as crianças. Depois de algumas palavras elogiosas, sua atenção dirigir-se à criança seguinte. Para ele, as crianças eram apenas os representantes da geração futura e por isso alegrava-se mais por vê-las loiras, de olhos azuis, fortes, sadias, ou por sua inteligência - viva, desperta -, do que pela maneira infantil de serem. A personalidade de Hitler não exerceu nenhuma influência em meus próprios filhos.

terça-feira, 12 de março de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (06)


Albert Speer - Por Dentro do III Reich (06)

Capítulo seis - A grande missão

p. 87

Hitler estava passeando inquieto, dando passos acima e abaixo no jardim de Obersaltzberg.

- Realmente, não sei o que fazer. Trata-se de uma decisão grave. De boa vontade eu faria aliança com os ingleses, mas, no decurso da história, eles têm mostrado que não são um povo muito fidedigno. Se eu me colocar ao lado deles, então acabarão para sempre as relações entre a Itália e nós. Se os ingleses se afastarem de mim, nós ficaremos nadando entre duas águas.

Assim costumava ele falar, no outono de 1935, aos membros do seu reduzido círculo em Obersaltzberg. Naqueles dias, Mussolini tinha começado a invadir a Abissínia, flagelando-a com fortes ataques aéreos. Negus fugira, e tinha sido proclamado o novo Império Romano. Depois da sua visita oficial à Itália, em junho de 1934, visita que não deu grandes resultados, Hitler nutria desconfiança, senão em relação a Mussolini, pelo menos para com os italianos e a política da Itália. Para aumentar suas dúvidas agora, lembrava-se de uma recomendação do testamento político de Hindenburg, segundo a qual a Alemanha jamais deveria marchar ao lado da Itália. Sob a pressão da Inglaterra, a Sociedade das Nações impôs sanções econômicas à Itália. Como faria mais tarde, agora Hitler era de opinião que tinha de decidir-se a colaborar com os ingleses ou com os italianos. Uma decisão de grande alcance. Falava da sua disposição em garantir aos ingleses o império, em troca de um acordo global. No entanto, as circunstâncias não lhe permitiram nenhuma escolha; ele foi forçado a decidir-se por Mussolini.

Não foi uma decisão fácil, apesar da afinidade ideológica e das relações de cunho pessoal que se estavam iniciando. Todavia, alguns dias depois, Hitler mostrava-se deprimido pelo fato de que a situação o tivesse obrigado a dar esse passo. Por isso, mostrou-se aliviado quando, algumas semanas depois, se comprovou que as medidas de sanção, finalmente impostas à Itália, respeitavam essa nação, justamente nos pontos decisivos. Hitler deduziu daí que nem a França nem a Inglaterra queriam correr o risco e desejavam evitar todo perigo. O que mais tarde foi classificado como vontade de um ânimo decidido foi o resultado de tais experiências. Segundo então observou, como conclusão dos seus raciocínios, os regimes ocidentais se tinham mostrado débeis e sem energia para adotar uma decisão.

Além disso, estas idéias de Hitler foram reforçadas quando as tropas alemãs, no dia 7 de março de 1936, entraram na Renânia desmilitarizada. Isso era uma flagrante violação do Pacto de Locarno e teria justificado uma contra-ofensiva militar das potências interessadas. Hitler esperou nervoso as primeiras reações. No trem especial em que viajamos a Munique e no entardecer daquele dia, sentia-se uma atmosfera tremendamente tensa, que se estendia a todos os outros carros, irradiado do lugar onde se achava Hitler. Ao chegar a uma estação recebemos uma notícia, e Hitler registrou:

- Enfim! O rei da Inglaterra não intervém. Mantém a palavra. Por conseguinte tudo poderá vir muito bem.

A reação de Hitler mostrava seu desconhecimento das escassas possibilidades constitucionais da coroa inglesa em face do parlamento e do governo. Contudo, uma intervenção militar talvez tivesse necessitado de um consentimento do rei que talvez tenha sido esse o fato a que Hitler aludia. De qualquer modo, suas preocupações eram consideráveis. No entanto, mais tarde, quando estava em guerra com quase todo o mundo, dizia que o mais ousado de todas as suas iniciativas fora a entrada na Renânia.

- Não dispúnhamos de um exército digno desse nome. Não teria tido sequer a força de combate suficiente para impor-se a Polônia. Nós teríamos sido facilmente vencidos, se os franceses se tivessem mostrado resolutos. Nossa resistência teria capitulado em um par de dias. As forças aéreas que possuíamos eram ridículas: alguns JU-52 da Lufthansa, e para eles não dispúnhamos sequer de bomba suficientes.

Depois da abdicação do Rei Eduardo VIII, mais tarde Duque de Windsor, ele falava freqüentemente da aparente compreensão daquele homem em relação ao nacional-socialismo alemão:

- Estou certo de que com ele teria sido possível efetivarem-se relações amistosas com a Inglaterra. Tudo teria sido diferente com ele. Sua abdicação foi uma grande perda para nós.

Essas observações eram acompanhadas de outras a respeito de potências inimigas da Alemanha, decisivas para o curso da política britânica. Sua mágoa por não colaborar com a Inglaterra estendeu-se como um véu roxo por todos os anos do seu domínio. Esse sentimento aumentou quando o Duque de Windsor e a sua esposa visitaram Hitler, no dia 22 de outubro de 1937, em Obersaltzberg. É de se presumir que o duque se exprimiu de maneira favorável sobre as conquistas realizadas pelo Terceiro Reich.

Alguns meses depois da entrada do Exército alemão na Renânia, sem oposição de ninguém, Hitler mostrou-se contente pela atmosfera de harmonia reinante durante os Jogos Olímpicos. O mau humor internacional tinha se dissipado, evidentemente. Hitler deu instruções para que os numerosos personagens estrangeiros tivessem a impressão de uma Alemanha de sentimentos pacíficos e acompanhou, muito excitado, as competições esportivas. Se qualquer êxito alemão inesperado - foram muitos - fazia-o feliz, reagia com muito aborrecimento à série de vitórias obtidas pelo maravilhoso corredor norte-americano Jesse Owens. Levantando os ombros, Hitler disse que era de opinião que os homens cujos antepassados procediam da selva eram seres primitivos, de constituição mais atlética do que a civilizada raça branca. Não eram, dizia ele, pessoas com as quais se pudesse estabelecer uma comparação, sob o ponto de vista de competição, que, por conseguinte, teriam de ser excluídos dos futuro jogos e competições esportivas.

O que produziu maior impressão em Hitler foi o júbilo frenético dos berlinenses à entrada solene do grupo francês no estádio olímpico. Esse grupo desfilou diante de Hitler com a mão para o alto, provocando assim um entusiasmo espontâneo em muitos espectadores. Mas Hitler sentia no prolongado aplauso do público uma voz popular, impelida pelo anseio de paz e de entendimento com o país vizinho ocidental. Se estou interpretando acertadamente o que observei naquela ocasião, Hitler sentiu-se antes intranqüilo em vez de alegre por aquela explosão de alegria dos habitantes de Berlim.

Na primavera do ano de 1936, inspecionei junto com Hitler um trecho da autoestrada. Hitler externou naquela ocasião a seguinte observação:

- Mas vou ainda encarregá-lo de outro trabalho, o maior de todos.

A coisa resumiu-se nessa insinuação. Hitler não disse qual era a obra.

Algumas vezes, traduzia em esboços algumas idéias relacionadas com a planta de Berlim. Mas só em junho que Hitler me mostrou um plano do centro da cidade:

- Já expliquei muitas vezes e detalhadamente ao prefeito porque esta avenida deve ter 120 metros de largura; agora ele me desenha uma somente de noventa.

O prefeito, Dr. Lippert, antigo camarada do partido e redator-chefe do periódico berlinense Angriff, foi novamente chamado, umas semanas mais tarde. Mas nada havia mudado e a rua continuava com 90 metros de largura. Lippert sentia pouco entusiasmo pelos projetos de obras de Hitler. No princípio, Hitler mostrou-se apenas um pouco aborrecido, dizendo que Lippert era um homem de vistas estreitas, incapaz de administrar uma cidade cosmopolita e ainda mais incapaz de compreender a importância histórica das obras projetadas. As observações de Hitler a respeito do prefeito foram subindo de entorno no decorrer do tempo: "Lippert não sabe nada; é um idiota, um frustrado, um zero à esquerda". O surpreendente era que Hitler jamais expressara seu descontentamento na presença do prefeito, nem tampouco intentara jamais convencê-lo.

Naquela época, às vezes parecia evitar o enfado de expor razões. Quatro anos depois, em um passeio da sua residência na montanha à casa de chá, durante o qual falou irritado de Lippert, comunicou-se com Goebbels, ordenando-lhe categoricamente que demitisse o prefeito. Sem dúvida, para o verão de 1936, Hitler que estivera supondo que a administração municipal estudasse os planos projetados para Berlim. Agora, mandou-me que fosse falar-lhe e sem nenhum rodeio ordenou-me que tratasse do assunto.

- Nada se tem de fazer com esta cidade. De hoje em diante o senhor será encarregado do projeto. Leve este esboço. Quando estiver terminado, mostre-o. O senhor sabe que eu sempre tenho tempo para estas coisas.

Segundo me disse Hitler, suas idéias a respeito de uma rua muito larga vinham desde o tempo em que se vira com os planos insuficientes para Berlim. Já naquela época adotara a resolução de mudar as estações de Anhalt e Potsdam para o sul do Aeródromo de Tempelhof. Assim ficariam livres no centro da cidade grandes áreas, que permitiriam vias de acesso de Segesallee para uma magnífica via de 5 km de comprimento, flanqueada de edifícios de grande estilo. Todas essas grandes construções de Berlim foram ultrapassadas por duas obras que Hitler pretendia levantar nessa nova avenida de edifícios representativos. No extremo norte, próximo ao edifício do Reichtag, previa uma gigantesca sala de reuniões, uma construção com uma cúpula, na qual caberiam várias catedrais de dimensão da de São Pedro em Roma. O diâmetro da cúpula teria 250 m. Dentro dela, em uma superfície de cerca de 38.000 m2, podia reunir se mais de cento e cinqüenta mil pessoas. A alguma distância da estação do sul, como pólo oposto a esta sala, Hitler tinha a intenção de erguer um arco de triunfo com altura de 120 m. Hitler explicou que uma discussão com pessoas habilitadas lhe havia feito pensar em um diâmetro de mais de 200 m para a cúpula e em uma altura de mais de cem para o arco do triunfo. O mais assombroso em tudo isso é não era tanto a idéia das dimensões, como uma surpreendente obsessão com que planejava monumentais obras de triunfo, quando ainda não havia sequer um mínimo de esperança de que seriam executadas.

Nas conversas que quase sempre se realizavam na chancelaria do Reich, dizia ele:

- Berlim é uma grande cidade, mas não cosmopolita. Veja o senhor Paris, a mais bela cidade do mundo. Ou mesmo Viena. São cidades afamadas, mas Berlim não é mais do que um irregular amontoado de edificações. Temos de ultrapassar Paris e Viena.

Nos anos anteriores, Hitler estudara, atentamente, as plantas de Paris e de Viena. Quando conversávamos vinha-lhe à memória toda a classe de detalhes. Quando se tratava de Viena, admirava a criação urbanística de Ringstrasse, com suas grandes edificações, a Municipalidade, o Parlamento, a Sala de Concertos, o Palácio Imperial e os museus. Era capaz de reproduzir, exatamente, no papel, essa parte da cidade. Sabia que os grandes edifícios, assim como os monumentos, têm de ser projetados de modo que sejam visíveis de todos os lados. Admirava essas construções, ainda quando não se adaptasse bem sua compreensão das coisas, como ocorria, por exemplo, com a Municipalidade, de estilo neogótico.

- Viena está dignamente representada. Ao contrário, veja a Municipalidade de Berlim. Mas pode ter certeza que a futura Municipalidade será mais bonita do que a de Viena.

Estava ainda mais impressionado pelas aberturas das ruas, pelos novos bulevares abertos por Georges E. Hassmann em Paris, no período de 1853 a 1870, gastando dois milhões e quinhentos mil francos-ouro. Considerava Hassmann um dos grandes urbanistas da história, mas que eu o ultrapassaria, tal era a sua esperança. A oposição a Hassmann, durante muitos anos, fazia Hitler temer que os projetos para Berlim encontrariam também resistências. Mas, na sua opinião, sua autoridade conseguiria sobrepor-se a qualquer oposição.

Certamente, no princípio, usou de argúcia para vencer a administração municipal, contraria a tais projetos, pois opinava que os planos de Hitler eram um presente funesto, uma vez que caberia ao município fornecer as enormes somas para abertura e construção das ruas, das instalações públicas e das autopistas.

Ele dizia então:

- Vamos cuidar por algum tempo de projetos relacionados com a construção da nossa nova capital, às margens do Müritzsee, em Mecklemburgo. O senhor vai ver que, quando os berlinense sentirem o perigo de o governo do Reich mudar sua sede para outro lugar, eles ficarão despertos.

De fato, foram suficientes algumas insinuações nesse sentido para que os vereadores se mostrassem dispostos a aceitar os gastos necessários à planificação das obras. Contudo, durante alguns meses, Hitler sente o prazer em pensar em uma "Washington alemã", imaginando como poderia sair do nada uma "cidade ideal".

Depois repeliu a idéia:

- As cidades artificialmente edificadas permanecem sempre mortas. Pense em Washington ou Camberra. Nem há vida em nossa Karlsruhe, pois os nossos anquilosados funcionários vivem ali encerrados em seu próprio círculo.

Neste particular, ainda não cheguei à conclusão sobre se Hitler estava representando uma comédia comigo, ou se alguma vez pensara seriamente no assunto. De qualquer modo, para a execução de tais projetos, Hitler, mediante o subsecretário Lammers, baixou um decreto concedendo-me amplos poderes, colocando-me imediatamente sob suas ordens. Nem o ministro do interior, nem o prefeito de Berlim, nem o chefe distrital de Berlim (Goebells) teriam prerrogativas para decisões ante mim. Além disso, Hitler dispensou-me, expressamente, da obrigação de informar dos meus projetos à cidade e ao partido. Quando lhe manifestei meu desejo de proceder como arquiteto independente, Hitler deu o seu assentimento. O subsecretário Lammers encontrou um dispositivo legal que atendia à aversão de Hitler em relação ao funcionalismo. Meu departamento adquiriu o caráter de grande instituto de investigação independente.

Em  janeiro de 1937, Hitler confiou-me, oficialmente, "a maior entre as obras de construção". Esteve muito tempo buscando um título a antissonante, quem esperasse respeito, até que Funk encontrou a solução: "inspetor-geral das obras de reorganização da capital do Reich". Entregando-me a nomeação, mostrou-se quase tímido, atitude reveladora de seu comportamento para comigo. Depois do almoço, apertou minha mão e disse: "seja feliz". A partir daquela ocasião, interpretando meu contrato de maneira generosa, foi-me atribuída a categoria de subsecretário do governo do Reich. Desde aquele dia, aos trinta e dois anos de idade, sentei-me junto do Dr. Todt, na terceira fila das poltronas das reuniões do gabinete. Cabiam-me os vencimentos de mil e quinhentos marcos mensais, quantia insignificante em relação aos meus honorários de arquiteto. Em fevereiro daquele mesmo ano, Hitler, sem rodeios, ordenou ao ministro da educação que me cedesse para o meu serviço, o venerável edifício da Academia de Belas-Artes, na Pariser Platz.



A idéia de urbanização concebida por Hitler apresentava uma grande desvantagem: não fora concebida até o fim. Ele se obstinada a tal ponto com projeto de uma "Champ-Elysées" berlinense que perdeu de vista, por inteiro, a estrutura da cidade de quatro milhões de habitantes. Para um urbanista, uma avenida como aquela só poderia ter sentido e função sendo o núcleo de uma nova ordem urbanística. Para Hitler, ao contrário, era um elemento de esplendor decorativo e tinha nela mesma a sua finalidade. Nem se solucionava também o problema do tráfego. A gigantesca cunha naquele sistema de ruas, dividindo a cidade em duas partes, poderia apenas ser deslocado alguns quilômetros para o sul.

O diretor-geral, Leibbrand, do quadro do ministério de transportes e comunicações do Reich, projetista-chefe da rede ferroviária do Reich, naquela época, viu nos planos de Hitler a possibilidade de uma grande reforma que toda a rede de viação da capital do Reich. Juntos encontramos uma solução. Assim, tivemos a possibilidade de prosseguir para a abertura da avenida, rumo ao sul, aproveitando as antigas instalações das vias férreas. Dessa maneira, obtivemos essas instalações, isto é, no coração da cidade, somente a cinco quilômetros de distância, uma grande superfície livre para uma nova cidade de quatrocentos mil habitantes. Também, pelo norte, a derrubada da Estação de Lehrt dava-nos a possibilidade de continuar o eixo                                                                                                       da avenida, para abertura de novos terrenos habitados. Mas nem Hitler nem eu tínhamos a intenção de renunciar à sala com a cúpula para remate da grande avenida. A gigantesca praça fronteira deveria permanecer livre de trânsito.

Era lógico também o prolongamento da Heerstrasse, com a mesma largura, uma rua de saída ao oeste, já existente na largura de 60 m. Esse projeto foi realizado em parte, depois de 1945, mediante a reforma da antiga Frankfurter Alle. O primitivo projeto de Hitler, relativo uma grandiosa avenida, destituída de sentido urbanístico, ia-se transformando, a medida que o reelaborávamos, e adquiria uma nova dimensão construtiva. Comparada com essa extensa reorganização, a idéia inicial de Hitler quase não tinha importância. Pelo menos no que diz respeito ao alcance da planificação o urbanizadora, eu havia ido além das grandes concepções criadas por Hitler. O risco era coisa que raramente ocorrera em sua existência. Não vacilava no meu assentimento a todas aquelas alterações, deixando-me as mãos livres, mas não era capaz de sentir entusiasmo por aquela parte do projeto. É verdade que examinava as plantas, algo desatento, para afinal perguntar com um tom de aborrecimento:

- Onde estão os planos para a grande avenida?

Não deixava porém de referir-se à primitiva parte central da avenida ideada inicialmente por ele. Depois falava com prazer dos edifícios administrativos, das grandes casas comerciais, de um novo teatro de ópera, de hotéis de luxo, de palácios de recreio. E eu participava desta satisfação. No entanto, eu compreendia o papel total em relação com os edifícios representativos. Hitler, ao contrário, com sua paixão por obras de duração perene, desinteressava-se totalmente das necessidades imperativas do tráfego, dos terrenos verificáveis, dos espaços verdes, mostrando-se indiferente ao espaço social.

Hess, ao contrário, interessava-se unicamente na construção de vivendas. Mal repassava para a parte e portentosa dos nossos projetos, a razão pela qual me fez algumas observações, no final de uma das suas visitas. Prometi-lhe empregar nas vivendas uma espécie de ladrilho, utilizadas em grandes edifícios. Hitler mostrou-se desagradavelmente surpreendido quando soube disso e falou da primazia das suas exigências. No entanto, nossa combinação continuou.



Ao contrário do que muitos supunham, eu não era o arquiteto-chefe de Hitler, que tivesse sobre suas ordens todos os demais. Os arquitetos encarregados da reforma de Munique e Linz foram ao mesmo tempo providos de plenos poderes, semelhantes aos meus. No decorrer do tempo, Hitler foi empregando um número de arquitetos cada vez maior, para empreitadas especiais, talvez dez ou doze, antes de começar a guerra.

Durante as deliberações relacionadas com a edificação, manifestava-se a capacidade de Hitler para entender rapidamente um projeto, reunindo o plano e as perspectivas para tomar uma imagem plástica em sua mente. Apesar de todos os negócios do estado, embora se tratasse com frequência de 10 até 15 obras, nas mais diversas cidades, por dia no momento, mesmo depois de meses, recordar os esboços em uma nova exposição. Geralmente mantinha-se reservado e atencioso durante as deliberações. Propunha sempre seus desejos de modificação com muita habilidade, em um tom de voz diferente daquele usual, perante seus colaboradores políticos. Convencido da responsabilidade dos arquitetos, na construção da sua obra, fazia com que fosse o arquiteto e não chefe regional acompanhante quem dissesse última palavra. Não queria que se intrometesse nas explicações nenhuma autoridade superior e leiga na matéria. Se uma das suas ideias se opunha à de um arquiteto, Hitler, de modo nenhum, insistia em que prevalecesse sua vontade.

- Se o senhor tem razão, então está melhor.

Assim, tive a sensação de ser pessoalmente responsável por tudo quanto eu desenhasse sob as ordens de Hitler. Freqüentemente, nossas opiniões divergiam, mas não me lembro de nenhum caso em que ele me forçasse a aceitar a sua. Essa relação entre arquiteto e construtor, comparativamente dotados dos mesmos direitos, foi a causa de que também eu, quando ministro dos Armamentos, desfrutasse, posteriormente, de maior independência do que a maioria dos ministros e marechais. Hitler só reagia com grosseria e sem consideração alguma quando notava no ambiente a existência de uma oposição disfarçada contra o que fosse fundamental. Assim o professor Bonatz, mestre de uma geração de arquitetos, não mais recebeu nenhum cargo, desde a data em que criticou as novas obras de Troost na Koenigsplatz de Munique. Nem mesmo Todt atreveu-se a pedir que Bonatz construísse algumas pontes de autopista. Bonatz foi desculpado mediante a intervenção da senhora Troost, viúva do venerado professor.

- Por que não pode construir pontes? - perguntou aquela senhora. - Esse arquiteto é muito bom para as construções técnicas.

As palavras da viúva Troost bastaram para que Bonatz voltasse a construir pontes na autopista.

De vez em quando Hitler dizia-me:

- Como eu gostaria de ser arquiteto!

E à minha resposta, de que fosse assim eu não teria quem me encarregasse de obras, ele replicava:

- O senhor é um homem que sempre se imporia.

O comitê olímpico alemão ficou em situação desagradável, quando Hitler ordenou que o subsecretário, correspondente do Ministério do Interior, Pfundtner, me mostrasse os primeiros planos para a construção do estádio. Otto March, arquiteto, previra uma construção de cimento armado e paredes de vidro, de modo semelhante ao Estádio de Viena. Hitler voltou colérico e exaltado à sua residência, aonde me tinha chamado para examinar alguns projetos. Mandou que se comunicasse, sem muitas palavras, ao subsecretário, que não se realizariam os Jogos Olímpicos. Não podiam realizar-se sem a sua presença, pois o chefe de Estado teria de inaugurá-los e ele jamais entraria em uma caixa de vidro como aquela. Durante a noite, fiz um desenho em que se previa o revestimento da estrutura com pedra natural e o emprego de fortes arquitraves, deixando sem efeito o envidraçamento. Hitler mostrou-se satisfeito.

Também, no princípio, Hitler desaprovou com dureza a participação na Exposição Internacional de Paris, em 1937, embora eu tivesse aceito o convite e a designação do local para a instalação do pavilhão alemão. Os projetos apresentados desagradaram-lhe. O Ministério da Economia solicitou-me que fizesse um. Nos terrenos da exposição, os pavilhões da Alemanha e da Rússia seriam localizados, exatamente, um em frente ao outro, sendo isso determinado de propósito pela direção francesa daquele empreendimento. Casualmente, andando pelas ruas de Paris, eu me perdi e foi dar em um lugar onde estava exposto o desenho do pavilhão russo, até então não divulgado. Sobre um estrado elevado, um grupo de figuras de 10 m de altura parecia andar, triunfalmente, em direção ao pavilhão da Alemanha. Eu então desenhei uma massa cúbica, que assentava sobre grossos pilares, parecendo enfrentar aquele assalto. No alto da minha torre, uma águia com suástica nas garras olhava de cima o grupo soviético. O prêmio à minha construção foi uma medalha de ouro, também concedida ao meu colega russo.

Durante o almoço de inauguração do nosso pavilhão, encontrei-me com o embaixador francês em Berlim. André François-Poncet. Propôs-me que eu expusesse meus trabalhos em Paris, em troca de uma exposição de pintura moderna francesa em Berlim. Em sua opinião, a arquitetura francesa ficara para trás, "mas os senhores podem aprender de nós, no que diz respeito à pintura". Na primeira oportunidade, falei a Hitler, tratando-se de uma proposta que me oferecia possibilidade de ser conhecido, internacionalmente. Hitler silenciou a respeito da minha observação, desagradável para ele. Isso não significaria, em princípio, repulsa ao meu sentimento, mas impedia que eu voltasse a falar no assunto.

Enquanto estive em Paris, vi o Palais de Chaillot, o Palais des Musées d'Art Moderne, o Musée des Travaux Publiques, ainda em construção, desenhado pelo afamado vanguardista Auguste Pernet. Confundiu-me o fato de a França tender também para o neoclassicismo, na construção de suas obras representativas. Afirmava-se depois, freqüentemente, que tal estilo é característico da arquitetura dos países totalitários, o que não é exato, de modo algum. É a característica de uma época, Washington, Londres, Paris, como em Roma, Moscou, tanto quanto em nossos projetos para Berlim.

Minha esposa e eu viajamos de automóvel, na companhia de alguns amigos. Percorremos o sul da França, vendo palácios e catedrais, indo até as muralhas de Carcassona, diante das quais sentimos algo de romântico, embora se trate de construções teóricas medievais. No hotel do castelo, encontramos um velho vinho tinto francês. E pretendíamos ficar por ali, alguns dias, supondo que estaremos livres das chamadas telefônicas dos ajudantes-de-ordens de Hitler, pois ninguém sabia do nosso roteiro de viagem. Mas, à tardezinha, chamaram-me ao telefone.

Aconteceu que a polícia francesa, por motivos de segurança e de controle, seguira o nosso itinerário. Estava em condições de informar o lugar onde estivéssemos, se em Obersaltzberg fizessem alguma pergunta a respeito. Era então um ajudante-de-ordens Brückner que estava na outra extremidade do fio telefônico:

- Amanhã, ao meio-dia, o senhor deve estar na residência do Führer.

Observei-lhe que necessitava de dois dias e meio para a viagem de regresso.

- Programaram uma conferência aqui, amanhã, à tarde. O Führer exige que o senhor esteja presente.

Tentei uma débil objeção:

- No momento...

- O Führer sabe onde o senhor está. Mas deve apresentar-se aqui, amanhã - foi a resposta definitiva do ajudante-de-ordens.

Senti-me desconcertado, aborrecido e perplexo. Uma conversa telefônica com piloto de Hitler deu como resultado de informar-me de que seu avião não podia descer na França. Disse-me que traria de reservar-me um lugar em um avião alemão de carga, o qual, procedente da África, faria escala em Marselha às 6 da manhã. Depois, o avião especial de Hitler me levaria a Stuttgart ao Aeroporto de Ainring nas proximidades de Berchtesgaden.

Naquela mesma noite, viajamos para Marselha. Durante alguns minutos, ao luar, vimos as construções romanas, em Arles, que tinha sido o objetivo da nossa viagem. Às 2 da madrugada, estávamos em um hotel de Marselha, de onde saímos 3 horas depois, rumo ao campo de aviação. E, segundo as ordens recebidas, à tarde eu me apresentava a Hitler, em Obersaltzberg.

- Sinto muito, senhor Speer. Eu adiei a reunião. Queria saber de sua opinião a respeito da construção de uma ponte em Hamburgo.

Naquele dia, o Dr. Todt pretendia apresentar-lhe o projeto de construção de uma ponte gigantesca, cuja extensão ultrapassaria a de Golden Gate, em San Francisco. Entretanto, o início da construção daquela ponte estava previsto para o decênio dos 40, e assim Hitler poderia ter-me permitido mais uma semana de férias.

Em outra ocasião, eu tinha ido para a montanha com a minha mulher, quando recebi uma chamada telefônica do ajudante-de-ordens.

- O senhor tem de vir ver o Führer, amanhã, ao meio-dia, na 'osterìa', almoçando com ele.

Ele cortou minhas objeções com estas palavras:

- Não; é urgente!

Na 'osterìa' , Hitler cumprimentou-me com estas palavras:

- Parece-me estupendo que tenha vindo almoçar. Mandaram-no vir? Ontem, nada mais fiz do que perguntar: "Onde está Speer?" mas... sabe de uma coisa? Foi bom. Por que o senhor tem que andar esquiando?

Von Neurath era mais resistente. Uma vez, altas horas da noite, Hitler mandou o ajudante-de-ordens dizer-lhe: "O Führer quer falar com o ministro das Relações Exteriores". A resposta foi: "O ministro das Relações Exteriores já foi se deitar". Houve insistência: "Despertem-no! Quero falar-lhe!"

Depois de mais uma chamada telefônica, o ajudante-de-ordens apresentou-se confuso a Hitler, dizendo:

- O senhor ministro encarrega-me de dizer que estará à disposição do Führer amanhã de manhã, muito cedo. Mas agora sente-se muito cansado e deseja repousar.

Hitler cedia, mas passava o resto da noite mal-humorado e não esquecia tais atitudes de independência.