quinta-feira, 21 de março de 2013

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07) parte I


Por Dentro do III Reich - 07 1975 - parte 1

Albert Speer - Por Dentro do III Reich (07/34)

Capítulo sete - Obersaltzberg

p. 100

Quem exerce o poder, seja o diretor de uma empresa ou o chefe de um governo, ou um déspota ditatorial, está exposto a um conflito permanente. Sua posição faz tão apetecido o seu favor que os inferiores podem ser seduzidos por este. Mas aqueles que o rodeiam não estão expostos somente ao perigo da corrupção, convertendo-se em cortesões; estão também expostos à tentação de seduzirem por sua parte o soberano, por sua manifesta subordinação.

Para a valorização do homem poderoso é decisivo ter de que forma reage a esse influxo permanente. Fui testemunha da conduta de industriais e militares que souberam resistir a essa tentação. Quando o poder é exercido já sobre gerações, não é raro encontrar uma certa incorruptibilidade herdada. Entre os que rodeavam diretamente Hitler, só algumas pessoas isoladas, tais como Fritz Todt, resistiam às tentações da corte. O próprio Hitler não oferecia nenhuma resistência visível à essa evolução.

As condições especiais do seu estilo de mando levaram Hitler a um crescente isolamento, mormente depois de 1937. Acrescente-se a essa circunstância a sua incapacidade para estabelecer contatos humanos. Naquela época, em nosso círculo íntimo, falávamos de uma mudança cada vez mais visível no Führer. Heinrich Hoffman acabara precisamente de publicar uma nova edição do seu livro O Hitler que ninguém conhece. A antiga edição fora retirada do mercado por causa de uma fotografia em que servia o Führer, amistosamente, ao lado de Rüehm, assassinado por ele. Hitler escolheu em pessoa as fotografias para a nova edição, que o mostravam jovial, sem afetação, um simples paisano. Mostraram-no de calças curtas de couro, em um barco, segurando remos, deitado na relva em um prado, andando pelo campo em companhia de jovens, ou nos estúdios de artistas. Mas a obra é para já inoportuno. Aquele Hitler que eu conhecia em 1930 tinha se transformado em um déspota isolado, quase sem relações, inclusive para aqueles que forma um sua roda íntima.

Em um vale retirado e elevado, nos Alpes bávaros , eu encontrei uma pequena casa de montanheses bastante espaçosa para nela se acomodarem algumas mesas de desenho e também, embora com algum aperto, a família e alguns auxiliares. Lá desenhamos, na primavera de 1935, os nossos planos de Berlim. Foram tempos felizes para o trabalho e minha família. Mas um dia cometi um grande erro: falei a Hitler daquela moradia idílica, ele logo me disse:

- Mas será muito melhor para mim. Eu ponho à disposição de sua família a casa Bechstein. Na galeria envidraçada, há lugar suficiente para o seu escritório.

Nos fins de maio de 1937, também saímos daquela casa. Mudamo-nos para um edifício de escritórios, que Bormann tinha mandado construir por ordem de Hitler, segundo meus desenhos. Assim, depois de  Hitler, Goering e Bormann, eu fui o quarto morador de Obersaltzberg.

Bormann era o verdadeiro senhor de Obersaltzberg. Mediante coação adquiriu antigas fazendas,  mandou demolir casas, arrancar cruzes e imagens existentes nas estradas, embora a comunidade das igrejas tenham protestado. Apoderou-se também de florestas do Estado. O terreno desceu desde uma altura de quase 1.900 m até o vale, 600 m mais abaixo, tendo portanto uma superfície de 7 quilômetros quadrados. O valado, em torno do recinto interno, que tinha uns 13 km, chegando a 14 o do recinto externo.

Bormann, totalmente insensível à natureza virgem, mandou abrir estradas naquela deliciosa paisagem. As veredas do bosque, até então cobertas pelas copas dos abetos, cheias de raízes, converteram-se em trilhas asfaltadas. Um quartel, uma garagem, um hotel para os convidados de Hitler, instalações para os empregados, cujo número aumentava, foram surgindo com a mesma rapidez com que se moderniza um balneário. Nos flancos da montanha, encontravam-se barracões para um alojamento de centenas de operários; nas estradas rodavam caminhões de carga, e a noite muitas obras  estavam iluminadas, pois havia trabalho em dois turnos. Tem vez em quando, explosões atroavam pelo vale.

No alto da montanha, Bormann levantou uma casa, dispendiosamente mobilizada, tem estilo de transatlântico adaptado ao rústico. Chegava-se até ela por uma estrada audaciosa, terminada em uma esplanada, aberta mediante o arrebatamento de uma pedreira. Somente para se conseguir aquela casa, que Hitler visitou várias vezes, Bormann gastou entre 20 e 30 milhões de marcos.

Na comitiva de que Hitler havia maldizentes que falavam:

- Parece uma cidade de garimpeiros. Mas acontece que  Bormann não acha ouro nenhum, ao contrário, enterra-o.  

Hitler se lamentava aquele desperdício, mas apenas comentava:

- Isso é coisa de Bormann. Não quero meter-me nos seus assuntos.

E em outra ocasião disse:

- Quando tudo estiver terminado, procurei outro vale tranquilo e lá construirei uma casinha de madeira, como a primeira.

As obras jamais terminavam. Bormann liderava sempre novas estradas e novos trabalhos. E quando, finalmente, estalou a guerra, ele começou a construir abrigos subterrâneos para Hitler e os da sua comitiva.

No verão de 1935, Hitler decidiu ampliar sua modesta quinta de montanha para transformá-la no ostentoso "palácio montanhas". Executou essa obra com seus próprios recursos, o que afinal era apenas um gesto, porquanto, para o edifício anexo, Bormann obtinha de outras fontes de grandes somas que não tinham relação nenhuma com as que eram despendidas por Hitler.

Bormann não estava unido a Hitler somente por suas atividades como construtor em Obersaltzberg. Talvez soube ir-se encarregando da administração das rendas pessoais de Hitler. Até os ajudantes-de-ordens de que Hitler dependiam de Bormann. A amante de Hitler confessou-me, francamente, que ela também dependia de Bormann, porquanto Hitler deixada a cargo dele atender às necessidades financeiras de Eva Braun, aliás modestas. Hitler elogiava a habilidade de Bormann para lidar com dinheiro. Uma vez contou que Bormann, em 1932, ano de queda na produção, adquira grande prestígio no partido por ter instituído o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho. Segundo afirmava Hitler, a receita dessa caixa auxiliar tinha excedido a despesa, sendo os saldos destinados ao partido. Não foi menor o merecimento de Bormann ao acabar, definitivamente, depois de 1933, com as preocupações financeiras de Hitler. Teve 2 fontes abundantes: junto com o fotógrafo particular de Hitler (Hoffmann)  e com um amigo deste, o ministro de Correios, Ohnessorge, teve a idéia de que Hitler, pelo fato de estar sua esfinge estampada nos selos postais, tinha direito a uma indenização por esse uso da sua imagem, indenização que resultaria em dinheiro. No tocante ao selos postais, isso não representaria muito, mas acontecia que o rosto de Hitler aparecia em toda a classe de valores, assim canalizando-se para o bolso particular do Führer alguns milhões.

Bormann descobriu outra fonte de dinheiro, ao instituir a Doação Adolf Hitler da Indústria Alemã. Os industriais que se tinham visto beneficiados pelo desenvolvimento da economia foram sem rodeios convidados a demonstrar seu agradecimento Hitler mediante donativos voluntários. Como outros funcionários do partido já tinham tido a mesma idéia,  Bormann, mediante um decreto, garantiu para ele mesmo o monopólio dessa classe de donativos. Mas era bastante inteligente para dar presentes a diversos dignatários do partido, como sendo "por encargo do Führer". Quase todas as altas hierarquias do partido recebiam gratificações oriundas daquela contribuição. É bem verdade que parecia insignificante a influência que isso poderia ter sobre o nível de vida dos diferente chefes nacionais e regionais. Mas, no fundo, isso conferia a Bormann mais poder do que dispunham outros que gostavam de elevada posição dentro do partido.

Com aquela disposição que o caracterizava, depois de 1934 Bormann teve outra iniciativa: colocou-se sempre o mais próximo possível da fonte dos favores e das graças. Acompanhava Hitler ao Berghof, a andava com ele nas viagens, e não se afastava da pessoa do Führer, na chancelaria. Assim, acabou sendo um secretário diligente, fidedigno e finalmente indispensável para Hitler. Bormann mostrava-se sempre obsequioso para com todos, dispensando favores a toda a gente, na medida das suas possibilidades, tanto mais por dar a impressão de que agia a serviço de Hitler, de um modo totalmente desinteressado  também para o imediato de Hitler, Rudolf Hess, convia ter esse colaborador nas proximidades de Hitler.

Decerto, naquela época, os poderosos de imediatos de Hitler estavam em posição indefinida no que diz respeito a prestígio, olhando-se reciprocamente, receosos uns dos outros. Para definição de situação, houve freqüentes lutas entre Goebbels, Goering, Rosemberg, Ley, Himmler, Ribbentrop e Hess. Somente Rüehm já fora estendido no chão, e Hess não tardaria em perder sua influência. Mas nenhum deles percebeu o perigo que Bormann significava para todos. Inicialmente apresentara-se como pessoa insignificante, mas aos poucos estava reforçando o seu bastão. Diante dos muitos dignatários, carecidos de consciência, Bormann destacava-se por sua brutalidade e rudeza de sentimentos.

Sem instrução suficiente para lhe opor barreiras morais, ele fazia cumprir-se o que Hitler ordenava e até mesmo aquilo que ele deduzia das insinuações do Führer. Subalterno por natureza, tratava o subalternos como se estivesse lidando com bois e vacas. Era realmente um servil.

Eu evitava encontrar-me com ele. Aliás, não nos tolerávamos nem pintados. Isso não impedia que nos tratássemos corretamente, pois assim o exigia o ambiente de Obersaltzberg. Mas, excetuando-se o meu próprio escritório, não projetei nenhuma obra para Bormann.

Segundo Hitler acentuava freqüentemente, a moradia na montanha dava-lhe tranquilidade interior e a segurança de que necessitava para as suas decisões. Aí redigiu seus discursos mais importantes, sendo de notar a maneira como os preparava. Assim, antes do congresso do partido em Nuremberg, Hitler retirava-se, regularmente, para  Obersaltzberg, lá se demorando durante semanas. À medida que se aproximava a data, os secretários instavam-no para que ele começasse a ditar, afastando dele qualquer estorvo ou distração, inclusive planos de obras e visitantes. Mas, à medida que passavam as semanas, Hitler ia adiando a redação, para tratar do texto do discurso às pressas. De um modo geral, já era muito tarde para preparar todos os discursos. Na maioria das vezes, Hitler tinha de empregar as noites, durante o congresso, para recuperar o tempo perdido em Obersaltzberg.

Eu tinha a impressão de que Hitler necessitava dessa pressão para criar, à sua maneira de artista e de boêmio, desprezando disciplina, não querendo submeter-se a uma execução regular. Deixava amadurecer o conteúdo dos seus discursos, os seus pensamentos, durante semanas de aparente inatividade, até que já ideado, estando redigido, se atirasse com o ímpeto sobre os ouvintes e partidários.

Nossa mudança para Obersaltzberg não favoreceu meu trabalho. Já o decurso do dia, rotineiro, era fateigante. E aborrecido o círculo de pessoas, sempre o mesmo, em torno de Hitler. A mesma gente reunia-se em Munique e em Berlim. A única diferença, em relação a Berlim, era a presença das mulheres, que acompanhavam os maridos, 2 ou 3 secretárias e Eva Braun.

Hitler costumava aparecer no pavimento térreo já tarde, cerca de 11 horas. Lia as informações da imprensa, recebia notícias dadas por Bormann e adotava as primeiras decisões. Seu dia iniciava-se com um abundante almoço. Os convidados reuniam-se na antessala, Hitler escolhia a dama que se sentaria ao seu lado na mesa. Desde 1938, Bormann teve o privilégio de levar à mesa Eva Braun, que costumava sentar-se à esquerda de Hitler. Esse privilégio demonstrava a posição predominante de Bormann na corte. O relatório era uma combinação de rusticidade artística e elegância urbana, frequente nas casas de campo dos ricos habitantes das cidades. As paredes e o teto estavam revestidos de madeira, as cadeiras forradas de pano vermelho-claro. Os pratos eram brancos. A baixela de prata, onde reluzia  o monograma de Hitler, era igual a de Berlim. As decorações com poucas flores tinham sempre a aprovação de Hitler. O cardápio, à maneira burguesa, continha sopa, um prato de carne, pratos de creme, acompanhados de Fachinger ou vinho em garrafas. As mesas eram servidas por membros da escolta pessoal das SS, de calças pretas e jaqueta branca. Sentavam-se à mesa umas 20 pessoas, mas esta, sendo comprida, não facilitava as conversas. Hitler sentava-se no centro, diante da janela, e conversava com quem estivesse à sua frente, que não era o mesmo comensal todos os dias, ou com a senhora acompanhante.

Finda a refeição, um pouco antes, os convidados dirigiam-se à casa de chá. O caminho era estreito, permitindo a passagem apenas de 2 pessoas, assim o trajeto assumia o aspecto de procissão. À frente, a alguma distância de Hitler e dos convidados, diriam os agentes do Serviço de Segurança. Atrás de Hitler, com seu companheiro de conversa, seguiam os que tinham estado à mesa, também acompanhados de agentes de segurança. Dois cães pastores corriam pelo mato, sem ouvirem as ordens do amo, sendo essa a única oposição que havia em sua corte. Bormann aborrecia-se porque Hitler que escolheria sempre aquela vereda, caminhando uma meia hora, desprezando os caminhos asfaltados, através do bosque, mas que tinham uma extensão de vários quilômetros.

A casa de chá fora construída no lugar em que Hitler gostava muito. De lá descortina-se amplo panorama do vale de Berchtesgaden. A comitiva elogiava o panorama sempre com as mesmas palavras. Hitler concordava, sempre também com as mesmas expressões. A casa formava-se de um recinto circular com cerca de 8 m de diâmetro, com janelas envidraçadas e uma lareira. Sentavam-se em torno de uma mesa-redonda. Eva Braun e uma outra senhora ao lado de Hitler. Quem não encontrasse lugar, ia para uma saleta contígua. Eram servidos à vontade chá, café ou chocolate, diversos tipos de tortas, bolos, pastéis, depois de alguns licores. Na mesa onde tomavam café, Hitler gostava de estender-se em monólogos intermináveis, cujo tema era já conhecido dos comensais, que por isso, embora distraídos, fingiam dar-lhe atenção. Uma vez ou outra cochilava. Enquanto isso, os presentes falavam em voz baixa, esperando que ele despertasse para o jantar. Era uma reunião de amigos.

A hora do chá costumava terminar quase às seis. Hitler levantava-se, e o que se diria um desfile de peregrinos dirigindo-se ao local de estacionamento de carros, distante uns 20 minutos em passo normal. Regressando a Berghof, Hitler recolhia-se aos seus aposentos, no pavimento superior, enquanto se dissolvia o grupo. Bormann, seguido dos maliciosos comentários de Eva Braun, freqüentemente desaparecia no quarto de uma das jovens secretárias.

2 horas mais tarde, os convidados reuniam-se de novo para o jantar, com o mesmo ritual do meio-dia. Depois Hitler ia para a sala de estar, acompanhado dos mesmos convidados. A sala tinha móveis procedentes do estúdio de Troost. Os móveis eram poucos, mas de grandes dimensões: o armário de mais de 3 m de altura e 5 de comprimento, para os diplomas de cidadania honorária e os discos na vitrola; uma vitrina de cristal de um classicismo afetado; uma caixa de relógio enorme, rematada por uma águia de bronze, que parecia protegê-la. Uma mesa de 6 m de extensão, onde Hitler costumava assinar documentos, mais tarde utilizando-se dela para estudar os mapas da situação militar. Havia 2 grupos de assentos, com revestimento de cor vermelha. Um deles estava perto do fogão, outro próximo à janela. Por trás dos grupos de assentos, havia a cabina de projeção cinematográfica. Nas paredes, viam-se grandes quadros a óleo. Um atribuído a Bordone, discípulo de Ticiano; era o retrato de uma senhora com os seios descobertos; outro, um nu, que podia ser do mesmo Ticiano; a Nana de Feurbach, que tinha uma moldura muito bonita; uma antiga paisagem de Spitzweg; um outro quadro, representando ruínas romanas, pintado por Pannini; surpreendentemente, uma espécie de altar, de Eduard von Steinle, representando o Rei Henrique, fundador da cidade. Em compensação, não se via nenhum Grüntzer. Hitler algumas vezes dizia que aqueles quadros foram pagos do seu próprio bolso.

Sentávamos no sofá ou nas poltronas de um dos grupos de assaltos e começava a segunda parte da noite, com as películas normalmente projetadas nos cinemas de Berlim. Depois nos reuníamos em torno da gigantesca lareira. 6 ou 8 pessoas em um sofá incômodo, estofado, bem comprido, como se estivéssemos sentados em fila. Hitler, outra vez ladeado por Eva Braun e uma das senhoras, sentava-se em uma das poltronas macias. A disposição dos móveis não facilitava a conversação. Cada um falava em voz baixa ao seu vizinho. Hitler, também em voz baixa, dizia vulgaridades às 2 mulheres ao seu lado ou cochilava com Eva Braun, tendo uma das mãos dela nas suas. Às vezes, ele emudecia, dirigindo um olhar para o alto, ou fixando a vista na chama da lareira. Os presentes calavam para não perturbar o Führer em seus importantes pensamentos.

De quando em quando falavam de fitas cinematográficas. Hitler opinava sobre as interpretações femininas e Eva Braun sobre as masculinas. Ninguém cuidava de elevar o nível da conversa acima de alguns detalhes, expondo idéias sobre novas formas de expressão do diretor do filme. É verdade que as fitas exibidas não proporcionavam assuntos desse gênero, destinavam-se apenas à distração dos espectadores. Nunca foram exibidas, pelo eu estando presente, as experiências de um Curt Oertel tendo por tema  Michelângelo. Era que Bormann não perdia oportunidade para depreciar o prestígio de Goebbels, responsável pela produção cinematográfica alemã. Fazia sempre observações mal-intencionadas. Disse, por exemplo, que a elaboração da película O vaso quebrado encontrara obstáculos da parte de Goebbels, que se via figurado e ridicularizado por Emil Jennings no papel de um juiz coxo aldeão. Hitler viu com alegria a película, retirada dos cinemas, e ordenou que ela voltasse a ser exibida no maior cinema de Berlim. No entanto, durante muito tempo, não houve essa volta da fita aos cinemas, o que demonstra a carência de autoridade de Hitler, freqüentes vezes. Mas Bormann não cedeu, até que  Hitler ficou aborrecido e fez ver claramente a Goebbels que este tinha de obedecer a aquilo que ele, Hitler, ordenava.

Mais tarde, durante a guerra, Hitler suprimiu as sessões cinematográficas noturnas, pois, segundo manifestou, que iria renunciar à sua distração favorita para "Solidarizar-se com os sacrifícios dos soldados". As projeções de filmes foram substituídas por audição de música em discos. Apesar da sua magnífica coleção de discos, as preferências de que Hitler iam para uma mesma espécie de música. Não tinham significado para ele o barroco, o clássico, a música de câmara, e nem as sinfonias. Antes de mais nada gostava de ouvir algumas impressionantes árias de óperas de Wagner, para depois dar atenção à opereta. Com a opereta terminava a audição. Seu interesse reduzia-se à identificação da voz dos cantores, mencionar-lhes o nome e, quando acertava, o que ocorria freqüentemente, não escondia sua satisfação. Para ser animarem essas reuniões noturnas, um tanto insípidas, servia-se champanhe. Depois da ocupação da França, a champanhe servida provinha do butim de guerra, havendo também marcas baratas, porquanto o Goering e seus marechais-do-ar se tinham apoderado das melhores marcas. Aquela monotonia prolongava-se até uma hora da madrugada, não faltando quem não pudesse reprimir um ou outro bocejo. Afinal, depois de uma troca de palavras com Adolf Hitler, Eva Braun retirava-se para os seus aposentos no pavimento inferior. Cerca de um quarto de hora depois Hitler levantava-se para também despedir-se. Seguia-se uma reunião menos tensa, em que nós nos sentimos como que livres, e bebíamos champanhe e conhaque.

Voltávamos para casa às primeiras horas da madrugada, mortos de cansaço por não termos feito coisa nenhuma. Decorridos alguns dias, fui atacado do mal da montanha, com denominavam naquele tempo, ou seja, eu sentia-me  esgotado e sem idéias, em conseqüência daquela contínua dilapidação de tempo. Somente quando os ócios de Hitler eram interrompidos pelas suas decisões administrativas restava-me algum tempo para dedicar-me aos meus trabalhos com os meus auxiliares. Sendo hóspede permanente e favorito, morando também em Obersaltzberg, não podia evitar aquelas vigílias, por mais torturantes que fossem, sem dar a impressão de descortesia. O doutor Dietrich, chefe de imprensa do Reich, teve algumas vezes o atrevimento de assistir a representações do festival de Salzburg. O que obteve foi o aborrecimento de  Hitler.

De vez em quando, vinham membros dos antigos círculos de Hitler, em Munique ou em Berlin, tais como Schwarz, Goebbels ou Hermann Esser. Mas isso ocorria raramente é durante apenas um ou dois dias. Também vi, em Obersaltzberg, Hess, 2 ou 3 vezes, quando não lhe faltavam motivos para com sua presença por freio à atividade de Bormann, seu lugar-tenente. Até mesmo os mais íntimos colaboradores de Hitler, que se podiam encontrar com freqüência na mesa de almoço na chancelaria do Reich, evitavam francamente apresentar-se em Obersaltzberg. E isso era impertinente, pois Hitler costumava mostrar se alegre com a presença de tais pessoas, solicitando-lhes eles aparecessem mais vezes e permanecessem mais tempo lá. Ao contrário, não queria ver em Obersaltzberg os antigos companheiros de luta, que evitava já em Munique, sendo que esses aceitariam entusiasmados um convite àquela residência de Hitler.

Eva Braun tinha permissão de estar presente durante as visitas dos antigos colaboradores. Mas era afastada quando compareciam à mesa outros dignatários do Reich, como ministros, por exemplo. Eva Braun permanecia em seus aposentos, quando compareciam Goering e sua esposa. Era evidente que Hitler considerava-a capaz de vida social só até um certo ponto. Enquanto ela ficava em seu aposento, contíguo ao dormitório de Hitler, eu lhe fazia companhia, algumas vezes. Ela se mostrava tão tímida que não se atreveria sequer a sair de casa para dar um passeio.

- Se eu saísse poderia encontrar-me com os Goering.

Além do mais, Hitler manifestava pouca consideração pela presença de Eva Braun, diante de quem, sem embaraços, exprimia seu pensamento a respeito das mulheres: 

- Os homens muito inteligentes não devem ter ao seu lado uma mulher primária e tola. Imaginem os senhores se eu tivesse uma esposa que se intrometesse em meu trabalho. O que eu quero é paz no meu tempo livre... nunca poderia casar. E que problema, se tivesse filhos... trataria de fazer o meu filho o meu sucessor... e só faltaria isso... as pessoas como eu não têm possibilidade de que lhes nasçam filhos inteligentes, o que é uma regra que quase geral em tais casos. Lembrem-se do filho de Goethe que foi um indivíduo inteiramente inútil. Há muitas mulheres que me são afeiçoados porque eu estou ainda solteiro. Que isso era particularmente frequente no tempo da guerra. Dá-se o mesmo com um autor cinematográfico; e quando casa perde aquele algo que faz com que as mulheres suspirem por ele. Deixa então de ser para elas o ídolo que sempre tinha sido.

Hitler  supunha que de sua pessoa irradiava um forte eflúvio  erótico sobre as mulheres. No entanto, desconfiava disso e dizia que não sabia nunca se uma mulher via nele o "Chanceler do Reich" ou o "Adolf Hitler”, quando demonstrava sua simpatia. De modo nenhum queria tê-las próximas de si, como afirmava com inteira falta de delicadeza. Era evidente que ao se manifestar assim não tinha consciência da ofensa de seu pensamento às senhoras que o ouviam em suas reuniões. Mas não carecia do sentimento de chefe de família. Uma vez, Eva Braun estava esquiando. Demorou-se para o chá. Ele então mostrou-se  inquieto, preocupado pela idéia de que algo tivesse acontecido à sua amante.

Eva Braun nascera em um meio modesto. Seu pai era mestre-escola. Nunca vi seus progenitores. Não vinham à residência de Hitler, que jamais saíram da sua vida. Também Eva Braun continuou sua vida simples, vestia-se com modéstia e usava jóias baratas, anéis de pedras semipreciosas, no valor de poucas centenas de marcos, na melhor das hipóteses. Bormann era o encarregado de mostrar a Eva Braun amostras de presentes. Pareceu-me que Hitler escolhia jóias de escasso valor artístico, demonstrando ser um gosto característico do pequeno burguês.

A amiga de Hitler não manifestava nenhum interesse na política. Jamais se tentou exercer qualquer influência no Führer. Mas possuía visão clara dos fatos da vida diária, fazendo muitas observações acertadas sobre pequenos inconvenientes ou situações anormais da vida em Munique. Bormann não via isso com bons olhos, pois, nesses casos, era chamado a uma prestação de contas. Ela gostava dos esportes, praticando bem o esqui. Freqüentemente fizemos com ela excursões às montanhas, indo além do recinto fechado. Uma vez, Hitler concedeu-lhe 8 dias de férias. Naturalmente, quando não estava em sua casa na montanha. Durante alguns dias foi conosco até Zürs. Lá, sem que ninguém a reconhecesse, frequentava os bailes, dançando com jovens oficiais até altas horas da madrugada. No entanto, estava muito longe de ser uma Madame Pompadour. Para o historiador, essa mulher só oferece interesse porque contribui para dar um relevo ao tipo de caráter de Hitler.

Impelido por uma certa compaixão pela condição de Eva Braun, fui sentindo simpatia pela desgraçada mulher, que era tão legal e carinhosa com Hitler. Além disso, sentimo-nos unidos pela comum aversão a Bormann, pela maneira como aquela época ele enganava sua mulher. Quando, durante o processo de Nuremberg, eu soube que Hitler se casara com  Eva Braun um dia e meio antes de morrer, senti alegria, embora aquele ato revelasse de algum modo o cinismo com que Hitler a tratou e talvez tratara as mulheres em geral.

Algumas vezes indaguei de mim mesmo se Hitler sentia pelas crianças algo assim como ternura. De qualquer modo, tencionava demonstrar, quando estava com elas, conhecidas ou não. Ia mesmo ao ponto de tratá-las de modo paternal e amistoso. Mas eu não me convenci da autenticidade dessa atitude. O fato era que jamais achou a forma adequada para o trato com as crianças. Depois de algumas palavras elogiosas, sua atenção dirigir-se à criança seguinte. Para ele, as crianças eram apenas os representantes da geração futura e por isso alegrava-se mais por vê-las loiras, de olhos azuis, fortes, sadias, ou por sua inteligência - viva, desperta -, do que pela maneira infantil de serem. A personalidade de Hitler não exerceu nenhuma influência em meus próprios filhos.

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