Albert Speer - Por dentro do III Reich (05) - parte I
Capítulo cinco -
Megalomania edificada
Durante muito tempo
pareceu que Hitler tencionava encarregar-se pessoalmente do escritório de
Troost. Receava que os projetos não continuassem sendo realizados com a
sensibilidade e características dos pensamentos do falecido.
Disse, finalmente:
- O melhor será que
eu tome pessoalmente a direção.
No final de contas,
essa intenção não era mais estranha do que a manifestada posteriormente, ao
tomar nas suas mãos a chefia suprema do Exército.
No decurso de
algumas semanas, sentiu-se atraído pelo pensamento de ser chefe de um
escritório de arquiteto, bem instalado. Já durante as viagens a Munique
costumava freqüentemente pensar nisso, falando sobre projetos, para uma hora
depois ir sentar-se à prancha de desenho do verdadeiro chefe do escritório,
Gall, homem simples e honrado, que defendeu com inesperada tenacidade a obra de
Troost, rejeitando os esboços de Hitler, no começo muito minuciosos.
Hitler depositou
confiança em Galle não tardou em deixar, tacitamente, seus propostos, ao
verificar o valor daquele desenhista.
Ele continuou
mantendo estreitas relações com a esposa do falecido arquiteto, à qual estava
unido por grande amizade. Era uma senhora de sensibilidade, de bom gosto e
caráter, que defendia suas opiniões com mais tenacidade do que muitos homens
providos de cargos oficiais e dignidades. Combateu Bonatz, bastante imprudente
para opinar, abertamente, contra a configuração dada por Troost à Koenigsplatz,
de Munique. Opôs-se também aos arquitetos modernos Vorhoelzer e Abel, seus
pontos de vista coincidindo com os de Hitler. Por outro lado, aproximava Hitler
de arquitetos daquela cidade, escolhidos por ela, ou repelia ou elogiava
artistas e eventos artísticos. Chegou a influir sobre Hitler, ao ponto de este,
freqüentemente, tomá-la por juíza artístico, no âmbito municipal.
Mas, infelizmente, não
ocorria o mesmo no campo da pintura. Hitler encarregava seu fotógrafo Hoffman
de efetuar a primeira inspeção dos quadros enviados à Grande Exposição
Artística anual. A esposa do falecido Troost, freqüentemente, criticava a
unilateralidade daquela escolha. Mas nesse terreno Hitler não dava o braço a
torcer, por isso ela não tardou em renunciar a tomar parte dessas inspeções.
Eu estava em Berlim,
quando houve o 'Putsch' de Roehm. A tensão dos ânimos dominava a cidade. No
jardim zoológico estavam soldados equipados como se fossem iniciar uma campanha
a qualquer momento. A polícia, armado de fuzis, percorria em caminhões as ruas
e com o ambiente estava muito "Rarefeito", semelhante ao do dia
20/07/1944[1], que
eu também passei na capital do Reich.
No dia seguinte
Goering foi considerado o salvador da situação em Berlim. Quase ao meio-dia,
terminada a operação de "limpeza", Hitler regressou à capital, e eu
recebi uma chamada telefônica:
- O senhor tem
alguns desenhos, quaisquer que sejam? Traga-os, imediatamente.
Isso indicava que
pretendiam afastar a atenção de Hítler para assuntos relacionados com a
arquitetura. Ele estava muito nervoso e, segundo penso ainda hoje, acreditando
que tinha saído são e salvo de um grande perigo. Durante dias, repetia a sua
narrativa de como entrara no Hotel Halsenmayer, de Wiessee, sem esquecer para
referências à sua coragem.
- Não estávamos
armados, nem sabiam se teríamos de enfrentar guardas com armas.
Também dizia que
sentira nojo ante a ambiência de homossexualidade que lá encontrara.
- Em um dos quartos,
surpreendêramos dois jovens inteiramente despidos.
E evidentemente,
estava convencido de ter sido ele, com sua intervenção pessoal, a quem salvou a
situação, impedindo a catástrofe no último momento.
- Eu era a única
pessoa que podia resolver aquilo! Eu, ninguém mais!
As pessoas da sua
roda insuflavam a aversão ao fuzilado chefe das SA, salientando todos detalhes
imagináveis com relação à vida íntima de Roehm e seus correligionários.
Brückner mostrou a Hitler minutas das bombachas organizadas por aqueles
indivíduos, encontradas no quartel general das SA. Delas constavam pratos
esquisitos, vindos do estrangeiro: coxas de rã, línguas de pássaros, ovos de
gaivotas, além de vinhos franceses e champanhe das melhores marcas. Examinando
esses cardápios, Hitler comentou, ironicamente:
- Bem! Aqui temos
esses revolucionários! Que no entanto diziam que a nossa revolução era muito
lenta para eles!
Regressou altamente
satisfeito da ida ao presidente do Reich. Segundo disse, Hindenburg aprovava
sua maneira de agir, exprimindo-se em termos mais ou menos como estes:
- Quando chega o
momento, não se deve retroceder ante as máximas conseqüências. O sangue tem que
correr também.
Lia-se também nos
jornais que o presidente Von Hindenburg, felicitara oficialmente o chanceler do
Reich pela ação executada, e o presidente do conselho de ministros da Prússia,
Hermann Goering.
A chefatura do
partido fez todo o possível para justificar a ação executada. Isso, durante
dias, terminou com um discurso de Hítler, perante o Reichtag, convocado
expressamente para tal fim. Precisamente, com seus protestos de inocência, Hitler
deixou entrever sua própria culpa. Um Hitler defendendo-se seria algo que não
se veria mais, no futuro, nem mesmo em 1939, quando a Alemanha iniciou a
guerra. Também foi chamado a apresentar sua justificativa o ministro da
Justiça, Gürtner, que, não pertencendo a nenhum partido, portanto aparentemente
não dependendo de Hitler, exerceu influência especial em todos os que ainda
duvidavam. O fato de a Wermacht tolerar em silêncio a morte do general
Schleicher despertou muita atenção. No entanto, o que mais me impressionou, a
mim e a outros muitos políticos meus conhecidos, foi a atitude de Hindenburg. O
marechal-de-campo da Primeira Guerra Mundial era uma autoridade venerada pela
geração minha contemporânea, a de procedência burguesa. Já nos meus tempos de
estudante, ele encarnava a figura do herói, firme e inflexível, da história
moderna. Desde os meus dias de escola, Hindenburg tinha sido para mim a
encarnação da autoridade. Saber que Hitler estava protegido pela auréola essa
máxima autoridade tinha como resultado um sentimento geral de tranquilidade.
Não foi uma
casualidade que a direita, representada pelo presidente do Reich, o ministro da
Justiça e os generais, se colocasse ao lado de Hitler depois da intentona de
Rohm. É verdade que essa direita não compartilhava do anti-semitismo radical
professado por Hitler. Desprezava essa explosão de sentimentos plebeus de ódio.
Seu espírito conservador nada tinha de comum com o poderio racista hitlerista.
Era outra a razão dessa simpatia para com a ação de Hitler no caso de Roehm: a
poderosa ala esquerda do partido, preponderantemente representada pelas SA, foi
eliminada nos assassinatos de 30 de junho de 1934. A ala esquerda sentia-se
ludibriada quanto aos frutos da revolução. E não sem motivo, porquanto a
maioria dos seus componentes, educados para a ação revolucionária, tinha
acreditado, seriamente, no suposto programa socialista propugnado por Hitler.
Durante minha breve atividade em Wannsee eu observara, no plano mais baixo,
como o homem simples das SA estava disposto a sofrer toda espécie de privações,
a demoras, e expor-se a perigos, na perspectiva de recompensa, quando viesse o
momento almejado. Quando a recompensa não veio, surgiram aborrecimentos, os
descontentamentos não exteriorizados, mas que facilmente poderiam adquirir uma
força altamente explosiva. Talvez a intervenção de Hitler tenha, na realidade,
impedido a "segunda revolução", que Roehm estivera apregoando.
Esses argumentos
apaziguavam nossas consciências. Eu e muitos outros buscavam, ansiosamente,
desculpas e considerávamos normal para o mundo aquilo que, dois anos antes,
teria sido para nós motivo de irritação. As dúvidas que nos importunariam eram
sufocadas em seu embrião. Agora, na distância é medida por vinte anos, sinto-me
consternado à lembrança da nossa reflexão, naquele tempo.
Naquele evento teve
uma conseqüência para mim, expressa no encargo que recebi no dia seguinte:
- O senhor vai
reformar o Palácio de Borsig com a maior rapidez possível. Quero trazer de
Munique para cá os maiorais das SA, a fim de que no futuro tê-los comigo, na
maior proximidade possível. Veja o local e comece logo a trabalhar.
Observei que os
escritórios oficiais do vice-chanceler achavam-se nesse local. Hitler replicou
com simplicidade:
- Pois que saiam
logo! O senhor não tenha nenhuma consideração!
Sendo assim,
dirigi-me sem perda de tempo à dependência oficial ocupada por Von Papen. É de
supor que o chefe do escritório dele ignorasse tudo. Propuseram-me que
esperasse alguns meses, até que se encontrassem outro local e o adaptassem.
Voltei a Hitler e informei-o disso. Ele enfureceu-se. Não somente renovou a
ordem para que o local fosse desocupado imediatamente, como também me autorizou
a iniciar os trabalhos, sem demora, não levando em consideração a presença dos
funcionários que trabalhavam no palácio.
Von Papen manteve-se
alheio ao que estava ocorrendo, seus funcionários indecisos, embora prometendo
que dentro de uma ou duas semanas teriam transportado toda a sua papelada para
outro local. Então agi sem contemplações. Ordenei aos operários que entrassem
no prédio, ainda ocupado, e começassem a retirar das paredes e dos forros os
ricos florões de estuque, fazendo todo o barulho e espalhando a maior
quantidade de poeira possível. A poeira no vestíbulo e nas ante-salas e o
barulho penetravam pelas frinchas das portas nos lugares onde os funcionários
estavam trabalhando. Esse procedimento pareceu magnífico a Hitler. Seus elogios
eram acompanhados de ironias e dirigidas aos "funcionários
poeirentos".
Vinte e quatro horas
depois, saíam da dependência oficial do vice-chanceler os seus ocupantes. Em
uma das salas vi uma grande mancha de sangue seco. Lá tinha sido assassinado,
no dia 30 de junho, Herbert von Bose, um dos colaboradores de Von Papen. Desviei
o olhar e desde então eu evitei entrar naquela sala.
No dia 2 de agosto,
faleceu Hindenburg. No mesmo dia, Hitler encarregou-me, pessoalmente, da
direção dos trabalhos necessários à celebração das exéquias, num monumento de
Tannenberg, na Prússia Oriental.
Durante muito tempo,
em sua marmórea rigidez, Hindenburg causara muitas dificuldades a Hitler. Eram
dificuldades demasiadas, incluindo demoras, para a impaciência de Hitler, que
freqüentemente recorria à astúcia ou à intriga, ou a sutilezas, para que seus
argumentos fossem aceitos. Um dos lances de xadrez de Hitler consistia em
enviar Funk, um prussiano oriental, na ocasião o subsecretário de Goebells,
para todas as manhãs relatar ao presidente o noticiário da imprensa. Funk,
possuidor daquela astúcia característica do campôneo, sabia, realmente, como
misturar veneno em muitas notícias políticas, desagradáveis a Hindenburg, mas
de modo que não produzissem choques emotivos no presidente.
Hitler nunca pensou,
seriamente, em uma restauração da monarquia, coisa que Hindenburg e muitos dos seus amigos políticos
esperavam do novo regime. Não era raro que ele dissesse:
- Dei ordem para que
continuem os pagamentos das pensões dos ministros social-democratas. não se
pode recusar-lhes um mérito: o de terem liquidado a monarquia. Isto significa
um grande passo à frente. Foram eles os primeiros a nos preparar o caminho.
Então, iremos agora restaurar a monarquia? Viu, dividir o poder com outros?
Vejam a Itália! Pensam que eu sou tolo? Os monarcas sempre se mostraram
ingratos para com seus primeiros colaboradores. Temos o exemplo de Bismarck.
Não, não cair nessa armadilha, por muito que os Hohenzollern mostrem-se agora
amáveis.
Nos começos de 1934,
Hitler surpreendeu-me com a primeira das minhas grandes tarefas. A tribuna
provisória de madeira no Zeppelinfeld de Nuremberg tinha de ser substituído por
uma construção de pedra. Estive muito preocupado com os primeiros desenhos, até
que me acudiu uma idéia salvadora: grandes escadarias, realçadas e rematadas na
parte superior por uma grande galeria, sustentada por pilares, franqueada nas
duas extremidades da construção por dois bastidores de pedra, que a fechariam
por ambos os lados. Não havia dúvida de que o projeto fora influenciado pelo
altar de Pérgamo. A dificuldade estava na indispensável tribuna de honra, que
eu tratei de situar de maneira que chamasse o menos possível a atenção, no
centro da área ocupada pelas escadas.
Duvidando do meu
êxito, pedi a Hitler que visse a maquete. Eu também tinha receio de
desaprovação, porque o meu projeto era muito mais ambicioso do que a
incumbência que me fora atribuída. A grande obra de pedra tinha um comprimento
de 390 m de uma altura de 24 m. Terá mais extensa do que as termas de Caracala,
em Roma, excedendo-se em 180 m, ou seja, quase o dobro.
Muito tranquilo, Hitler
examinou a maquete sob todos os ângulos, comprovou com um ar de entendido a
altura exata da clarabóia, sem abrir os lábios e esmiuçou os esboços e não
externou nenhuma reação. Pensei que recusasse meu trabalho. Depois, tal como
acontecera em nosso primeiro encontro, pronunciou um "de acordo" seco
e despediu-se. Ainda não compreendi por que um homem afeiçoado a explicações
prolongadas se mostrasse tão avaro de palavras em semelhantes decisões.
Quando se tratava de
outros arquitetos, Hitler costumava recusar o primeiro projeto. Gostava de que
corrigissem várias vezes os esboços, exigindo alteração em detalhes no decurso
da execução. Não me molestou, desde quando lhe demonstrei quais eram os meus
conhecimentos. Depois disso, respeitava minhas idéias e de tratava como se de
algum modo que eu fosse uma pessoa situada no seu mesmo plano, como arquiteto,
bem entendido.
Hitler gostava de dizer
que ele construía obras para transmitir à posteridade o seu espírito e o do seu
tempo. Era de opinião que, no final de contas, a única coisa que nos recorda as
grandes épocas históricas são as obras monumentais. Na realidade, que restou da
ação dos imperadores romanos, quando Roma dominava o mundo? Se não fossem os
monumentos que eles levantaram, qual o testemunho atual da existência do
daqueles homens? Afirmava que, na história de um povo, há de quando em quando
períodos de debilidade. Mas, depois, as obras monumentais começam a relembrar o
antigo poderio desse povo. Naturalmente não se desperta de novo uma consciência
nacional somente assim. Mas quando, depois de um extenso período de decadência,
desperta o sentimento de uma nova grandeza nacional, os monumentos erguidos
pelos antepassados incitam-nos à renovação dos feitos do passado.
E continuava Hitler:
- Assim, as obras do
antigo Império Romano permitiriam hoje a Mussolini apoiar-se no espírito da
Roma heróica, se pretendesse tornar popular é a idéia de converter seu povo em
um moderno império. Também as obras levantadas por nosso falariam à consciência
dos alemães, nos séculos futuros.
Este argumento
servia também a Hitler para sublinhar a importância e o valor de uma construção
duradoura.
Os trabalhos no
Zeppelinfeld começaram imediatamente, a fim de, pelo menos, estar terminada a
tribuna antes da reunião do próximo congresso do partido. A extração de bondes
de Nuremberg teve de ceder lugar à nova tribuna. Depois da demolição, rico ou
montam um de cimento armado e notei que o material de ferro já começava a
oxidar-se, sendo fácil prever a sua ulterior decomposição. Essa desolada vista
deu um motivo para uma reflexão que depois expus a Hitler sob o pretensioso
título de 'Teoria dos valores das ruínas
de uma obra'. O ponto de partida da minha teoria foi o seguinte: as obras
de construção moderna não eram muito próprias à formação da "ponte de
tradições" exigida por Hitler para formar o vínculo com as futuras
gerações. Era inimaginável que ruínas enferrujadas motivassem o impulso das
inspirações heróicas, que Hitler admirava nos monumentos do passado. Minha
"teoria" relacionava-se com o seguinte problema: o emprego de materiais
especiais e a aplicação de certos princípios de estática permitiriam a
construção de obras que, em uma situação de decadência, depois de centenas ou
milhares de anos (esse era o nosso cálculo), se assemelhassem, mais ou menos,
ao modelos da época romana.
Para dar um exemplo
prático aos meus pensamentos, preparei um modelo representativo do estado em
que se encontraria na tribuna do Zeppelinfeld depois de várias gerações,
durante as quais tivesse sido descuidada, estando cheia de pedra, com os dois
pilares derrubados, desfeitos aqui e ali os muros da construção, reconhecível
todavia em seu aspecto geral. Esse modelo foi considerado uma "blasfêmia"
pelos que conviviam com Hitler. Parecia-lhes incrível a idéia de eu já admitir
que em meus prognósticos um período de decadência para o Reich recém-fundado: o
Reich milenar. No entanto, Hitler achou lógica e clara a minha consideração;
deu ordens para que, daí em diante, as obras mais importantes do seu Reich
fossem construídas de acordo com essa "lei das ruínas".
Durante uma inspeção
no terreno do partido, Hitler, dirigindo-se a Bormann, falando bem-humorado,
exigiu que eu, daí em diante, me apresentasse com o uniforme do partido.
Aqueles que pertenciam ao seu vínculo íntimo - o médico particular, o fotógrafo,
que inclusive o diretor da casa Daimler-Benz - tinham já o seu uniforme. Por
conseguinte, estaria deslocado um indivíduo à paisana entre tantos homens
uniformizados. Essa recomendação significou que Hitler já me considerava
definitivamente entre as pessoas de que se compunha o seu círculo mais íntimo.
Não demonstraria seu desagrado se alguém se lhe apresentasse à paisana ou na
chancelaria ou na casa de campo, pois ele mesmo preferia usar terno comum. No
entanto, quando fazia viagens de inspeção ou comparecia a algum lugar, em
caráter oficial - segundo sua opinião -, só o uniforme era o traje adequado.
Nos começos de 1934, foi designado para o cargo de chefe de seção, no
Estado-Maior do seu lugar-tenente Rudolf Hess. Alguns meses depois, Goebells
atribuiu-me na mesma função, para a minha atividade relacionada com as suas
reuniões de massas, no congresso do partido, na festa de ação de graças pela
colheita, e no primeiro de maio.
No dia 30/01/1934,
por proposta de Robert Ley, chefe da Frente Alemã do Trabalho, foi criada uma
organização para o gozo do tempo livre, denominada Força Pela Alegria. Nessa
entidade, eu me encarregaria da sessão Beleza do Trabalho, cuja denominação da
ocasionaria não menos motivos de troça do que a outra. Força Pela Alegria. Pouco
tempo antes, em uma das suas viagens à Holanda, Ley vira umas instalações para
mineiros, notáveis pela escrupulosa limpeza e arredores muito bem tratados,
além de jardins, na província de Limburgo. Isso satisfazia a a sua maneira de entender as coisas,
generalizando, de modo que veio a idéia de fazer com que a indústria alemã
agisse no mesmo modo. Nossa primeira iniciativa foi convencer os donos de
fábrica que reformassem um dos locais de trabalho e colocassem flores nas
oficinas. Mas isso não nos pareceu suficiente: teriam de ser numeradas as
superfícies de arejamento e instaladas cantinas. Mais de um lugar destinado
antes a um depósito de detritos foi transformado em sala de estar para os
intervalos entre as horas de trabalho. Estabelecemos como padrão um tipo de
instalação para refeitório, simples, como o dos móveis, também feitos em grande
quantidade. Recomendamos que as empresas contratassem técnicos especializados e
mediante películas explicativas adquirissem conhecimentos no que diz respeito a
iluminação artificial e ventilação dos locais de trabalho. Para colaborar
nesses projetos, foram postos à minha disposição amigos e funcionários dos
sindicatos e de alguns membros da extinta Werkbund. Todos empenharam-se a fundo
na tarefa, decididos a melhorar de algum modo as condições de vida dos
trabalhadores que e praticar o princípio de que uma comunidade sem classes.
Para surpresa minha, Hitler mostrou pouco interesse nessas idéias. Aquele homem
capaz de divagar, falando sobre detalhes de um projeto de construção,
mostrou-se ostensivamente, indiferente a a minha exposição de realizações no
campo social. O embaixador britânico em Berlim dava mais importância a essas
atividades do que Hitler.
Tive de agradecer
aos meus cargos oficiais, na primavera de 1934, o primeiro convite para uma
recepção oficial noturna, oferecida por Hitler, como chefe do partido, e à qual
também foram convidadas mulheres. Fomos dispostos em grupos de seis a oito
pessoas, em mesas redondas, no grande refeitório do domicílio do chanceler. Hitler
andou de mesa em mesa, dizendo frases amáveis e fazendo-se apresentar às senhoras.
Quando veio à nossa mesa, apresentei-lhe a minha esposa, da qual aliás não lhe
tinha falado antes.
Alguns dias mais
tarde, em uma reunião reservada, que ele perguntou-me impressionado:
- Por que nos privou
tanto tempo da presença de sua senhora?
Certamente, entre
outros motivos, o que mais se influíra em minhas reservas, quanto à
apresentação de minha esposa, motivo que não era um último, fora que eu sentia aversão
á maneira como Hitler tratava sua amante. Ademais, na minha opinião, cabia ao
seu ajudante-de-ordens uma compreensão do que fosse etiqueta. No final das
contas, sua modesta origem de pequeno burguês refletia-se na conduta dos seus ajudantes-de-ordens
e auxiliares imediatos.
Dirigindo-se à minha
esposa, naquela noite em que a viu, pela primeira vez, disse-lhe num tom em que
havia algo de solene:
- O seu esposo
levantará para mim obras como se não se tem construído há quatro mil anos.
Todos os anos,
celebrava-se no Zeppelinfeld uma cerimônia na qual participava o corpo dos
funcionários médios e modestos do partido. Se as SA, a Frente de Trabalho, e,
naturalmente também a Wehrmacht produziam grande impressão em Hitler e nos
assistentes, durante as suas demonstrações de massa, pela perfeita disciplina,
era de fato é difícil apresentar de maneira apreciável à gente composta de
funcionários do partido. 70 A maioria tinha transformado em volumosas barrigas
os pequenos prebendas que o usufruiu. Não se podia fazer que eles marchassem em
filas exatamente alinhadas. Ascensão organizadora dos congressos do partido
esteve discutindo essa desagradável situação, que já dera motivo a irônicas
observações de Hitler. Eu tive então uma idéia salvadora:
- Façamos então que
eles marchem no escuro.
Expus meus planos
aos chefes da organização do congresso do partido. À noite, os milhares de
bandeiras de todos os grupos comunais da Alemanha seriam dispostos por trás dos
altos muros do campo. Quando se eu visse uma voz de comando, elas se
distribuíam em dez colunas, entre funcionários do partido, que dispersando-se
assim por um número igual de divisões do campo. Ao mesmo tempo, as bandeiras e
as brilhantes águias que as encimavam teriam de receber a luz projetada por dez
potentes holofotes. Só isso já seria o suficiente para se obter um efeito
impressionante. Mas não me pareceu suficiente. Já tivera ocasião de ter feito
os nossos novos holofotes antiaéreos que me tinham um jato luminoso que
alcançava muitos quilômetros de altura. Solicitei a Hitler que me fossem
emprestados cento e trinta daqueles holofotes. Goering, a princípio, o pos
algumas dificuldades, pois se tratava da parte mais importante da reserva
estratégica. Mas Hitler conseguiu convencê-lo:
- Se montarmos ali
um número tão grande de holofotes, pensarão no estrangeiro que dispomos de
milhares de tais aparelhos.
A impressão excedeu
a minha fantasia. Os feixes luminosos dos cento e trinta luminosos, dispostos
em torno do campo, à distância de 12 metros um do outro, erguiam-se até 6 a 8
km de altura e, naquelas alturas, espalhavam-se formando uma superfície
luminosa. Assim, houve a impressão de um espaço gigantesco, um que os jatos de
cada projetor pareciam pilares de paredes infinitamente altas. A coroa
luminosa, de vez em quando, era sulcada de nuvens, acrescentando ao grandioso
efeito de irrealidade surrealista. Creio que com aquela "catedral de
luz" foi criada a primeira arquitetura luminosa daquele tipo. Para mim
continua sendo não somente a minha mais formosa como também a minha única
criação especial que, à sua maneira, sobreviveu à passagem do tempo.
"Solene e formosa ao mesmo tempo, como se estivéssemos dentro de um
catedral de gelo", foram as palavras do embaixador do britânico,
Henderson.
Os dignatário,
ministros do Reich, chefes nacionais, chefes regionais não podiam ser relegados
a uma posição secundária quando havia colocação de primeira pedra, embora tais
dignatários tivessem um aspecto do não menos carecido de atrativos. Eram com
dificuldade postos em fila pelos organizadores impacientes. Quando chegava
Hitler, uma voz de comando ordenava que toda a gente ficasse em posição de
sentido e levantasse o braço para a saudação nazista. Durante a colocação da primeira
pedra da Sala de Congressos de Nuremberg, Hítler viu-me na segunda fila e
interrompeu a cerimônia solene para estender-me a mão. Fiquei tão impressionado
por aquele que seu gesto, que não era habitual, que deixei cair a minha mão,
levantada para a salvação, sobre a calva do chefe regional da Francônia,
Streicher.
Durante o congresso
do partido em Nuremberg, Hitler permanecia quase invisível, recolhendo-se aos
aposentos para a redação dos seus discursos, quando não visitasse alguma das
numerosas reuniões. Um motivo de especial satisfação pra ele era ver cada ano
aumentar o número de delegações estrangeiras, mormente quando procediam dos
países do democrático Ocidente. Durante os almoços apressados, ele informava-se
dos nomes dos seus membros e que satisfazia-se com o crescente interesse da
auto-representação da Alemanha nacional-socialista.
Também em no
Nuremberg eu tive um osso duro de roer. Era minha a responsabilidade de
ornamentação de todos os edifícios em que Hitler se apresentava, no decurso do
congresso do partido. Com "decorador-chefe" eu tinha de agir no
sentido de tudo estar pronto um pouco antes do começo da cerimônia, a fim de,
logo depois, preparar a cerimônia seguinte, e isso com a maior rapidez. Eu
gostava das bandeiras e utilizava-as sempre que possível. Assim, eu introduzia
motivos coloridos na arquitetura de pedra. Para mim foi útil a bandeira com a
suástica, ideada por Hitler, pois se adaptava mais ao emprego em arquitetura do
que uma bandeira com três faixas coloridas.
Essa minha atividade
não me permitia estar presente em nenhuma das reuniões presididas por Hitler,
excetuando-se quando ele proferia os seus "discursos culturais", que
ele dizia serem o ápice da sua oratória. Hitler preparava-os Obersaltzberg.
Naquela época, eu admirava tais discursos. Certamente, na minha opinião, muito
mais pelo conteúdo pensado do que pelo brilho da sua retórica. Quando entrei em
Spandau, pretendia relê-los quando voltasse à liberdade. Eu supunha encontrar
neles algo do meu antigo mundo, que não me repelira. Vi-me porém desiludido. Os
discursos tinha um significado muito para mim, naquela época. Agora estão
vazios de sentido, sendo superficiais e vãos. Esses discursos permitem ver,
claramente, o afã de Hitler em utilizar-se, para seus próprios objetivos de
poder, no conceito de cultura, dando a esta palavra um significado inteiramente
oposto ao seu genuíno. Não pude compreender por que as palavras de Hitler de e
impressionaram tão profundamente naquele tempo. A que se devia isso?
Também jamais eu
deixaria de estar presente à inauguração dos congressos do partido, que se
abriam com a execução de Os mestres
cantores de Nuremberg pelo conjunto coral da Ópera de Berlim, sob a direção
de Furtwängler. É de se supor, facilmente, que essas noites de gala só teriam
outras iguais em Bayreuth, sendo, portanto, concorridíssimas. Mais de mil
personalidades do partido recebiam ingressos e convites, mas preferiam ver qual
era a qualidade da cerveja de Nuremberg ou do vinho da Francônia. Procedendo
assim, provavelmente todos pensariam que os demais cumpriam com o dever
inerente à sua categoria no partido, assistindo à representação lírica. Mas, na
verdade, era uma lenda o interesse da elite do partido na parte musical. Na
generalidade, os seus representantes eram tipos vulgares, anódinos, com muito
pouca disposição à música clássica, à arte e à literatura. Também os poucos
representantes do mundo intelectual existente eles no âmbito de Hitler, como,
por exemplo, Goebells, não compareciam aos concertos que a Filarmônica de
Berlim executava, regularmente, sobre a direção de Furtwängler. Para tais
ocasiões só se podia contar com Frick, ministro do Interior. Hitler, que
parecia entusiasmado pela música, depois de 1933 somente em determinados atos oficiais
comparecia aos concertos da Filarmônica de Berlim.
Compreende-se
portanto que o Teatro da Ópera de Nuremberg estivesse quase vazio quando Hitler
entrou no camarote central, por ocasião daquela apresentação de Os mestres cantores de Nuremberg em 1933.
Hitler reagiu aborrecido, pois, em sua opinião, nada havia mais ofensivo e mais
incômodo para um artista do que apresentar-se em um local inteiramente vazio. Hitler
ordenou que patrulhas fossem percorrer as cervejarias de lugares de venda de
vinhos para trazer nem ao teatro os altos funcionários do partido. Apesar
disso, o teatro não ficou lotado.
No ano seguinte, Hitler
deu ordem expressa a tais personalidades desinteressadas de teatro para que
comparecessem à solenidade de inauguração do congresso. Apareceram com um
semblante aborrecido, muitos sonolentos. Na opinião de Hitler, os aplausos
fracos não corresponderam ao valor da brilhante execução da peça. Desde 1935,
aquelas figuras do partido, indolente sob o ponto de vista artístico, foram
substituídas por um público civil, que pagava alto preço pelas entradas. Pela
primeira vez, entretanto, se tinha conseguido o ambiente imprescindível ao
artista e os aplausos exigidos por Hitler.
Altas horas da
noite, depois dos preparativos, eu entrava em meu aposento (no Hotel Deutscher
Hof), reservado para o Estado-Maior de Hitler, chefes nacionais e chefes
regionais. Eles escandalizavam, bebendo como cossacos, falando em voz alta da
traição do partido aos fundamentos da revolução e aos trabalhadores. Isso
indicava que as idéias de Gregor Strasser, antigo dirigente da ala anticapitalista
dentro do NASDAP, continuavam inesquecidas, embora reduzidas tão-somente a
palavras. E somente sob o influxo do álcool é que voltavam a sentir o antigo
impulso revolucionário.
No congresso
celebrado pelo partido tem 1934 houve pela primeira vez, na presença de Hitler,
um simulacro de batalha. Naquela mesma noite, Hitler visitou oficialmente o
acampamento militar. Tendo sido cabo, pareceu achar-se de novo em um mundo que
lhe era familiar. Aproximava-se um dos soldados, em redor das fogueiras do
acampamento, via-se rodeado por eles, e ouviam-se gracejos aqui e ali. Hitler
voltou dessa inspeção com muito satisfeito e falou a respeito durante a ligeira
refeição logo depois.
Mas o Alto-Comando
do Exército não ficou contente. Hossbach, ajudante-de-ordens do
comandante-chefe, falou de "falta de disciplina" dos soldados, que
tinham esquecido diante do chefe do Estado a posição de sentido que lhes tinha
sido ordenada. E insistiu em proibir no ano seguinte tais familiaridades,
contrárias à dignidade do chefe do Estado. Hitler, em particular, mostrou-se
aborrecido por essa crítica, mas disposto a obedecer.
Durante os
preparativos dos congressos do partido, encontrei-me com a mulher que já me
tinha impressionado, quando eu era estudante: Leni Riefenstahl, estrela ou
diretora de filmes relacionados com a montanha e o esqui. Essa mulher tinha
sido encarregada por Hitler de filmar os congresso do partido. Sendo a única
mulher com um cargo oficial, nos quadros do partido, freqüentemente criticava
sua organização, o que quase desencadeiava uma revolta contra ela. Segura de si
mesma, ela constituía uma provocação aos chefes políticos de um movimento que
por tradição era inimigo das mulher disse que, porquanto a mulher destemida governa,
sem rodeios, o mundo masculino, tendo um olhar dirigido aos seus objetivos
particulares. Urdiram-se intrigas, contaram a Hess casos infamantes para fim de
provocar a queda daquela criatura. Mas os ataque cessaram depois do primeiro
filme de um congresso do partido, o qual convenceu os corifeus de Hitler à
capacidade de Leni Riefenstahl como diretora cinematográfica.
Quando tive contato
com ela, Leni tirou de uma carteira um recorte amarelado de jornal, dizendo-me:
- Quando, há três
anos, o senhor reformou a chefatura regional, recortei sua fotografia,
estampada em um jornal, embora não o conhecesse.
Perguntei-lhe surpreso,
qual o motivo daquilo, e ela respondeu:
- Pensei que o
senhor, com essa cabeça, pudesse interpretar um papel em um dos meus filmes.
Recordo também que
as filmagens de uma das reuniões solene do congresso do partido em 1935 ficaram
inutilizadas. Leni Riefenstahl propôs e Hitler ordenou que as cenas se
repetissem no estúdio cinematográfico. Em um dos grandes estúdios de
Berlin-Johannestal. Utilizei como cenário uma sessão das casas do congresso.
Streicher, Rosemberg e Frank tiveram de decorar os seus papéis, e quando Hess
chegou pediu-se-lhe que fosse o primeiro a aparecer para ser filmado. O
lugar-tenente de Hitler, solenemente, levantou o braço, como se estivesse
diante dos trinta mil ouvintes do congresso do partido e, com a emoção e
dramaticidade que o caracterizavam, começou a falar em direção ao lugar que
aliás não estava Hitler, e adotando a posição de "sentido" disse em
alta voz:
- Meu Führer, eu o
saúdo em nome do congresso do partido. O congresso prossegue. Fala o Führer!
Enquanto representava,
ele demonstrava uma expressão tão convincente que, a partir daquele momento, eu
duvidei da autenticidade dos seus
sentimentos. Também os outros três homens, no vazio da sala de filmagem,
desempenharam seu papel de maneira ajustada à verdade, demonstrando possuírem
dotes de verdadeiros atores.
Sem dúvida eu já
admirara a cuidadosa técnica, quando Hitler, por exemplo, ia tateando com
freqüência as suas reuniões, até o momento preciso de provocação do primeiro
aplauso. Nem por isso eu deixava de reconhecer o elemento demagógico, para o
qual eu contribuía com a decoração dos lugares onde se realizavam reuniões mais
importantes. Mas, até então, eu estivera convencido da autenticidade dos
sentimentos com que os moradores suscitam o entusiasmo da massa. Portanto, foi
para mim, naquele dia, surpreendente o fato de ver que a arte de enfeitiçamento
das massas pudesse ser representada "autenticamente" sem a presença
de um público, tal como eu vira no estúdio de Johannestal.
[1] Dia
do Exército na Alemanha, após a II Guerra Mundial, data em que foi tentado um
golpe de Estado para assassinar Hitler, tomar o poder na Alemanha e terminar
imediatamente com as hostilidades. Foi liderada pelo Coronel Stauffenberg.
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