sábado, 9 de fevereiro de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (05) - parte II

Albert Speer - Por dentro do III Reich (05) - parte II


Capítulo cinco - Megalomania edificada (parte 2)


Durante as obras de Nuremberg, havia na minha cabeça uma síntese entre o classicismo de Troost e a simplicidade de Tessenov. Não a qualificava propriamente de neoclássica, pois eu supunha tê-la derivado do estilo dórico. Eu me iludia a mim mesmo, ao esquecer que essas obras já tinham funcionado como bastidor teatral monumental, tendo sido assim durante a Revolução Francesa, no Campo de Marte em Paris, em outras circunstâncias menores. As características do classicismo e a simplicidade mal podiam se reconciliar com as dimensões gigantescas de que me utilizem em Nuremberg. Apesar disso, ainda hoje, os meus desenhos de Nuremberg são os que mais me agradam, ao contrário do que muitos outros que fiz mais adiante para Hitler e que eram muito mais pretensiosos.

E a primeira viagem ao estrangeiro ocorreu em maio de 1935. Foi motivada por minha preferência pelo mundo dórico. Não fui à Itália contemplar os palácios do Renascimento e as colossais obras romanas, embora lá tivesse podido encontrar modelos para as minhas construções. Dirigi-me à Grécia, o que me parecia lógico naquele tempo. Minha mulher e eu procurávamos na Grécia testemunhos do mundo dórico e ficamos profundamente impressionados - o que nunca mais se apagou em minha memória - com o Estádio de Atenas reconstruído. Quando, dois anos depois, tive de desenhar um projeto de estádio, adotei a forma de ferradura do estádio ateniense.

Pareceu-me descobrir em Delfos a rapidez com que as riquezas adquiridas das colônias jônio-asiáticas contribuíram para a decadência da pureza das criações artísticas gregas. Demonstra isso como é sensível uma elevada consciência da arte e como bastam insignificantes forças para alterar a peça e tornar irreconhecível a representação um ideal? Eu refletia sobre tais extremos, sem preocupar-me comigo. Meus próprios trabalhos pareciam evitar que eu caísse nesses perigos.

Depois de nosso regresso, em junho de 1935, terminou-se a construção de minha casa em Berlim-Schlachtensee. Não pude construir uma residência de grandes dimensões. Custou setenta mil marcos, e para eu levantar essa quantia meu pai teve de fazer uma hipoteca de trinta mil. Meus recursos financeiros eram escassos, apesar de trabalhar para o Estado e o partido como arquiteto profissional. Mas a minha desinteressada emoção, em uma ambiência idealista, característica da época, induzia-me à renúncia dos meus honorários em todas as minhas construções.

Essa atitude provocou a incompreensão de outras pessoas. Um dia, em Berlim, Goering, que estava bem-humorado - coisa inesquecível -, disse-me:

- Bem, Senhor Speer, agora tem muitas coisas para fazer e vai também ganhar um montão de dinheiro.

Minha resposta negativa provocou nele um olhar de incompreensão:

- Mas... Que diz? um arquiteto tão ocupado como o senhor? Pois eu supunha que fizesse uns cem mil marcos por ano. Os seus ideais são uma insensatez absoluta. O senhor tem de ganhar dinheiro!

Excetuando-se as obras realizadas em Nuremberg, pelas quais eu recebia mil marcos mensais, depois agir no sentido de me pagarem os honorários devidos a todo arquiteto. Mas não foi só por isso que tive a precaução de não perder minha independência profissional. Eu sabia que Hitler confiava mais nos arquitetos que não eram funcionários. A preferência de Hitler pelos particulares, em vez de funcionários públicos, exprimir-se também pelo seguinte: no final de minhas atividades de arquiteto, eu possuía um milhão e quinhentos mil marcos, aproximadamente, mas o Reich devia-me ainda outro milhão, que não cobrei nunca.

Minha família vivia feliz naquela casa. Bem quisera afirmar que eu também participava daquela dita familiar, tal como sonhara, junto de minha mulher. Mas eu chegava em casa fatigado, já alta noite. Os meninos já estavam dormindo. E eu, ao juntar-me á minha mulher, não abria os lábios, tão cansado me sentia. Essa situação não se alterou durante anos. Hoje, decorridos já tantos anos, quando relembro aquela maneira de viver, vejo que se dava a mesma coisa com os maiorais do partido, que se descuidavam da vida familiar para seguir um pomposo estilo de vida. Transformavam-se em estátuas imóveis, pela sua atividade oficial; eu, ao contrário, pelo meu excessivo trabalho.

No outono de 1934, Otto Meissner, que, depois de Ebert e Hindenburg, tinha encontrado em Hitler seu terceiro chefe, chamou-me ao telefone; eu teria de ir com ele a Weimar no dia seguinte, a fim de acompanharmos Hitler a Nuremberg. Estive desenhando, até à madrugada, projetos de que me ocupara desde algum tempo. Tinham de ser construídas outras grandes obras para os congressos do partido, um campo para as revistas militares, um grande estádio, um salão para os discursos culturais de Hitler e concertos sinfônicos. Por que não incorporar tudo isso ao já existente e formar um grande centro? Até então eu não me atreveria a tomar a iniciativa em questões semelhantes, pois a iniciativa era coisa que Hitler reservava para si mesmo. Sendo assim, executei aqueles desenhos a título precário.

Estando em Weimar, Hitler mostrou-me o projeto de um "foro do partido", obra do professor Schultze-Naumburg.

- Parece a praça principal, extraordinariamente grande, de uma cidade provinciana - foi a opinião dele. - Nada típico, não se diferencia das épocas anteriores. Se construirmos um foro para o partido, terá depois de dar a impressão de que foi erguido em nosso tempo, segundo nosso estilo, como por exemplo, a Koenigsplatz de Munique.

Schutze-Naumburg, uma autoridade no Kampfbund Deutscher Kultur, não teve possibilidade de justificativa. Não foi mais convidado. Hitler não teve consideração para com a fama daquele homem e promoveu novo concurso entre os diversos arquitetos de sua escolha.

Depois fomos à casa de Nietzsche, onde nos esperava sua irmã, a senhora Förster-Nietzsche. Era evidente que aquela mulher de tendências excêntricas não podia entender-se com Hitler. O ambiente tornou-se tenso e a conversação derivou para a superficialidade. No momento, o assunto principal resolveu-se com satisfação para todos. Hítler encarregou-se de financiar a construção de um anexo à velha casa de  Nietzsche. A Sra. Föster-Nietzsche concordou em que o arquiteto Schultze-Naumburg elaborar esse os planos respectivos.

- Ele se adaptará melhor ao aspecto da velha casa -  comentou Hitler,  visivelmente contente por poder proporcionar a aquele arquiteto uma pequena compensação.

Na manhã seguinte, continuamos nossa viagem de automóvel rumo à  Nuremberg, embora, naquele tempo, Hitler  preferisse o trem por motivos que vim a saber naquele mesmo dia. Como sempre, ele ia sentado ao lado do motorista, em um Mercedes conversível, de sete litros, de cor azul-escura. Eu havia sentado atrás dele, ao lado do criado, que, se fosse necessário, podia tirar de uma bolsa mapas de estradas, guloseimas, pastilhas. No assento traseiro, sentavam-se ou ajudante-de-ordens Brückner e o chefe de imprensa, doutor Dietrich. Em um carro de escolta, do mesmo tamanho e da mesma cor que o Mercedes, viajavam cinco homens vigorosos da seção de escolta e o médico particular, o doutor Brandt.

Mal nós chegamos ao outro lado do bosque de Turíngia, começaram os embaraços. Estávamos em uma zona muito povoada. Ao passarmos por um povoado, fomos reconhecidos, mas conseguimos nos afastar antes que a população se manifestasse.

- Preste atenção - observou Hitler. - Quando chegarmos a outra localidade já não será tão fácil nos desvencilharmos. Com toda a certeza, o pessoal daqui já avisou por telefone com os habitantes da outra povoação.

Realmente, quando chegamos as ruas estavam cheias de cidadãos e jubilosos. O agente policial fazia o possível para cumprir o seu dever, mas o automóvel só podia rodar muito lentamente. Mal havíamos conseguido abrir caminho, quando alguns entusiastas fecharam a passagem de nível, na estrada, para Hitler ser detido e assim receber os cumprimentos daquela gente. Daquela forma, era quase impossível continuarmos a viagem. Chegando a hora do almoço, desviamo-nos para uma pequena pousada em Hildburgshausen, onde anos antes Hitler tinha obtido nomeação de um comissário dos gendarmes, para conseguir a nacionalidade alemã, fato que ele nunca mencionou. Os donos e empregados estavam alvoroçados. Custou ao ajudante-de-ordens pedir comida: espaguete com ovos.

Estivemos esperando muito tempo, e, finalmente, o ajudante-de-ordens foi dar uma vista de olhos na cozinha, voltando para dizer:

- As mulheres estão excitadas, ao ponto de não saberem se há espaguetes ou não.

Enquanto isso, do lado de fora tinham se reunido milhares de pessoas que aos gritos chamavam por Hitler.

- Quem nos dera já estivéssemos longe daqui! - disse o Führer.

Lentamente e sob uma chuva de flores, chegamos afinal à porta da cidade, em estilo medieval. Moços fecharam-na diante de nós, enquanto os meninos subiam aos pára-lamas. Hitler teve de distribuir autógrafos. Então, vindo, abriram a porta, sendo nisso auxiliados por Hitler.

No campo, em toda parte, os camponeses detinham-se diante de nós, enquanto as mulheres acenavam. Era uma viagem triunfal. Enquanto o automóvel rodava, Hitler, recostando-se no assento, voltou-se para mim, dizendo:

- Até agora, só um alemão foi recebido assim, antes de mim: Lutero. Quando ele percorreu o país, toda a gente acudia em massa para vê-lo e alojá-lo, como estão fazendo hoje comigo.

Essa grande popularidade era perfeitamente compreensível. O povo atribuía unicamente a Hitler os êxitos obtidos no terreno econômico e na política exterior. Viam nele, cada vez mais, o homem capaz de realizar a aspiração, profundamente enraizada, de uma Alemanha poderosa, segura de si mesma e unida. Os desconfiados eram apenas uma minoria. Quem, uma vez ou outra, sentisse dúvidas, estas seriam desfeitas, quando se pensasse nos êxitos e no respeito que usufruía o regime em países estrangeiros.

Durante aquela embriaguez tributada pela gente do campo, em face da qual eu me sentia também fascinado, em um de nossos carros havia um ambiente intranquilo provocado por Schreck, o turista que estava há muitos anos a serviço de Hitler. Eu o ouvia trechos da conversa: "estão descontentes por", "a gente do partido envaideceu-se", "orgulhosos, esquecidos da sua origem". Depois da morte prematura, no gabinete particular de Hitler, em um Obersaltzberg, estavam pendurados juntos com quadro a óleo de Schreck e uma pintura da mãe de Hitler. Mas não havia nenhuma fotografia do pai.

Pouco antes de chegar a Bayeruth, Hitler entrou sozinho em um pequeno Mercedes, fechado, conduzido por seu fotógrafo particular Hoffmann. Aquele carro, sem ser reconhecido, chegou à quinta Wahnfried, onde o esperava a senhora Winifred Wagner. Nós nos dirigíamos ao balneário de Berneck, nas proximidades, onde Hitler costumava passar a noite, quando viajava de Munique a Berlim em automóvel. Em 8 horas, tínhamos percorrido somente 210 km.

Quando eu soube que Hitler sairia na casa de Wahnfried já tarde da noite, senti-me levemente confuso. Na manhã seguinte, a viagem deveria prosseguir, rumo a Nuremberg. Eram muito possível que Hitler resolvesse lá o programa das obras, de acordo com os desejos da administração municipal, que tratava dos seus próprios interesses. Se a administração municipal conseguisse impor-se, não haveria nenhuma possibilidade de meu projeto ser tomado em consideração, porquanto muito desagradava a Hitler voltar atrás em sua decisão. Naquela noite, falei somente com Schreck, a quem expliquei meu projeto para os terrenos do partido. Ele prometeu-me falar a Hitler sobre o assunto, durante a viagem, e apresentar-lhe os desenhos, no caso de sua reação ser positiva.

Na manhã seguinte, pouco antes de começar a viagem, fui chamado ao gabinete de Hitler:

- Estou de acordo com o seu projeto. Hoje mesmo falaremos a respeito com o Prefeito Liebel.

Dois anos mais tarde, Hitler dirigia-se ao prefeito para falar-lhe diretamente das suas idéias.

- Aqui está o projeto para os terrenos do partido que queremos que se faça assim.

Mas, em 1935, não se sentia ainda tão autoritário; necessitou de uma hora de explicações preliminares, antes de abrir sobre a mesa o meu desenho. Desde logo, o prefeito achou extraordinária a minha idéia, pois sendo um antigo camarada do partido estava habituado a concordar com a opinião dos chefes.

Depois dos elogios ao meu plano, Hitler iniciou uma sondagem no ambiente, pois o meu projeto que implicava a mudança do jardim zoológico.

- Podemos esperar o consentimento dos habitantes da cidade? Sei que estão muito afeiçoados ao jardim, e, certamente, teremos de cuidar a instalação de um novo, sem dúvida mais bonito.

O prefeito, que era também um bom defensor dos interesses da sua cidade, esclareceu:

- Teremos que convocar os acionistas. Talvez tentar comprar-lhes as ações.

Hitler esteve de acordo com tudo. Na rua, Liebel, esfregando as mãos, disse a um dos seus colegas da administração:

- Por que o Führer esteve tanto tempo tentando convencer-me? Naturalmente, o atual jardim zoológico será dele e nós teremos um novo. O velho já não tinha valor. Agora, vamos ter o mais belo jardim zoológico do mundo. E, além disso, receberemos dinheiro.

Dessa forma, os habitantes de Nuremberg obtiveram o seu novo zoológico. Foi a única obra realizada, em todo o projeto aprovado, naquele tempo.

No mesmo dia, fomos de trem para Munique. O ajudante-de-ordens, Brückner, chamou-me depois ao telefone:

- O diabo leve o senhor e o seu projeto! O senhor não poderia ter esperado? O Führer não pregou os olhos, durante a noite inteira, tal a sua excitação. Na próxima vez, o senhor faça-me o favor de falar antes comigo!

Para a realização daquele projeto, foi criada uma organização denominada Associação para Tratar do Aproveitamento dos Terrenos do Partido em Nuremberg, em carregando-se do financiamento, muito contra a vontade, o ministro da Fazenda do Reich. Hitler nomeou, para a presidência, Kerrl, ministro dos Cultos do Reich, e seu suplente Bormann, que assim obteve pela primeira vez, á margem da chancelaria do partido, um cargo oficial de importância.

Dois anos depois de ter sido aprovado por Hitler, meu projeto para os terreno do partido foi exposto em maquete, na Exposição Internacional de Paris de 1937, e distinguido com o Grand Prix. No extremo sul da instalação completa, estava o Campo de Marte. Esse nome, além de referir-se ao deus da guerra, tinha por finalidade também cortar um mês em que Hitler restabelecera o serviço militar obrigatório. Naqueles terrenos extensos, a Wermacht realizaria exércitos de combate simulado, em uma superfície e mil e cinqüenta por setecentos metros. Tinham-se planejado tribunas de catorze metros de altura, que rodeiavam todo o terreno, com capacidade para cento e sessenta mil espectadores. Vinte e duas torres de mais de quarenta metros de altura dariam uma distribuição simétrica ás tribunas, uma das quais seria a de honra, encimada por uma estátua de mulher. Ao norte, exatamente na direção do antigo palácio dos Hohenzollern, via-se ao longe o Campo de Marte, com uma avenida de dois quilômetros de comprimento por oitenta metros de largura. Tinha-se previsto que a Wehrmacht desfilaria diante de Hitler, em formações com cinquenta metros de largura. Essa avenida, terminada antes da guerra, foi revestida de grossas lajes de granito, bastante fortes para resistirem ao peso dos tanques. O chão tinha sido raspado a fim de que os soldados pudessem pensar com firmeza, durante os desfiles. À direita levantava-se uma construção com escadas, na qual Hitler, rodeado dos generais, presidiria ao desfile. Do outro lado, á frente, estava uma galeria, sustentada por pilares, onde se colocariam as bandeiras dos regimentos.

Essa galeria de pilares, com dezoito metros de altura somente, serviria de medida comparativa para o "grande estádio" que se levantaria por trás, para o qual Hitler estabelecera capacidade de quatrocentos mil espectadores.

Calculamos que o Estádio de Nuremberg custaria de duzentos a duzentos e cinqüenta milhões de marcos, ou seja, cerca de um bilhão de marcos de agora, segundo os preços atuais da construção. Hitler não fez nenhum reparo:

 - É menos dinheiro do que o do custo dos couraçados do tipo Bismarck. Um couraçado desses pode ser destruído rapidamente; e, quando não, de qualquer maneira, depois de dez anos, será reduzido a ferro-velho. Mas esta obra durará séculos. Evite responder ao ministro da Fazenda, quando ele lhe perguntar pelo preço. Diga-lhe que ainda não se tem experiência de projetos dessa grandeza.

Encomendou-se granito no valor de alguns milhões de marcos, vermelho-claro para a parte externa e mais claro para a tribuna dos espectadores. No local da obra foi aberto um fojo gigantesco para depósito de cimento, que se transformou num pitoresco lago, durante a guerra, e fazia presumir a gigantesca grandeza da construção.

Mais ao norte do estádio, a avenida para os desfiles passava por cima de uma superfície líquida, na qual se refletiam as obras, seguindo-se-lhe, para terminar, uma praça à direita da qual se encontraria a Sala dos Congressos, ainda existente hoje, ao passo que, do lado esquerdo, estaria fechada por uma "sala cultural", a qual seria expressamente construída para Hitler dispor de um local adequado para os seus discursos culturais.

Excetuando-se a Sala dos Congressos, já desenhada em 1933 pelo arquiteto Ludwig Ruff, Hitler designada-me arquiteto de todas as obras levantadas nos terrenos do partido. Deixou-me as mãos livres, quanto a planos de realizações, desde então, todos os anos procedendo à colocação de uma pedra fundamental. Essas pedras, logo depois da cerimônia, eram levadas ao depósito municipal, para depois serem de novo levadas ao seu lugar, quando a obra estivesse bastante adiantada. Quando se colocou a primeira pedra do estádio, no dia 9 de setembro de 1937, Hitler apertou-me a mão, cerimoniosamente, diante de todos os hierarcas do partido, dizendo-me:

- Este é o maior dia da sua vida.

Talvez eu já fosse cético, porquanto observei-lhe:

- Hoje, não, meu Führer, e sim quando a obra estiver terminada.



Nos começos de do 1939, diante dos operários da construção, Hitler teve a intenção de justificar o alcance de seu estilo arquitetônico com as seguintes palavras:

- Por que sempre com maior? Faço-o para infundir aos alemães a confiança neles mesmos, para se poder dizer a cada pessoa, em centenas de campos: "De modo nenhum somos inferiores, mas, ao contrário, estamos inteiramente em situação de igualdade com qualquer outra nação".

Não se deve atribuir única e exclusivamente à forma de governo essa tendência ao gigantismo. O enriquecimento rápido concorre para isso tanto quanto a necessidade de se exibirem as próprias forças, sejam quais forem as razões. No entanto, o afã de Hitler no exagero das dimensões ia além daquilo que confessou ante os trabalhadores. O tamanho máximo tinha por objetivo glorificar sua obra, aumentar a confiança em si mesmo. A finalidade de se erguerem aqueles monumentos era indicar a existência de uma pretensão ao domínio do mundo, antes mesmo de o próprio Hitler atrever-se a confessá-los aos seus mais íntimos colaboradores.

Também eu senti-me embriagado pela idéia de criar uma história esculpida em pedra com o auxílio de desenhos, o dinheiro e empresas construtoras, podendo portanto crer, antecipadamente, que eu tinha direito a uma reivindicação milenária. Também suscitei o entusiasmo de Hitler, quando pude demonstrar-lhe que, pelo menos quanto a dimensões, nós tínhamos ultrapassado obras historicamente afamadas. Mas, em tais ocasiões, ele era sempre comedido em seu entusiasmo, expresso em sóbrias palavras. Talvez se sentisse então envolto em uma certa veneração por ele mesmo, imaginando essa concepção da própria grandeza projetada no futuro.



No congresso do partido, em 1937, quando Hitler colocou a primeira pedra do estádio, concluiu seu discurso com esta frase: "A nação alemã tem agora seu império germânico". Brückner, ajudante-de-ordens de Hitler, contou que durante o almoço depois daquela cerimônia o Marechal von Blomberg derramara lágrimas de emoção. Hitler interpretou isso como plena aprovação do significado fundamental das palavras que pronunciara.

Naquela época falou-se muito que tais misteriosas palavras tinham por objetivo iniciar uma nova fase em uma política de grande alcance. Seria muito aquilo que se originaria delas. Eu sabia que, mais ou menos, qual era a intenção de Hitler ao pronunciá-las, pois, poucos dias antes, em uma ocasião, inesperadamente, Hitler deteve-me na escada do seu domicílio, deixando que passassem os demais membros da sua comitiva. E disse-me:

- Edificaremos um grande império, reunido todos os povos germânicos. Desde a Noruega até o norte da Itália. Serei eu, pessoalmente, quem o vai fundar. Só necessito de saúde.

Mais tratava-se de um projeto ainda muito reservado. Na primavera de 1937, Hitler visitou-me nos seus locais de exposição, em Berlim. Estavam sós, diante da maquete de mais de 2 m de altura do estádio com capacidade para quatrocentas mil pessoas. A maquete achava-se exatamente à altura dos olhos e apresentava todos os detalhes que a obra teria no futuro. Iluminada por poderosos refletores cinematográficos, a maquete nos possibilitava fantasiar o que seria a obra, na realidade. Os desenhos estavam fixados em pranchetas, ao lado da maquete. Hitler fixou o olhar deles. Falamos de jogos olímpicos. Como em vezes anteriores, chamei-lhe a atenção para o fato de não ter o meu campo de esportes as dimensões olímpicas prescritas. Sem alterar a voz, como se tratasse de coisa lógica, compreensível, indiscutível, Hitler disse:

- Isso não tem importância. Os jogos olímpicos serão realizados outra vez em Tóquio no ano de 1940. Mas depois se realizaram sempre na Alemanha, neste estádio. Seremos nós que determinaremos as direções dos campos de esportes.

De acordo com nosso plano de trabalho, cuidadosamente calculado, o estádio estaria concluído para o congresso do partido em 1945...

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Albert Speer - Por dentro do III Reich (05) - parte I


Albert Speer - Por dentro do III Reich (05) - parte I

Capítulo cinco - Megalomania edificada

Durante muito tempo pareceu que Hitler tencionava encarregar-se pessoalmente do escritório de Troost. Receava que os projetos não continuassem sendo realizados com a sensibilidade e características dos pensamentos do falecido.

Disse, finalmente:

- O melhor será que eu tome pessoalmente a direção.

No final de contas, essa intenção não era mais estranha do que a manifestada posteriormente, ao tomar nas suas mãos a chefia suprema do Exército.

No decurso de algumas semanas, sentiu-se atraído pelo pensamento de ser chefe de um escritório de arquiteto, bem instalado. Já durante as viagens a Munique costumava freqüentemente pensar nisso, falando sobre projetos, para uma hora depois ir sentar-se à prancha de desenho do verdadeiro chefe do escritório, Gall, homem simples e honrado, que defendeu com inesperada tenacidade a obra de Troost, rejeitando os esboços de Hitler, no começo muito minuciosos.

Hitler depositou confiança em Galle não tardou em deixar, tacitamente, seus propostos, ao verificar o valor daquele desenhista.

Ele continuou mantendo estreitas relações com a esposa do falecido arquiteto, à qual estava unido por grande amizade. Era uma senhora de sensibilidade, de bom gosto e caráter, que defendia suas opiniões com mais tenacidade do que muitos homens providos de cargos oficiais e dignidades. Combateu Bonatz, bastante imprudente para opinar, abertamente, contra a configuração dada por Troost à Koenigsplatz, de Munique. Opôs-se também aos arquitetos modernos Vorhoelzer e Abel, seus pontos de vista coincidindo com os de Hitler. Por outro lado, aproximava Hitler de arquitetos daquela cidade, escolhidos por ela, ou repelia ou elogiava artistas e eventos artísticos. Chegou a influir sobre Hitler, ao ponto de este, freqüentemente, tomá-la por juíza artístico, no âmbito municipal.

Mas, infelizmente, não ocorria o mesmo no campo da pintura. Hitler encarregava seu fotógrafo Hoffman de efetuar a primeira inspeção dos quadros enviados à Grande Exposição Artística anual. A esposa do falecido Troost, freqüentemente, criticava a unilateralidade daquela escolha. Mas nesse terreno Hitler não dava o braço a torcer, por isso ela não tardou em renunciar a tomar parte dessas inspeções.



Eu estava em Berlim, quando houve o 'Putsch' de Roehm. A tensão dos ânimos dominava a cidade. No jardim zoológico estavam soldados equipados como se fossem iniciar uma campanha a qualquer momento. A polícia, armado de fuzis, percorria em caminhões as ruas e com o ambiente estava muito "Rarefeito", semelhante ao do dia 20/07/1944[1], que eu também passei na capital do Reich.

No dia seguinte Goering foi considerado o salvador da situação em Berlim. Quase ao meio-dia, terminada a operação de "limpeza", Hitler regressou à capital, e eu recebi uma chamada telefônica:

- O senhor tem alguns desenhos, quaisquer que sejam? Traga-os, imediatamente.

Isso indicava que pretendiam afastar a atenção de Hítler para assuntos relacionados com a arquitetura. Ele estava muito nervoso e, segundo penso ainda hoje, acreditando que tinha saído são e salvo de um grande perigo. Durante dias, repetia a sua narrativa de como entrara no Hotel Halsenmayer, de Wiessee, sem esquecer para referências à sua coragem.

- Não estávamos armados, nem sabiam se teríamos de enfrentar guardas com armas.

Também dizia que sentira nojo ante a ambiência de homossexualidade que lá encontrara.

- Em um dos quartos, surpreendêramos dois jovens inteiramente despidos.

E evidentemente, estava convencido de ter sido ele, com sua intervenção pessoal, a quem salvou a situação, impedindo a catástrofe no último momento.

- Eu era a única pessoa que podia resolver aquilo! Eu, ninguém mais!

As pessoas da sua roda insuflavam a aversão ao fuzilado chefe das SA, salientando todos detalhes imagináveis com relação à vida íntima de Roehm e seus correligionários. Brückner mostrou a Hitler minutas das bombachas organizadas por aqueles indivíduos, encontradas no quartel general das SA. Delas constavam pratos esquisitos, vindos do estrangeiro: coxas de rã, línguas de pássaros, ovos de gaivotas, além de vinhos franceses e champanhe das melhores marcas. Examinando esses cardápios, Hitler comentou, ironicamente:

- Bem! Aqui temos esses revolucionários! Que no entanto diziam que a nossa revolução era muito lenta para eles!



Regressou altamente satisfeito da ida ao presidente do Reich. Segundo disse, Hindenburg aprovava sua maneira de agir, exprimindo-se em termos mais ou menos como estes:

- Quando chega o momento, não se deve retroceder ante as máximas conseqüências. O sangue tem que correr também.

Lia-se também nos jornais que o presidente Von Hindenburg, felicitara oficialmente o chanceler do Reich pela ação executada, e o presidente do conselho de ministros da Prússia, Hermann Goering.

A chefatura do partido fez todo o possível para justificar a ação executada. Isso, durante dias, terminou com um discurso de Hítler, perante o Reichtag, convocado expressamente para tal fim. Precisamente, com seus protestos de inocência, Hitler deixou entrever sua própria culpa. Um Hitler defendendo-se seria algo que não se veria mais, no futuro, nem mesmo em 1939, quando a Alemanha iniciou a guerra. Também foi chamado a apresentar sua justificativa o ministro da Justiça, Gürtner, que, não pertencendo a nenhum partido, portanto aparentemente não dependendo de Hitler, exerceu influência especial em todos os que ainda duvidavam. O fato de a Wermacht tolerar em silêncio a morte do general Schleicher despertou muita atenção. No entanto, o que mais me impressionou, a mim e a outros muitos políticos meus conhecidos, foi a atitude de Hindenburg. O marechal-de-campo da Primeira Guerra Mundial era uma autoridade venerada pela geração minha contemporânea, a de procedência burguesa. Já nos meus tempos de estudante, ele encarnava a figura do herói, firme e inflexível, da história moderna. Desde os meus dias de escola, Hindenburg tinha sido para mim a encarnação da autoridade. Saber que Hitler estava protegido pela auréola essa máxima autoridade tinha como resultado um sentimento geral de tranquilidade.

Não foi uma casualidade que a direita, representada pelo presidente do Reich, o ministro da Justiça e os generais, se colocasse ao lado de Hitler depois da intentona de Rohm. É verdade que essa direita não compartilhava do anti-semitismo radical professado por Hitler. Desprezava essa explosão de sentimentos plebeus de ódio. Seu espírito conservador nada tinha de comum com o poderio racista hitlerista. Era outra a razão dessa simpatia para com a ação de Hitler no caso de Roehm: a poderosa ala esquerda do partido, preponderantemente representada pelas SA, foi eliminada nos assassinatos de 30 de junho de 1934. A ala esquerda sentia-se ludibriada quanto aos frutos da revolução. E não sem motivo, porquanto a maioria dos seus componentes, educados para a ação revolucionária, tinha acreditado, seriamente, no suposto programa socialista propugnado por Hitler. Durante minha breve atividade em Wannsee eu observara, no plano mais baixo, como o homem simples das SA estava disposto a sofrer toda espécie de privações, a demoras, e expor-se a perigos, na perspectiva de recompensa, quando viesse o momento almejado. Quando a recompensa não veio, surgiram aborrecimentos, os descontentamentos não exteriorizados, mas que facilmente poderiam adquirir uma força altamente explosiva. Talvez a intervenção de Hitler tenha, na realidade, impedido a "segunda revolução", que Roehm estivera apregoando.

Esses argumentos apaziguavam nossas consciências. Eu e muitos outros buscavam, ansiosamente, desculpas e considerávamos normal para o mundo aquilo que, dois anos antes, teria sido para nós motivo de irritação. As dúvidas que nos importunariam eram sufocadas em seu embrião. Agora, na distância é medida por vinte anos, sinto-me consternado à lembrança da nossa reflexão, naquele tempo.

Naquele evento teve uma conseqüência para mim, expressa no encargo que recebi no dia seguinte:

- O senhor vai reformar o Palácio de Borsig com a maior rapidez possível. Quero trazer de Munique para cá os maiorais das SA, a fim de que no futuro tê-los comigo, na maior proximidade possível. Veja o local e comece logo a trabalhar.

Observei que os escritórios oficiais do vice-chanceler achavam-se nesse local. Hitler replicou com simplicidade:

- Pois que saiam logo! O senhor não tenha nenhuma consideração!

Sendo assim, dirigi-me sem perda de tempo à dependência oficial ocupada por Von Papen. É de supor que o chefe do escritório dele ignorasse tudo. Propuseram-me que esperasse alguns meses, até que se encontrassem outro local e o adaptassem. Voltei a Hitler e informei-o disso. Ele enfureceu-se. Não somente renovou a ordem para que o local fosse desocupado imediatamente, como também me autorizou a iniciar os trabalhos, sem demora, não levando em consideração a presença dos funcionários que trabalhavam no palácio.

Von Papen manteve-se alheio ao que estava ocorrendo, seus funcionários indecisos, embora prometendo que dentro de uma ou duas semanas teriam transportado toda a sua papelada para outro local. Então agi sem contemplações. Ordenei aos operários que entrassem no prédio, ainda ocupado, e começassem a retirar das paredes e dos forros os ricos florões de estuque, fazendo todo o barulho e espalhando a maior quantidade de poeira possível. A poeira no vestíbulo e nas ante-salas e o barulho penetravam pelas frinchas das portas nos lugares onde os funcionários estavam trabalhando. Esse procedimento pareceu magnífico a Hitler. Seus elogios eram acompanhados de ironias e dirigidas aos "funcionários poeirentos".

Vinte e quatro horas depois, saíam da dependência oficial do vice-chanceler os seus ocupantes. Em uma das salas vi uma grande mancha de sangue seco. Lá tinha sido assassinado, no dia 30 de junho, Herbert von Bose, um dos colaboradores de Von Papen. Desviei o olhar e desde então eu evitei entrar naquela sala.



No dia 2 de agosto, faleceu Hindenburg. No mesmo dia, Hitler encarregou-me, pessoalmente, da direção dos trabalhos necessários à celebração das exéquias, num monumento de Tannenberg, na Prússia Oriental.

Durante muito tempo, em sua marmórea rigidez, Hindenburg causara muitas dificuldades a Hitler. Eram dificuldades demasiadas, incluindo demoras, para a impaciência de Hitler, que freqüentemente recorria à astúcia ou à intriga, ou a sutilezas, para que seus argumentos fossem aceitos. Um dos lances de xadrez de Hitler consistia em enviar Funk, um prussiano oriental, na ocasião o subsecretário de Goebells, para todas as manhãs relatar ao presidente o noticiário da imprensa. Funk, possuidor daquela astúcia característica do campôneo, sabia, realmente, como misturar veneno em muitas notícias políticas, desagradáveis a Hindenburg, mas de modo que não produzissem choques emotivos no presidente.

Hitler nunca pensou, seriamente, em uma restauração da monarquia, coisa que  Hindenburg e muitos dos seus amigos políticos esperavam do novo regime. Não era raro que ele dissesse:

- Dei ordem para que continuem os pagamentos das pensões dos ministros social-democratas. não se pode recusar-lhes um mérito: o de terem liquidado a monarquia. Isto significa um grande passo à frente. Foram eles os primeiros a nos preparar o caminho. Então, iremos agora restaurar a monarquia? Viu, dividir o poder com outros? Vejam a Itália! Pensam que eu sou tolo? Os monarcas sempre se mostraram ingratos para com seus primeiros colaboradores. Temos o exemplo de Bismarck. Não, não cair nessa armadilha, por muito que os Hohenzollern mostrem-se agora amáveis.



Nos começos de 1934, Hitler surpreendeu-me com a primeira das minhas grandes tarefas. A tribuna provisória de madeira no Zeppelinfeld de Nuremberg tinha de ser substituído por uma construção de pedra. Estive muito preocupado com os primeiros desenhos, até que me acudiu uma idéia salvadora: grandes escadarias, realçadas e rematadas na parte superior por uma grande galeria, sustentada por pilares, franqueada nas duas extremidades da construção por dois bastidores de pedra, que a fechariam por ambos os lados. Não havia dúvida de que o projeto fora influenciado pelo altar de Pérgamo. A dificuldade estava na indispensável tribuna de honra, que eu tratei de situar de maneira que chamasse o menos possível a atenção, no centro da área ocupada pelas escadas.

Duvidando do meu êxito, pedi a Hitler que visse a maquete. Eu também tinha receio de desaprovação, porque o meu projeto era muito mais ambicioso do que a incumbência que me fora atribuída. A grande obra de pedra tinha um comprimento de 390 m de uma altura de 24 m. Terá mais extensa do que as termas de Caracala, em Roma, excedendo-se em 180 m, ou seja, quase o dobro.

Muito tranquilo, Hitler examinou a maquete sob todos os ângulos, comprovou com um ar de entendido a altura exata da clarabóia, sem abrir os lábios e esmiuçou os esboços e não externou nenhuma reação. Pensei que recusasse meu trabalho. Depois, tal como acontecera em nosso primeiro encontro, pronunciou um "de acordo" seco e despediu-se. Ainda não compreendi por que um homem afeiçoado a explicações prolongadas se mostrasse tão avaro de palavras em semelhantes decisões.

Quando se tratava de outros arquitetos, Hitler costumava recusar o primeiro projeto. Gostava de que corrigissem várias vezes os esboços, exigindo alteração em detalhes no decurso da execução. Não me molestou, desde quando lhe demonstrei quais eram os meus conhecimentos. Depois disso, respeitava minhas idéias e de tratava como se de algum modo que eu fosse uma pessoa situada no seu mesmo plano, como arquiteto, bem entendido.

Hitler gostava de dizer que ele construía obras para transmitir à posteridade o seu espírito e o do seu tempo. Era de opinião que, no final de contas, a única coisa que nos recorda as grandes épocas históricas são as obras monumentais. Na realidade, que restou da ação dos imperadores romanos, quando Roma dominava o mundo? Se não fossem os monumentos que eles levantaram, qual o testemunho atual da existência do daqueles homens? Afirmava que, na história de um povo, há de quando em quando períodos de debilidade. Mas, depois, as obras monumentais começam a relembrar o antigo poderio desse povo. Naturalmente não se desperta de novo uma consciência nacional somente assim. Mas quando, depois de um extenso período de decadência, desperta o sentimento de uma nova grandeza nacional, os monumentos erguidos pelos antepassados incitam-nos à renovação dos feitos do passado.

E continuava Hitler:

- Assim, as obras do antigo Império Romano permitiriam hoje a Mussolini apoiar-se no espírito da Roma heróica, se pretendesse tornar popular é a idéia de converter seu povo em um moderno império. Também as obras levantadas por nosso falariam à consciência dos alemães, nos séculos futuros.

Este argumento servia também a Hitler para sublinhar a importância e o valor de uma construção duradoura.

Os trabalhos no Zeppelinfeld começaram imediatamente, a fim de, pelo menos, estar terminada a tribuna antes da reunião do próximo congresso do partido. A extração de bondes de Nuremberg teve de ceder lugar à nova tribuna. Depois da demolição, rico ou montam um de cimento armado e notei que o material de ferro já começava a oxidar-se, sendo fácil prever a sua ulterior decomposição. Essa desolada vista deu um motivo para uma reflexão que depois expus a Hitler sob o pretensioso título de 'Teoria dos valores das ruínas de uma obra'. O ponto de partida da minha teoria foi o seguinte: as obras de construção moderna não eram muito próprias à formação da "ponte de tradições" exigida por Hitler para formar o vínculo com as futuras gerações. Era inimaginável que ruínas enferrujadas motivassem o impulso das inspirações heróicas, que Hitler admirava nos monumentos do passado. Minha "teoria" relacionava-se com o seguinte problema: o emprego de materiais especiais e a aplicação de certos princípios de estática permitiriam a construção de obras que, em uma situação de decadência, depois de centenas ou milhares de anos (esse era o nosso cálculo), se assemelhassem, mais ou menos, ao modelos da época romana.

Para dar um exemplo prático aos meus pensamentos, preparei um modelo representativo do estado em que se encontraria na tribuna do Zeppelinfeld depois de várias gerações, durante as quais tivesse sido descuidada, estando cheia de pedra, com os dois pilares derrubados, desfeitos aqui e ali os muros da construção, reconhecível todavia em seu aspecto geral. Esse modelo foi considerado uma "blasfêmia" pelos que conviviam com Hitler. Parecia-lhes incrível a idéia de eu já admitir que em meus prognósticos um período de decadência para o Reich recém-fundado: o Reich milenar. No entanto, Hitler achou lógica e clara a minha consideração; deu ordens para que, daí em diante, as obras mais importantes do seu Reich fossem construídas de acordo com essa "lei das ruínas".



Durante uma inspeção no terreno do partido, Hitler, dirigindo-se a Bormann, falando bem-humorado, exigiu que eu, daí em diante, me apresentasse com o uniforme do partido. Aqueles que pertenciam ao seu vínculo íntimo - o médico particular, o fotógrafo, que inclusive o diretor da casa Daimler-Benz - tinham já o seu uniforme. Por conseguinte, estaria deslocado um indivíduo à paisana entre tantos homens uniformizados. Essa recomendação significou que Hitler já me considerava definitivamente entre as pessoas de que se compunha o seu círculo mais íntimo. Não demonstraria seu desagrado se alguém se lhe apresentasse à paisana ou na chancelaria ou na casa de campo, pois ele mesmo preferia usar terno comum. No entanto, quando fazia viagens de inspeção ou comparecia a algum lugar, em caráter oficial - segundo sua opinião -, só o uniforme era o traje adequado. Nos começos de 1934, foi designado para o cargo de chefe de seção, no Estado-Maior do seu lugar-tenente Rudolf Hess. Alguns meses depois, Goebells atribuiu-me na mesma função, para a minha atividade relacionada com as suas reuniões de massas, no congresso do partido, na festa de ação de graças pela colheita, e no primeiro de maio.

No dia 30/01/1934, por proposta de Robert Ley, chefe da Frente Alemã do Trabalho, foi criada uma organização para o gozo do tempo livre, denominada Força Pela Alegria. Nessa entidade, eu me encarregaria da sessão Beleza do Trabalho, cuja denominação da ocasionaria não menos motivos de troça do que a outra. Força Pela Alegria. Pouco tempo antes, em uma das suas viagens à Holanda, Ley vira umas instalações para mineiros, notáveis pela escrupulosa limpeza e arredores muito bem tratados, além de jardins, na província de Limburgo. Isso satisfazia  a a sua maneira de entender as coisas, generalizando, de modo que veio a idéia de fazer com que a indústria alemã agisse no mesmo modo. Nossa primeira iniciativa foi convencer os donos de fábrica que reformassem um dos locais de trabalho e colocassem flores nas oficinas. Mas isso não nos pareceu suficiente: teriam de ser numeradas as superfícies de arejamento e instaladas cantinas. Mais de um lugar destinado antes a um depósito de detritos foi transformado em sala de estar para os intervalos entre as horas de trabalho. Estabelecemos como padrão um tipo de instalação para refeitório, simples, como o dos móveis, também feitos em grande quantidade. Recomendamos que as empresas contratassem técnicos especializados e mediante películas explicativas adquirissem conhecimentos no que diz respeito a iluminação artificial e ventilação dos locais de trabalho. Para colaborar nesses projetos, foram postos à minha disposição amigos e funcionários dos sindicatos e de alguns membros da extinta Werkbund. Todos empenharam-se a fundo na tarefa, decididos a melhorar de algum modo as condições de vida dos trabalhadores que e praticar o princípio de que uma comunidade sem classes. Para surpresa minha, Hitler mostrou pouco interesse nessas idéias. Aquele homem capaz de divagar, falando sobre detalhes de um projeto de construção, mostrou-se ostensivamente, indiferente a a minha exposição de realizações no campo social. O embaixador britânico em Berlim dava mais importância a essas atividades do que Hitler.

Tive de agradecer aos meus cargos oficiais, na primavera de 1934, o primeiro convite para uma recepção oficial noturna, oferecida por Hitler, como chefe do partido, e à qual também foram convidadas mulheres. Fomos dispostos em grupos de seis a oito pessoas, em mesas redondas, no grande refeitório do domicílio do chanceler. Hitler andou de mesa em mesa, dizendo frases amáveis e fazendo-se apresentar às senhoras. Quando veio à nossa mesa, apresentei-lhe a minha esposa, da qual aliás não lhe tinha falado antes.

Alguns dias mais tarde, em uma reunião reservada, que ele perguntou-me impressionado:

- Por que nos privou tanto tempo da presença de sua senhora?

Certamente, entre outros motivos, o que mais se influíra em minhas reservas, quanto à apresentação de minha esposa, motivo que não era um último, fora que eu sentia aversão á maneira como Hitler tratava sua amante. Ademais, na minha opinião, cabia ao seu ajudante-de-ordens uma compreensão do que fosse etiqueta. No final das contas, sua modesta origem de pequeno burguês refletia-se na conduta dos seus ajudantes-de-ordens e auxiliares imediatos.

Dirigindo-se à minha esposa, naquela noite em que a viu, pela primeira vez, disse-lhe num tom em que havia algo de solene:

- O seu esposo levantará para mim obras como se não se tem construído há quatro mil anos.



Todos os anos, celebrava-se no Zeppelinfeld uma cerimônia na qual participava o corpo dos funcionários médios e modestos do partido. Se as SA, a Frente de Trabalho, e, naturalmente também a Wehrmacht produziam grande impressão em Hitler e nos assistentes, durante as suas demonstrações de massa, pela perfeita disciplina, era de fato é difícil apresentar de maneira apreciável à gente composta de funcionários do partido. 70 A maioria tinha transformado em volumosas barrigas os pequenos prebendas que o usufruiu. Não se podia fazer que eles marchassem em filas exatamente alinhadas. Ascensão organizadora dos congressos do partido esteve discutindo essa desagradável situação, que já dera motivo a irônicas observações de Hitler. Eu tive então uma idéia salvadora:

- Façamos então que eles marchem no escuro.

Expus meus planos aos chefes da organização do congresso do partido. À noite, os milhares de bandeiras de todos os grupos comunais da Alemanha seriam dispostos por trás dos altos muros do campo. Quando se eu visse uma voz de comando, elas se distribuíam em dez colunas, entre funcionários do partido, que dispersando-se assim por um número igual de divisões do campo. Ao mesmo tempo, as bandeiras e as brilhantes águias que as encimavam teriam de receber a luz projetada por dez potentes holofotes. Só isso já seria o suficiente para se obter um efeito impressionante. Mas não me pareceu suficiente. Já tivera ocasião de ter feito os nossos novos holofotes antiaéreos que me tinham um jato luminoso que alcançava muitos quilômetros de altura. Solicitei a Hitler que me fossem emprestados cento e trinta daqueles holofotes. Goering, a princípio, o pos algumas dificuldades, pois se tratava da parte mais importante da reserva estratégica. Mas Hitler conseguiu convencê-lo:

- Se montarmos ali um número tão grande de holofotes, pensarão no estrangeiro que dispomos de milhares de tais aparelhos.

A impressão excedeu a minha fantasia. Os feixes luminosos dos cento e trinta luminosos, dispostos em torno do campo, à distância de 12 metros um do outro, erguiam-se até 6 a 8 km de altura e, naquelas alturas, espalhavam-se formando uma superfície luminosa. Assim, houve a impressão de um espaço gigantesco, um que os jatos de cada projetor pareciam pilares de paredes infinitamente altas. A coroa luminosa, de vez em quando, era sulcada de nuvens, acrescentando ao grandioso efeito de irrealidade surrealista. Creio que com aquela "catedral de luz" foi criada a primeira arquitetura luminosa daquele tipo. Para mim continua sendo não somente a minha mais formosa como também a minha única criação especial que, à sua maneira, sobreviveu à passagem do tempo. "Solene e formosa ao mesmo tempo, como se estivéssemos dentro de um catedral de gelo", foram as palavras do embaixador do britânico, Henderson.

Os dignatário, ministros do Reich, chefes nacionais, chefes regionais não podiam ser relegados a uma posição secundária quando havia colocação de primeira pedra, embora tais dignatários tivessem um aspecto do não menos carecido de atrativos. Eram com dificuldade postos em fila pelos organizadores impacientes. Quando chegava Hitler, uma voz de comando ordenava que toda a gente ficasse em posição de sentido e levantasse o braço para a saudação nazista. Durante a colocação da primeira pedra da Sala de Congressos de Nuremberg, Hítler viu-me na segunda fila e interrompeu a cerimônia solene para estender-me a mão. Fiquei tão impressionado por aquele que seu gesto, que não era habitual, que deixei cair a minha mão, levantada para a salvação, sobre a calva do chefe regional da Francônia, Streicher.

Durante o congresso do partido em Nuremberg, Hitler permanecia quase invisível, recolhendo-se aos aposentos para a redação dos seus discursos, quando não visitasse alguma das numerosas reuniões. Um motivo de especial satisfação pra ele era ver cada ano aumentar o número de delegações estrangeiras, mormente quando procediam dos países do democrático Ocidente. Durante os almoços apressados, ele informava-se dos nomes dos seus membros e que satisfazia-se com o crescente interesse da auto-representação da Alemanha nacional-socialista.

Também em no Nuremberg eu tive um osso duro de roer. Era minha a responsabilidade de ornamentação de todos os edifícios em que Hitler se apresentava, no decurso do congresso do partido. Com "decorador-chefe" eu tinha de agir no sentido de tudo estar pronto um pouco antes do começo da cerimônia, a fim de, logo depois, preparar a cerimônia seguinte, e isso com a maior rapidez. Eu gostava das bandeiras e utilizava-as sempre que possível. Assim, eu introduzia motivos coloridos na arquitetura de pedra. Para mim foi útil a bandeira com a suástica, ideada por Hitler, pois se adaptava mais ao emprego em arquitetura do que uma bandeira com três faixas coloridas.

Essa minha atividade não me permitia estar presente em nenhuma das reuniões presididas por Hitler, excetuando-se quando ele proferia os seus "discursos culturais", que ele dizia serem o ápice da sua oratória. Hitler preparava-os Obersaltzberg. Naquela época, eu admirava tais discursos. Certamente, na minha opinião, muito mais pelo conteúdo pensado do que pelo brilho da sua retórica. Quando entrei em Spandau, pretendia relê-los quando voltasse à liberdade. Eu supunha encontrar neles algo do meu antigo mundo, que não me repelira. Vi-me porém desiludido. Os discursos tinha um significado muito para mim, naquela época. Agora estão vazios de sentido, sendo superficiais e vãos. Esses discursos permitem ver, claramente, o afã de Hitler em utilizar-se, para seus próprios objetivos de poder, no conceito de cultura, dando a esta palavra um significado inteiramente oposto ao seu genuíno. Não pude compreender por que as palavras de Hitler de e impressionaram tão profundamente naquele tempo. A que se devia isso?

Também jamais eu deixaria de estar presente à inauguração dos congressos do partido, que se abriam com a execução de Os mestres cantores de Nuremberg pelo conjunto coral da Ópera de Berlim, sob a direção de Furtwängler. É de se supor, facilmente, que essas noites de gala só teriam outras iguais em Bayreuth, sendo, portanto, concorridíssimas. Mais de mil personalidades do partido recebiam ingressos e convites, mas preferiam ver qual era a qualidade da cerveja de Nuremberg ou do vinho da Francônia. Procedendo assim, provavelmente todos pensariam que os demais cumpriam com o dever inerente à sua categoria no partido, assistindo à representação lírica. Mas, na verdade, era uma lenda o interesse da elite do partido na parte musical. Na generalidade, os seus representantes eram tipos vulgares, anódinos, com muito pouca disposição à música clássica, à arte e à literatura. Também os poucos representantes do mundo intelectual existente eles no âmbito de Hitler, como, por exemplo, Goebells, não compareciam aos concertos que a Filarmônica de Berlim executava, regularmente, sobre a direção de Furtwängler. Para tais ocasiões só se podia contar com Frick, ministro do Interior. Hitler, que parecia entusiasmado pela música, depois de 1933 somente em determinados atos oficiais comparecia aos concertos da Filarmônica de Berlim.

Compreende-se portanto que o Teatro da Ópera de Nuremberg estivesse quase vazio quando Hitler entrou no camarote central, por ocasião daquela apresentação de Os mestres cantores de Nuremberg em 1933. Hitler reagiu aborrecido, pois, em sua opinião, nada havia mais ofensivo e mais incômodo para um artista do que apresentar-se em um local inteiramente vazio. Hitler ordenou que patrulhas fossem percorrer as cervejarias de lugares de venda de vinhos para trazer nem ao teatro os altos funcionários do partido. Apesar disso, o teatro não ficou lotado.

No ano seguinte, Hitler deu ordem expressa a tais personalidades desinteressadas de teatro para que comparecessem à solenidade de inauguração do congresso. Apareceram com um semblante aborrecido, muitos sonolentos. Na opinião de Hitler, os aplausos fracos não corresponderam ao valor da brilhante execução da peça. Desde 1935, aquelas figuras do partido, indolente sob o ponto de vista artístico, foram substituídas por um público civil, que pagava alto preço pelas entradas. Pela primeira vez, entretanto, se tinha conseguido o ambiente imprescindível ao artista e os aplausos exigidos por Hitler.

Altas horas da noite, depois dos preparativos, eu entrava em meu aposento (no Hotel Deutscher Hof), reservado para o Estado-Maior de Hitler, chefes nacionais e chefes regionais. Eles escandalizavam, bebendo como cossacos, falando em voz alta da traição do partido aos fundamentos da revolução e aos trabalhadores. Isso indicava que as idéias de Gregor Strasser, antigo dirigente da ala anticapitalista dentro do NASDAP, continuavam inesquecidas, embora reduzidas tão-somente a palavras. E somente sob o influxo do álcool é que voltavam a sentir o antigo impulso revolucionário.

No congresso celebrado pelo partido tem 1934 houve pela primeira vez, na presença de Hitler, um simulacro de batalha. Naquela mesma noite, Hitler visitou oficialmente o acampamento militar. Tendo sido cabo, pareceu achar-se de novo em um mundo que lhe era familiar. Aproximava-se um dos soldados, em redor das fogueiras do acampamento, via-se rodeado por eles, e ouviam-se gracejos aqui e ali. Hitler voltou dessa inspeção com muito satisfeito e falou a respeito durante a ligeira refeição logo depois.

Mas o Alto-Comando do Exército não ficou contente. Hossbach, ajudante-de-ordens do comandante-chefe, falou de "falta de disciplina" dos soldados, que tinham esquecido diante do chefe do Estado a posição de sentido que lhes tinha sido ordenada. E insistiu em proibir no ano seguinte tais familiaridades, contrárias à dignidade do chefe do Estado. Hitler, em particular, mostrou-se aborrecido por essa crítica, mas disposto a obedecer.

Durante os preparativos dos congressos do partido, encontrei-me com a mulher que já me tinha impressionado, quando eu era estudante: Leni Riefenstahl, estrela ou diretora de filmes relacionados com a montanha e o esqui. Essa mulher tinha sido encarregada por Hitler de filmar os congresso do partido. Sendo a única mulher com um cargo oficial, nos quadros do partido, freqüentemente criticava sua organização, o que quase desencadeiava uma revolta contra ela. Segura de si mesma, ela constituía uma provocação aos chefes políticos de um movimento que por tradição era inimigo das mulher disse que, porquanto a mulher destemida governa, sem rodeios, o mundo masculino, tendo um olhar dirigido aos seus objetivos particulares. Urdiram-se intrigas, contaram a Hess casos infamantes para fim de provocar a queda daquela criatura. Mas os ataque cessaram depois do primeiro filme de um congresso do partido, o qual convenceu os corifeus de Hitler à capacidade de Leni Riefenstahl como diretora cinematográfica.

Quando tive contato com ela, Leni tirou de uma carteira um recorte amarelado de jornal, dizendo-me:

- Quando, há três anos, o senhor reformou a chefatura regional, recortei sua fotografia, estampada em um jornal, embora não o conhecesse.

Perguntei-lhe surpreso, qual o motivo daquilo, e ela respondeu:

- Pensei que o senhor, com essa cabeça, pudesse interpretar um papel em um dos meus filmes.

Recordo também que as filmagens de uma das reuniões solene do congresso do partido em 1935 ficaram inutilizadas. Leni Riefenstahl propôs e Hitler ordenou que as cenas se repetissem no estúdio cinematográfico. Em um dos grandes estúdios de Berlin-Johannestal. Utilizei como cenário uma sessão das casas do congresso. Streicher, Rosemberg e Frank tiveram de decorar os seus papéis, e quando Hess chegou pediu-se-lhe que fosse o primeiro a aparecer para ser filmado. O lugar-tenente de Hitler, solenemente, levantou o braço, como se estivesse diante dos trinta mil ouvintes do congresso do partido e, com a emoção e dramaticidade que o caracterizavam, começou a falar em direção ao lugar que aliás não estava Hitler, e adotando a posição de "sentido" disse em alta voz:

- Meu Führer, eu o saúdo em nome do congresso do partido. O congresso prossegue. Fala o Führer!

Enquanto representava, ele demonstrava uma expressão tão convincente que, a partir daquele momento, eu  duvidei da autenticidade dos seus sentimentos. Também os outros três homens, no vazio da sala de filmagem, desempenharam seu papel de maneira ajustada à verdade, demonstrando possuírem dotes de verdadeiros atores.

Sem dúvida eu já admirara a cuidadosa técnica, quando Hitler, por exemplo, ia tateando com freqüência as suas reuniões, até o momento preciso de provocação do primeiro aplauso. Nem por isso eu deixava de reconhecer o elemento demagógico, para o qual eu contribuía com a decoração dos lugares onde se realizavam reuniões mais importantes. Mas, até então, eu estivera convencido da autenticidade dos sentimentos com que os moradores suscitam o entusiasmo da massa. Portanto, foi para mim, naquele dia, surpreendente o fato de ver que a arte de enfeitiçamento das massas pudesse ser representada "autenticamente" sem a presença de um público, tal como eu vira no estúdio de Johannestal.


[1] Dia do Exército na Alemanha, após a II Guerra Mundial, data em que foi tentado um golpe de Estado para assassinar Hitler, tomar o poder na Alemanha e terminar imediatamente com as hostilidades. Foi liderada pelo Coronel Stauffenberg.